Opinião

Redação final da PEC 45-A aprovada pelo Senado desafia a promessa de simplificação

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  • é pesquisador do Observatório do Poder Legislativo do IDP e monitor das matérias de Organização do Estado e Direito istrativo.

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30 de novembro de 2023, 6h02

Se a norma jurídica é a substância do direito, a linguagem é a forma pela qual seu conteúdo se afirma enquanto unidade de comando. Se é verdade que a comunicação assume meios e características peculiares a cada contexto, não é diferente com a comunicação jurídica, cujos dialetos variam conforme as matérias peculiares a cada ramo do direito.

A reforma tributária que se encaminha para a conclusão dos trabalhos no Congresso teve como uma das pedras de toque manifestas a redução do contencioso que molesta os tribunais a partir de uma engenharia tributária simplificada. Em verdade, simplificação é o mote indisputável do movimento pela reforma do tributário nacional.

Ao legislador tributário cabe, por excelência, modelar o regime jurídico da exação. O seu ofício se propõe a disciplinar uma relação econômica vertical entre quem cobra e quem paga. Por lógica e instinto, os destinatários das exações sempre farão o possível para resguardar seu patrimônio em janelas abertas intencionalmente ou não pelo legislador tributário, não importa o quão estreitas sejam.

Ao comentar o aspecto interpretativo da complexidade tributária brasileira, o professor Sérgio André Rocha, um dos principais exegetas da psicologia fiscal, advertiu em coluna de 2019 nesta ConJur que “tendo as palavras como matéria prima, os textos normativos quase sempre têm uma margem de indeterminação geradora de complexidade” [1]. Por essa razão, e este fato não é estranho a ninguém, cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados não são de bom alvitre em legislação tributária.

Não obstante o volume processual que engolfa os tribunais, o substitutivo perfilhado pelo Senado da PEC 45-A veicula novidades como o princípio da “justiça tributária” e confere isenção de 60% para bens e serviços relacionados a “serviços de saúde” e “soberania e segurança nacional”.

Cada uma dessas locuções se tornará, a partir da promulgação do texto, um parâmetro de aplicação do direito tributário, e as consequências são previsíveis pelo mais néscio dos observadores se não forem exaustivamente regulamentadas pela lei complementar.

Se demos um o notável quanto à revogação da contribuição sobre “receita ou o faturamento”, seguimos resvalando em uma censurável técnica legislativa que incentiva a contenciosidade em nossa cultura tributária enquanto faltar à prática legiferante consciência das implicações concretas do produto do seu labor.

Tal consciência envolve a análise minudente dos recursos linguísticos selecionados em uma construção legislativa cujo zelo pela sua lavra deve ser proporcional à complexidade do objeto disciplinado.

As notas emanadas da tribuna parlamentar nem sempre ressonam com a mesma acústica no foro. Uma partitura canhestra jamais pode ser devidamente executada, independentemente do intérprete.


[1] ROCHA, André Sérgio. Reduzir número de tributos não significa, necessariamente, simplificação. ConJur, 2019.

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