A probição da telemedicina ocupacional é inconstitucional e ilegal
6 de novembro de 2023, 13h15
Os Conselhos Regionais de Medicina vêm recebendo denúncias e representações com o objetivo de que sejam apuradas infrações éticas em face de profissionais e de empresas de saúde que se utilizam da telemedicina para a realização de exames ocupacionais baseando-se nas disposições da Resolução CFM nº 2.323/2022, em especial no, inciso I, do artigo 6º: "é vedado ao médico que presta assistência ao trabalhador: I – realizar exame médico ocupacional com recursos da telemedicina, sem o exame presencial do trabalhador".

A medicina do trabalho é uma especialidade médica direcionada à prevenção de doenças no exercício profissional e ao controle dos riscos observados no ambiente de trabalho, reconhecida pelo próprio CFM por meio da Portaria CME nº 1/2018, aprovada pela Resolução CFM nº 2.221, de 24 de janeiro de 2019. Ela integra o Sistema Único de Saúde, com o objetivo de promover a saúde do trabalhador, como está fixado no artigo 200, da Constituição Federal.
O direito à saúde, no desenho da Constituição Federal de 1988 é também direito fundamental, nos termos do artigo 5º, pois por meio dela está amparado o bem supremo que é o direito à vida. Logo, é um direito humano fundamental, social e universal que compete ao Estado garantir, como está fixado nos artigos 196 e 197 da Carta Constitucional. A universalidade, como objetivo da Seguridade Social, está reconhecida na Lei Maior Brasileira, no parágrafo único, inciso I, de seu artigo 194.
O objetivo da universalidade do atendimento e da cobertura somente pode ser perseguido mediante múltiplos e diversos meios que tratem de forma igualitária a todos aqueles que são protegidos pela assistência à saúde, nos termos do quanto fixado no artigo 196, da Constituição, figurando nesse grupo de proteção os trabalhadores. Observa-se, portanto, que o inciso I do artigo 6º, da Resolução CFM nº 2.323, de 2022, não está em harmonia com os objetivos da Seguridade Social e do SUS, deixando de preservar a saúde do trabalhador assim como a liberdade do profissional médico.
Por outro lado, não se deve perder de vista que mediante a Lei nº 14.510, de 2022 foram inseridos dispositivos na Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para autorizar e disciplinar a prática da telessaúde em todo o Território Nacional, assegurando ao profissional de saúde, na dicção do artigo 26-C a "completa independência de decidir sobre a utilização ou não da telessaúde, inclusive com relação à primeira consulta, atendimento ou procedimento", podendo, ainda, "indicar a utilização do atendimento presencial ou optar por ele, sempre que entender necessário".
É relevante observar que a telemedicina e a telessaúde foram reconhecidas na Lei Orgânica da Saúde, no seu artigo 26-A, introduzido pela Lei nº 14.510, de 2022, como meios de promoção da universalização do o dos brasileiros às ações e aos serviços de saúde, não devendo os brasileiros trabalhadores ser excluídos dessa possibilidade de o por uma Resolução do CFM, seja porque se trata, como demonstrado, de norma que colide com os objetivos da Seguridade Social e do SUS, como também porque cria tratamento desigual para os trabalhadores, o que não se compatibiliza com a universalidade e com o pleno o à saúde.
A vontade do legislador, como se pode constatar na leitura da própria Lei, é a de que a telessaúde seja ível a toda a população, prestigiando a universalidade do o aos serviços de saúde e a liberdade de escolha do profissional médico. Em nenhum momento, a Lei exclui o trabalhador da cobertura pelos serviços da telessaúde. E, diga-se, nem poderia, porque a Lei Orgânica da Saúde também protege o trabalhador. E mais do que isso, de acordo com o disposto no artigo 26-C da Lei Orgânica de Saúde, cabe exclusivamente ao profissional de saúde decidir sobre a utilização ou não da telemedicina, inclusive com relação à primeira consulta, atendimento ou procedimento.
A Resolução nº 2.323, de 2022 é ato istrativo, já que o CFM é uma autarquia federal, caracterizando-se como órgão da istração Indireta, vinculado, assim, os seus atos ao princípio da legalidade estrita, conforme previsto no artigo 5º, inciso II e no artigo 37, da Constituição Federal. Assim, espera-se que o CFM ao editar as suas resoluções não busque se sobrepor a Lei. Mas muito embora a Resolução nº 2.323, de 2022, ao menos no que diz respeito ao inciso I do artigo 6º, já esteja em conflito com a Constituição, é fato que a Lei nº 14.510, de 2022 lhe é superveniente, caracterizando-se o conflito de norma s, que leva a incompatibilidade e a invalidade da norma de menor hierarquia, na hipótese, a Resolução.
Não cabe, portanto, ao CFM expedir normas vedando o que a Constituição Federal e a lei autorizam, posto que a sua competência normativa regulamentar, além de estar jungida ao princípio da legalidade estrita, opera-se no controle da ética médica, ou seja, na fixação das diretivas da conduta médica, o que é muito diverso do que está fixado no inciso I, do artigo 6º da Resolução 2.323, de 2022.
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