Opinião

Impossibilidade de responsabilização penal da PJ fora da Lei 9.605/98

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  • é pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito e Estado bacharel em Direito pela Universidade de Brasília sócio da área de Compliance Investigações e Penal Empresarial no Lefosse ex-procurador da República e ex-assessor de procuradora-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal.

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  • é pós-graduanda em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio (Ibmec) bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e advogada na área de Compliance Investigações e Penal Empresarial no Lefosse.

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11 de setembro de 2023, 21h34

As presentes reflexões têm o objetivo de avaliar, no quadro normativo atual, se a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente para além das condutas previstas na Lei nº 9.605/1998. Trata-se de um tema relevante, de interesse acadêmico, mas, sobretudo, que vem sendo agitado na jurisprudência.

De maneira excepcional no âmbito criminal, a Constituição de 1988 estabeleceu, em seu artigo 225, § 3º, que a responsabilidade penal poderia ser atribuída também à pessoa jurídica, nos casos de prática de crime contra o meio ambiente. Para que se reconheça a responsabilidade penal da pessoa jurídica, é necessário que a infração penal tenha sido cometida (1) por decisão de seu representante legal ou contratual, ou órgão colegiado; e (2) no interesse ou benefício da pessoa jurídica.

Na esfera penal, a responsabilidade ambiental é imputável a quem, de qualquer forma, por culpa ou dolo, contribui para a prática dos crimes previstos na Lei nº 9.605/1998, na medida da sua culpabilidade. Assim como ao diretor, , membro de conselho e de órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando poderia agir para evitá-la. A responsabilização das pessoas jurídicas é textualmente prevista no artigo 3º: "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas istrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade".

A questão a a ter relevo prático, na medida em que vêm sendo oferecidas denúncias contra pessoas jurídicas, pelo crime disposto no artigo 15 da Lei nº 7.802/89, mais conhecida como Lei de Agrotóxicos: "Art. 15. Aquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar, prestar serviço, der destinação a resíduos e embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, em descumprimento às exigências estabelecidas na legislação pertinente estará sujeito à pena de reclusão, de dois a quatro anos, além de multa".

Até o momento, encontram-se decisões conflitantes: alguns pronunciamentos judiciais recebem a denúncia e até mesmo condenam a empresa pela prática do crime disposto na Lei de Agrotóxicos; de outro lado, existem decisões que rejeitam a denúncia que não item a condenação da pessoa jurídica pela conduta incidente na mesma lei. Façamos uma coleta desses julgados, para apresentar o nosso posicionamento:

No processo n° 0000667-22.2017.8.26.0444, o Ministério Público ofereceu denúncia contra a pessoa jurídica, pelo crime previsto no artigo 15, da Lei 7.802/89. Naquele caso, o juiz criminal condenou a pessoa jurídica à prestação de serviços à comunidade e, em 2º grau, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a condenação da pessoa jurídica pelo artigo 15 da Lei nº 7.802/89, apenas reduzindo o valor do dia-multa para o mínimo.

Decisão similar foi vista no processo n° 0000668-07.2017.8.26.0444, em que o TJ-SP manteve a condenação de pessoa jurídica e de pessoa física, ambas pelo artigo 15 da Lei de Agrotóxicos.

Por outro lado, na Justiça Federal, no processo nº 201200000002182 (0002182-60.2012.4.05.0000), a denúncia pelo Ministério Público Federal contra a pessoa jurídica, por fato previsto na Lei de Agrotóxicos, não foi recebida pelo juiz criminal e, no segundo grau, o Tribunal Federal Regional da 5ª Região (TRF-5) manteve a decisão.

O TRF-5 entendeu que haveria apenas menção na denúncia ao fato inerente à aplicação e destinação indevida de embalagens ou resíduos, não havendo no que se falar quanto à importação proibida de agrotóxico. Sendo assim, não se poderia cogitar da incidência do artigo 56 da Lei 9.605/97, por ausência de tipicidade, mas sim do artigo 15 da Lei 7.802/89, o qual não responsabiliza a pessoa jurídica.

Caso semelhante ocorreu no Recurso em Sentido Estrito nº 0002186-97.2012.4.05.0000, em que a 4ª Turma do TRF-5 também afirmou que a pessoa jurídica apenas poderia ser responsabilizada criminalmente por condutas previstas na Lei de Crimes Ambientais.

Na mesma linha, em 2017, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou sobre o tema nos autos do Recurso Especial nº 1.368.111/PE, reiterando que o artigo 15 da Lei de Agrotóxicos não pode responsabilizar a pessoa jurídica.

Em nosso entendimento, o crime previsto no artigo 15 da Lei nº 7.802/89 somente deveria ser atribuído às pessoas físicas que tiverem concorrido para a sua prática. E as decisões acertadas são aquelas que rejeitam as denúncias fundamentadas nesse dispositivo. Conforme demonstrado, cada vez mais esse tema vem sendo discutido nos tribunais, de maneira a enriquecer os debates até então apenas doutrinários sobre o assunto.

Caberia, aqui, analisar a impossibilidade de imputar à pessoa jurídica fato previsto na Lei nº 7.802/89. Além de estar expressamente previsto na Constituição Federal a responsabilização de empresas apenas por crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais, existe uma diferenciação acerca do bem jurídico tutelado pelas Leis.

Se, por um lado, o bem jurídico tutelado na Lei de Crimes Ambientais é o meio ambiente, por outro, é possível dizer que o principal bem jurídico tutelado na Lei de Agrotóxicos é a proteção da saúde pública.

Ainda que se possa, sem dificuldades, compreender que a Lei de Agrotóxicos, de modo mediato, também busque a proteção do meio ambiente, igualmente fácil é a percepção de que o Direito Penal não permite interpretações extensivas e a Lei nº 7.802/89 não prevê essa hipótese de responsabilização. Buscar o regime sancionatório da Lei 9.605/98 para atingir pessoas jurídicas é criar uma terza lege, absolutamente incompatível com o Direito Penal.

Não se chega ao ponto de advogar a necessidade de previsão constitucional para que se possa cogitar lei para responsabilizar criminalmente pessoa jurídica. A par das dificuldades para o nosso sistema penal (e que são provadas exatamente pelos casos da Lei 9.605/98), em princípio, se pode falar da possibilidade de o legislador introduzir tal regime sancionatório.

No momento, todavia, mostram-se inviáveis denúncias formuladas contra as pessoas jurídicas por crimes que não estão previstos na Lei de Crimes Ambientais, mostrando-se indevida a remissão a outras normas por equiparação, extensão ou qualquer outra técnica interpretativa incompatível com o Direito Penal.

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