Limite de alçada e o devido processo legal
12 de novembro de 2023, 8h00
A ineficiência do executivo fiscal é algo que há muito se debate, tendo o “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro” feito pelo Insper em 2022 demonstrado que mais de 70% das execuções pendentes são execuções fiscais, com taxa de congestionamento de 87%.

Pensamos que um instrumento importante para resolver esse congestionamento do Judiciário decorrente do processo de execução fiscal é o processo istrativo tributário. Para além da possibilidade de desafogar o Judiciário, constata-se a ocorrência de julgamentos mais técnicos, uma vez que no ambiente istrativo, os julgadores dedicam-se exclusivamente ao direito tributário, além de as instâncias recursais se formarem paritariamente atuando julgadores fiscais e contribuinte.
Entretanto, os órgãos decisórios istrativos também enfrentam o mesmo problema vivido no Judiciário, encontrando-se abarrotados em algumas localidades. E isso tem provocado iniciativas para tentar reparar o problema, dentre elas destaca-se a limitação de alçada.
Como a própria expressão anuncia, o limite de alçada é uma barreira que inviabiliza o o aos órgãos revisores de segunda instância, deveras, afetam o direito de revisibilidade de quem é vencido em sua pretensão. São “regras que impedem o o aos órgãos de segunda instância istrativa nos casos em que o débito tributário exigido corresponde a valor igual ou inferior ao teto fixado pela legislação processual” [1], como, por exemplo, dispõe o artigo 23, I e parágrafo único da Lei federal 13.988/2020 [2] para o ao Conselho istrativo de Recursos Fiscais (Carf).
A alçada prevista para o ao Carf está limitada a créditos tributários que envolvam o montante de sessenta salários-mínimos. Com isso, resta impedido também o controle por órgãos de uniformização de julgamentos como as Câmaras Superiores do Carf.
Evidente que regra desse quilate viola o devido processo legal em sua porção revisiva, mas não só, é vibrante a situação de quebra da isonomia. Isto porque, contribuintes cujas questões jurídicas sejam idênticas terão seus processos julgados de forma distinta unicamente em função do montante do crédito tributário exigido. Nesse mesmo sentido se posiciona Rodrigo Dalla Pria:
“Entre as questionáveis restrições ao duplo grau de jurisdição istrativo, comuns a alguns regimes processuais, está o “limite de alçada”, que segrega as autuações fiscais segundo o valor do crédito tributário exigido, fixando um limite a partir do qual o auto de infração poderá ser objeto de apreciação pelas instâncias recursais de hierarquia superior — sabidamente mais sensíveis às reivindicações do autuado —, reservando aos sujeitos ivos titulares de débitos tributários de menor repercussão econômica o direito de recorrer às autoridades istrativas que compõem a mesma instância na qual exarada a decisão recorrida.
Esse tipo de mecanismo tem como um de seus mais nefastos efeitos a segregação ilegítima de sujeitos ivos em idêntica situação jurídico-fiscal, fazendo-o a partir de um critério puramente econômico que, ao invés de promover o tratamento isonômico entre os sujeitos ivos tributários, tem o condão de agravar ainda mais a situação de injustiça já existente entre pequenos e grandes ‘contribuintes’ e, em especial, entre sujeitos ivos que cometem pequenos erros e verdadeiros sonegadores contumazes.
Trata-se, não há dúvidas, de um expediente discriminatório que viola frontalmente o cânone da isonomia, especialmente se considerarmos o fato de os maiores carecedores de justiça tributária serem os sujeitos ivos com menor capacidade econômica e aqueles que realmente se preocupam com uma gestão tributária de excelência (o que não os exime de erros e autuações)” [3].
A realidade do Carf para o limite de alçada também é constatada em outros tribunais istrativos, como é o caso de Mato Grosso.
Consoante estabelece o artigo 1031, §1º, I [4] do Decreto Estadual nº 2.212/2014, é vedada a interposição de recurso de decisão que tenha como objeto créditos tributários com valor inferior a 300 UPFMT (R$ 68.928,00). Ou seja, após a decisão de primeira instância a lide istrativa é encerrada, em contrariedade frontal ao princípio do duplo grau de jurisdição – que, relembre-se, é uma garantia constitucional [5].
Não se mostra razoável a norma que limita o o à instância recursal pelo valor do crédito tributário exigido, justamente porque constitui ofensa ao duplo grau de jurisdição istrativo, cenário esse que direciona o contribuinte ao Judiciário para buscar que lhe seja assegurado o direito de revisibilidade, a fim de que o recurso istrativo interposto reste itido, processado e julgado em segunda instância istrativa.
A quebra da isonomia também é evidente, uma vez que somente o crédito tributário de maior valor terá a garantia de controle e revisão da decisão do julgador de primeira instância.
Esse cenário contribui para a manutenção do Judiciário sobrecarregado com demandas cujo objetivo, assegurar o direito à segunda instância na esfera istrativa, seria facilmente resolvido sem a necessidade de judicializar a questão.
Portanto, a previsão da limitação de valor de alçada para o à segunda instância istrativa destoa de maneira clara do pilar desjudicialização do Código de Processo Civil/2015.
[1] CASTRO, Danilo Monteiro de; MIRANDA, Renato Turatti. Limites de Alçada no âmbito do PAT e mandado de segurança. Conjur. Publicado em: 11.09.2022. Disponível em: </2022-set-11/processo-tributario-limites-alcada-processo-istrativo-tributario>. o em: 30.07.2023.
[2] Artigo 23. Observados os princípios da racionalidade, da economicidade e da eficiência, ato do Ministro de Estado da Economia regulamentará:
I – o contencioso istrativo fiscal de pequeno valor, assim considerado aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 salários-mínimos;
[…]
Parágrafo único. No contencioso istrativo de pequeno valor, observados o contraditório, a ampla defesa e a vinculação aos entendimentos do Conselho istrativo de Recursos Fiscais, o julgamento será realizado em última instância por órgão colegiado da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, aplicado o disposto no Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, apenas subsidiariamente
[3] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. 1ª edição. São Paulo: Noeses, 2020, p. 652.
[4] Artigo 1.031 – Observado o disposto neste artigo, o sujeito ivo deverá recolher o crédito tributário ou poderá interpor recurso voluntário, no prazo de 30 dias úteis, contados da data da ciência da decisão que negar, integral ou parcialmente, o provimento do seu pedido de revisão.
§1º Não cabe recurso voluntário:
I – contra decisão da qual resulte exigência de crédito tributário em montante inferior a 300 (trezentas) UPFMT, vigentes na data do respectivo lançamento;
[5] ROMANO, Bruno; RISTOW, Rafael Pinheiro Lucas. Limite de alçada no contencioso istrativo tributário para o ao Carf, TIT e CMT e suas possíveis violações às garantias constitucionais. Revista de Direito Tributário Contemporâneo. Vol. 36. ano 8. p. 151-168. São Paulo: Ed. RT, jan./mar. 2023. Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/document?stid=st-rql&marg=DTR-2023-595>. o em: 30.07.2023.
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