EMBARGOS CULTURAIS

A comédia As Vespas de Aristófanes

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4 de agosto de 2024, 8h00

Nos embargos culturais desta semana, comento rapidamente a comédia As Vespas, de Aristófanes, dramaturgo grego que viveu no século V a.C. A peça, que estreou supostamente em 422 a.C., é uma crítica mordaz aos tribunais gregos do século V a.C. Aborda, no entanto, problemas muito atuais, dependendo do modo como seja lida, representada e adaptada.

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Caricatura: Prof. Arnaldo GodoyNos tribunais atenienses, réus e acusadores se apresentavam com parentes e amigos que atestavam suas boas intenções. Os tribunais funcionavam em forma de colegiado. A solidariedade aumentava o número de votos do litigante; tinha-se uma forma incipiente de solidariedade jurídica.

Os tribunais também enfrentavam questões religiosas e familiares. De acordo com certa leitura romântica, refletiam o espírito democrático da cidade. O julgamento de Sócrates (se é que de fato ocorreu) é um exemplo desse postulado, e de seus vícios.

Entre as várias Cortes, destacava-se o Areópago, imaginariamente instituído pela deusa Palas Atenas, quando do julgamento de Orestes. Segundo Plutarco, o tribunal fora criado por Sólon. Outro tribunal importante era o dos Éfetas, criado por Drácon (aquele das leis severíssimas).

Os tribunais foram criticados e ridicularizados por Aristófanes. Anualmente sorteavam-se seis mil jurados entre cidadãos com mais de 30 anos. Eram divididos em dez seções. Os julgadores recebiam uma pequena quantia por dia de trabalho. A judicatura era uma profissão comum. Havia muitos julgadores idosos, de condições modestas, pagos para desempenhar a função.

A comédia de Aristófanes centra-se em personagem fanático pelos tribunais, Filoclêon. Seu filho tenta curá-lo dessa obsessão. Aprisiona o pai em casa, mas os amigos do pai, vestidos de vespas, porque eram juízes, tentam libertá-lo. A comédia desenrola-se com debates entre pai e filho sobre os méritos dos tribunais. O pai defende os benefícios pessoais que obtém, enquanto o filho expõe a manipulação dos magistrados pelos governantes.

Filoclêon vive uma paixão patológica por condenar réus, sugerindo que seu prazer não está na justiça, mas na condenação. Em discussões com o filho, demonstra sua obsessão por julgar e condenar, indiferente à uma justiça que se imagina verdadeira. Acredita que morrerá se algum réu escapar de sua condenação, o que sugere um desejo punitivo, que é doentio.

Os juízes, vestidos de vespas, são descritos como vingativos e prontos para condenar sem julgamento justo. Aristófanes é cético em relação à justiça, destacando juízes como instrumentos dos governantes, que desviavam recursos destinados à população. A comédia é um retrato sombrio e cômico dos tribunais. A justiça é subvertida por interesses pessoais e políticos.

Ao fim da peça, o filho permite que o pai julgue os casos em casa, começando pelo julgamento de um cão acusado de roubar um queijo, que é absolvido contra a vontade de Filoclêon. Com o tempo, Filoclêon perde o gosto pelo tribunal e, embriagado, insulta outros juízes, o que sugere uma epifania e uma transformação. Participa de banquetes e festas. Sua conduta, desregrada a partir de então, revela a falência de seu antigo zelo judiciário.

A peça satiriza a sociedade ateniense, criticando a corrupção e a hipocrisia nos tribunais. Os juízes-vespas são uma metáfora para a natureza punitiva e vingativa dos julgadores. Aristófanes questiona as motivações dos magistrados e o verdadeiro propósito da justiça, sugerindo que o sistema judiciário seria manipulado por poderosos que faziam dos tribunais um meio para obtenção de seus fins.

Aristófanes também destaca julgamentos conduzidos por motivos egoístas e vingativos, distantes de um anelo genuíno de equidade. Filoclêon representa o juiz corrompido pelo sistema, enquanto seu ingênuo filho simboliza a voz da razão e da reforma.

Comparando-se Filoclêon com o bom juiz Magnaud, símbolo da jurisprudência sentimental na França do início do século XX, percebemos um profundo contraste. Magnaud era conhecido por suas sentenças humanitárias e justas, defendendo fracos e oprimidos, enquanto Filoclêon só pensava em condenar e obter vantagens pessoais. Esta comparação reforça a crítica de Aristófanes ao modelo judiciário ateniense e ao comportamento de seus juízes.

Aristófanes satirizou os tribunais de Atenas, imaginando a figura de um velho que fazia as vezes de juiz e que, trancado por seu filho, era convocado pelos outros juízes, simbolicamente equiparados às vespas. Os diálogos qualificam uma visão cética e irreverente para com a istração dos tribunais.

A comédia de Aristófanes, para alguns, ganha foros de universalidade ao traduzir um sentimento compartilhado por muitos, de desconforto, para com certos aspectos da vida dos tribunais, tornando-se uma crítica atemporal e relevante.

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