Os pais fundadores do Direito Tributário brasileiro (3): Amaro Cavalcanti
7 de abril de 2024, 8h00
Amaro Bezerra Cavalcanti de Albuquerque (1849-1922) entre vários livros escritos em longa trajetória intelectual, publicou, em 1896, Elementos de Finanças-Estudo Teórico Prático. Expôs pontos centrais do direito tributário, então substancialmente incipiente entre nós. Amaro Cavalcanti esforçou-se para sistematizar aspectos de uma também rudimentar ciência financeira. Não havia exatidão conceitual e epistemológica de áreas hoje singularmente consideradas, a exemplo da ciência das finanças, do direito tributário, do direito financeiro e da economia política. Nas faculdades de direito estudava-se a economia política, adotando-se o livro de Pedro Autran da Mata e Albuquerque, professor em Olinda.

Amaro Cavalcanti sintetizou a história dessas disciplinas, no direito estrangeiro e no direito nacional. Elencou os autores mais importantes. Estudou de modo inovador a teoria do mínimo tributável, a resistência cultural à cobrança de tributos, intuiu de algum modo a curva de Láfer, discorreu (com base em Adam Smith) sobre as melhores fórmulas de tributação, enunciou princípios gerais de direito tributário, a exemplo de translação, repercussão e evasão.
Classificou impostos e fixou uma visão panorâmica da tributação no século XIX. Serviu como fonte para autores de sua época, como Viveiros de Castro, a quem devemos um primeiro esboço histórico da tributação no Brasil, prolatado em um curso ministrado no Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em 1915. Explicou pioneiramente o princípio da seletividade, sem utilizar-se dessa expressão. Tratou do imposto de renda, quando ainda não conhecíamos essa exação, que terá em Rui Barbosa um grande defensor. Amaro Cavalcanti conhecia os financistas mais importantes da época, a exemplo de Gustav Schonberg, Sydney Buxton, Albert Delatour, a par, dos clássicos, Adam Smith, Montesquieu e John Stuart Mill, que citava recorrentemente.
Amaro Cavalcanti protagonizou os primeiros os do direito tributário no Brasil, e por isso o epíteto de um de seus pais fundadores.
Amaro Cavalcanti estudou nos Estados Unidos, em Albany, no estado de Nova Iorque. Cavalcanti era alumni da Union University. Conhecia latim, lecionando essa disciplina no Imperial Colégio D. Pedro II. Foi Senador pelo Rio Grande do Norte, atuando na Assembleia Nacional Constituinte que discutiu e votou a Constituição de 1891. Foi Ministro da Justiça de Prudente de Moraes. Atuou também como Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores. Foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, ocupando a vaga de João Barbalho Uchoa Cavalcanti, importante constitucionalista da República Velha, e autor de livro sobre a Constituição de 1891. Ocupou a cadeira no STF de 1906 a 1914.
Como Consultor no Itamaraty elaborou pareceres sobre questões relevantes na construção da política externa republicana. Opinou sobre pretensão de cidadãos ses serem ressarcidos de prejuízos e danos ocorridos na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, em 1893 e 1894. Invocou doutrina internacional, especialmente a do Conselho de Estado da França, sustentando que os atos de guerra não geram para os Estados o dever de indenizar. Além do que, na hipótese de responsabilização federal, haveria necessidade de comprovação de responsabilidade, por intermédio de competente ação judiciária.
Quando Ministro do Supremo Tribunal Federal Cavalcanti polemizou com Ruy Barbosa, a respeito de impostos interestaduais. Publicou cinco artigos no Jornal do Comércio, reiterando decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de um imposto de estatística criado pelo estado da Bahia. Esse imposto incidiria sobre o valor dos gêneros de produção nacional que fossem exportados e sobre as mercadorias que fossem comercializadas no estado, inclusive estrangeiras.
No entanto, sustentava que a decisão não continha o poder de firmar jurisprudência, que não poderia ser interpretada de modo analógico e que, principalmente, não fora tomada pela maioria dos juízes do STF (full bench); foram sete votos contra três. A decisão fora tomada com base na jurisprudência norte-americana, e afirmou-se no voto condutor que o conteúdo decidido formava precedente para discussões vindouras. Cavalcanti questionou a extensão do aresto do STF. Previa desastrosas consequências para as economias estaduais, se vingasse uma interpretação analógica e extensiva da decisão do STF, então criticada. No artigo, revelou esperança em mudança jurisprudencial, esperando luzes, prudência e patriotismo da Corte Suprema.
Rui Barbosa respondeu a essa intervenção jornalística de Amaro Cavalcanti com vinte artigos publicados no mesmo Jornal do Comércio. Rui insistia no acerto da decisão do STF. Alegava que a declaração de inconstitucionalidade do imposto de estatística militava em favor das unidades federadas, garantindo estabilidade e prosperidade, prestigiando interesses mútuos e fulminando a avidez de autonomia. Ruy foi agressivo com Cavalcanti, acusando-o de meramente amontoar precedentes que conhecia por resumos e citações rapidíssimas.
A jurisprudência do STF foi posteriormente alterada. A Lei nº 410, de 12 de novembro de 1896, esvaziou a discussão, porquanto se reconheceu, expressamente, que os Estados poderiam tributar a exportação de outros Estados. O caso ilustra, no entanto, a atuação de Amaro Cavalcanti, que polemizou com Rui, então reputado como o jurista de maior expressão nacional. Cavalcanti foi uma personalidade combativa e atuante, um nome memorável na reminiscência tributária brasileira.
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