Policial que jogou homem de ponte em SP é preso por ordem da Justiça Militar
5 de dezembro de 2024, 20h26
O policial militar Luan Felipe Alves Pereira, que foi filmado jogando um homem de cima de uma ponte na cidade de São Paulo, na madrugada da última segunda-feira (2/12), foi preso preventivamente nesta quinta-feira (5/12), por ordem da Justiça Militar.

Policial foi filmado jogando homem de cima de ponte em São Paulo na última segunda
Ele já estava detido na Corregedoria da Polícia Militar, onde prestou depoimento, e será agora encaminhado ao presídio militar Romão Gomes, na Zona Norte de São Paulo. Pereira é investigado pelos crimes de lesão corporal e violência arbitrária. A alegação inicial do policial foi de que pretendia jogar a vítima no chão.
Testemunhas relataram ao portal UOL, no entanto, que, mesmo após a queda, os policiais presentes na ocorrência proibiram que fosse prestado socorro ao homem arremessado, que estava desorientado e ensanguentado.
Além do policial agora preso, que pertence à Rocam, grupo de patrulhamento ostensivo com uso de motocicletas, outros 12 agentes estão afastados e são investigados por suspeita de participação no ocorrido. Todos eles estão lotados no 24° Batalhão da Polícia Militar, localizado na cidade de Diadema, na Grande São Paulo.
O relato policial é de que a vítima ou a ser perserguida após ter tentado fugir de uma abordagem, ocasião em que dirigia uma motocicleta sem placa. O vídeo do ocorrido, no entanto, mostra que o homem não oferecia qualquer resistência antes de ter sido arremessado da ponte pelo policial.
O caso se somou a uma escalada de violência protagonizada pela Polícia Militar paulista. Nesta quarta (4/12), uma mulher de 63 anos e familiares dela foram agredidos por policiais na garagem da própria casa, em Barueri, também na Grande São Paulo.
Na última segunda, um homem de 26 anos foi morto com oito tiros nas costas pelo policial militar Vinícius de Lima Britto, que estava fora de serviço, após tentar furtar produtos de limpeza de um minimercado.
No início de novembro, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de apenas quatro anos, foi morto pela PM com um tiro de espingarda em uma operação em Santos (SP). No enterro da criança, policiais da Força Tática chegaram a protagonizar um bate-boca com o ouvidor da Polícia Militar ao fazerem uma abordagem em frente ao cemitério.
Gestão Derrite e Tarcísio
Desde o ano ado, a PM-SP responde aos comandos do secretário Guilherme Derrite, capitão reformado da corporação. Ele chegou a atuar na Rota, grupo de elite da Polícia Militar paulista, mas foi retirado do grupo, segundo ele próprio, por ter incomodado superiores. “Matei muito ladrão”, disse em entrevista a um podcast em 2021. Um levantamento da revista piauí mostrou que ele foi investigado por 16 homicídios.
Derrite foi reeleito deputado federal pelo PP de São Paulo em 2022, mas, logo após a posse, licenciou-se do cargo para assumir a Secretaria de Segurança Pública na gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Ao longo de 2024, a PM-SP já matou 713 pessoas, segundo identificou o Ministério Público estadual, responsável por exercer o controle externo da atividade policial. Em comparação com 2022, que teve 396 mortes, o número de vítimas subiu 80%. No primeiro ano da gestão de Tarcísio, já havia subido 16%, para 460 homicídios.
Apenas no início deste ano, ao longo da “operação verão”, na Baixada Santista, a Polícia Militar paulista matou 56 pessoas. Em março, o portal G1 revelou que a PM levava pessoas já mortas para atendimento hospitalar, como se estivessem ainda vivas, com a intenção de prejudicar o trabalho de perícia.
À época, o governador Tarcísio ironizou manifestações de repúdio de organizações de defesa dos direitos humanos. “Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o político bolsonarista na ocasião.
Já Derrite, também à época, defendeu a atuação policial frente ao saldo de mortes da ação no litoral. “Olha, eu nem sabia que eram 56, eu não faço essa conta. Infelizmente, são 56. Para mim, o ideal é que não fosse nenhuma, mas no mundo real em que a gente vive, a negligência do combate ao crime organizado no Brasil e no estado de São Paulo chegou a um ponto que qualquer viatura policial vai sofrer disparo de arma de fogo.”
Agora, em reação ao caso do homem jogado da ponte, Tarcísio afirmou que a conduta policial foi inaceitável. Ele ainda ou a apoiar o uso de câmeras corporais pela PM. Em ocasiões anteriores, havia dito que o equipamento não tem efetividade alguma, embora especialistas entendam que ajuda a prevenir e coibir violações praticadas por policiais, além de reduzir a letalidade dos agentes.
“Eu ito, estava errado. Eu me enganei, e não tem nenhum problema eu chegar aqui e dizer para vocês que eu me enganei, que eu estava errado, que tinha uma visão equivocada sobre a importância das câmeras. Eu era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão. Eu tinha uma visão equivocada”, disse ele nesta quinta.
Derrite, por sua vez, reprimiu a conduta do policial que arremessou o homem da ponte. “Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no estado de São Paulo”, afirmou o secretário em vídeo divulgado na terça (3/12).
Investigação e repúdio
O Ministério Público de São Paulo, por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), abriu investigação para apurar o caso do homem arremessado.
Além disso, na terça, o Gaesp enviou duas recomendações ao comandante-geral da Polícia Militar, coronel Cássio Araújo de Freitas. Em uma delas, pediu que seja enviada mensagem aos integrantes da corporação a fim de que cumpram integralmente as normas estabelecidas para abordagens policiais, “visando à redução dos casos de erros, abusos e, por consequência, de letalidade policial durante tais intercorrências”.
Na outra recomendação, o MP-SP pediu à PM-SP a utilização de câmeras corporais em todas as operações policiais, implementando “mecanismos eficazes de fiscalização para garantir o cumprimento da obrigação de uso de câmeras corporais e sua ativação no momento determinado”.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, lamentou os episódios de violência policial em manifestação nesta quinta, durante uma reunião do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, em Brasília.
“Nós não podemos compactuar com esses casos, que esperamos e confiamos que sejam casos isolados contra os civis e, por sua vez, contra pessoas que são meros suspeitos”, afirmou Lewandowski, segundo o qual a pasta estuda a edição de um ato normativo para instruir as tropas sobre o “uso progressivo da força” em abordagens.
Para o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, ex-presidente da corte, o discurso político de quem está à frente das tropas tem sido crucial para o aumento da violência policial.
“A truculência da PM e o descontrole operacional de seus agentes, motivados pela ‘política’ de segurança pública implementada pelo atual governo paulista, não podem permanecer impunes, porque representam completa, absurda e criminosa subversão dos fins que devem reger a atividade policial em uma sociedade civilizada!”, disse o magistrado.
Celso de Mello ainda destacou o papel constitucional do Ministério Público para coibir a violência policial. Conforme já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, no entanto, nos últimos cinco anos, em que a PM matou 3.838 pessoas, o MP-SP apresentou à Justiça apenas 269 denúncias referentes a homicídios praticados por policiais militares.
“O Ministério Público paulista tem enorme desafio à frente para, mediante firme e enérgica atuação, exercer o seu poder de controle externo da atividade policial, em ordem a proteger a sociedade de tão inaceitáveis abusos perpetrados, criminosamente, por membros de uma corporação em descomo com a ordem constitucional!”
Os episódios recentes de truculência policial em São Paulo também têm repercutido na jurisprudência, mesmo em casos alheios. Em decisão da última terça, por exemplo, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que o mero nervosismo de um cidadão ao se deparar com viaturas, por si só, não basta para justificar que ele seja revistado.
Na ocasião, o ministro Sebastião Reis Júnior, relator de um recurso especial, mencionou a escalada de violência praticada pela polícia. “Sejamos verdadeiros: quem não vai sentir, hoje, principalmente em uma região menos favorecida, um certo nervosismo ao ver uma autoridade policial?”, indagou.
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