Opinião

Inovação ou estagnação? O dilema dos negócios jurídicos processuais no Brasil

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  • é graduado em Direito Pela Universidade Federal do Paraná pós-graduando em Processo Civil membro efetivo das comissões de Arbitragem e de Precatórios da OAB-PR e advogado.

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19 de abril de 2024, 16h20

À luz dos métodos alternativos de resolução de conflito, os negócios jurídicos processuais (NJP) surgiram como novidade no Código de Processo Civil de 2015, especialmente pela inserção da cláusula geral do artigo 190.

Em razão de seu simbolismo, como importante ferramenta da instrumentalidade e da cooperação entre os agentes do processo, o instituto fora cerne de uma série de discussões da academia durante o período que antecedeu a publicação do Código. Entretanto, o fervor doutrinário pouco durou, restando ínfima a aplicação dos negócios jurídicos processuais nos dias atuais. Tal fato se dá por dois principais motivos: pela falta de conhecimento dos profissionais do Direito a respeito do instituto, e pela natureza formalista que ainda impera em nossa cultura jurídica.

Nota-se que, no presente cenário de inchaço do Judiciário brasileiro, a não utilização de NJP consubstancia verdadeiro desperdício legislativo. Não adianta relutar sobre a necessidade de modernização da codificação, se não utilizarmos as ferramentas já existentes no ordenamento processual.

Isto porque a celeridade do processo e o acertamento da decisão final está estritamente ligada à adequação do processo às partes, de modo que a discussão do direito material não pode ser objeto ório da demanda.

Viabilidade e limitações

Nas palavras de Gajardoni (2008, p.201) [1] “o estudo do direito processual civil deve ser levado a cabo sempre com viva atenção às suas ligações com o direito material, sem o que se corre o risco de reduzi-lo em um pouco interessante computar de formalidades e prazos”.

Nesse sentido, imprescindível proceder à análise da viabilidade e das limitações dos negócios jurídicos processuais atípicos.

Conforme se denota da própria redação do artigo 190 do C, os acordos processuais dinâmicos permitem a criação de um “novo rito”, pela restrição de fases, limitação de prazos, escolha dos meios de prova, e até mesmo pela forma dos atos processuais.

Embora o artigo aparente limitar a flexibilidade às hipóteses que versem sobre autocomposição, frisa-se que a discussão é mais complexa.

Isto porque, embora a disposição remeta à impossibilidade da celebração de NGJA sobre direitos indisponíveis e irrenunciáveis, a sua incidência poderá ser constatada sobre o método de satisfação de determinada pretensão.

O presente fenômeno decorre da constatação de que a indisponibilidade do direito material não constitui, por si só, um obstáculo à concretização de um negócios jurídicos processuais [2]. Como ilustração deste ponto, podemos mencionar a issibilidade de uma ação pública negociada, que permite a flexibilização das normas processuais entre as partes privadas e o Ministério Público [3].

Ademais, é imperativo ressaltar que os negócios jurídicos processuais não estão sujeitos à avaliação discricionária do magistrado, que, em deferência à autonomia individual e à livre iniciativa das partes, restringirá sua análise à verificação da conformidade legal do acordo estabelecido.

Entrave

É precisamente nessa verificação de conformidade legal que encontramos um dos principais entraves à eficácia dos negócios jurídicos: a impossibilidade de interferir na situação jurídica do magistrado. Notório que o termo “situação jurídica do magistrado” é amplo e ambíguo, remetendo-nos às funções essenciais da atividade jurisdicional, as quais inevitavelmente serão influenciadas pela celebração de negócios jurídicos que tratam da disponibilidade processual.

É, no mínimo, intrigante supor que a implementação de um novo procedimento não venha a afetar a atuação do julgador, de modo que a simples interferência na sua atividade não seja suficiente para proibir os negócios jurídicos processuais.

Nesse sentido, é crucial reconhecer que a análise dessa questão vai além de uma abordagem puramente formalista, exigindo uma avaliação cuidadosa e casuística que leve em conta o sopesamento entre os princípios constitucionais envolvidos.

É incontestável que a análise sobre a issibilidade dos negócios jurídicos processuais deve contemplar a preservação da efetividade do processo, o devido processo legal e outras salvaguardas essenciais relacionadas ao contraditório. No entanto, é igualmente crucial reconhecer a relevância de ponderar esses aspectos com o princípio da autonomia da vontade das partes, bem como com a crescente demanda por um Processo Civil que se adeque às necessidades específicas dos litigantes.

Nesse contexto, é fundamental ressaltar que o controle a ser exercido sobre os negócios jurídicos processuais se restringe à verificação de sua conformidade com a legislação vigente. Portanto, a mera alegação de interferência na atividade jurisdicional não deve ser considerada suficiente para proibir tais negócios, sob risco de comprometer a utilidade e a eficácia desse instituto, já bastante defasado.

Conclusão

Ao adotar uma abordagem excessivamente restritiva, corremos o risco de relegar os negócios jurídicos processuais a uma condição obsoleta, incapaz de se adaptar às demandas e às dinâmicas contemporâneas do sistema jurídico. Em vez disso, é necessário reconhecer a importância desses instrumentos como ferramentas que podem contribuir para a eficiência e para a celeridade da prestação jurisdicional.

Por fim, à vista do preceituado no artigo 3º do Código de Processo Civil, imprescindível o retorno às reflexões acerca dos negócios jurídicos processuais atípicos, a fim de promover e aprimorar a utilização dessa importante ferramenta.

 


[1] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental – Um Novo Enfoque para o Estudo do Procedimento em Matéria Processual. São Paulo: Atlas, 2008[1]

[2] Enunciado 135 FPPC: “A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.”

[3] Nogueira, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Editora Juspodivm, 2023, pg. 275.

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