Aplicação da reforma trabalhista aos contratos firmados antes de sua vigência
6 de dezembro de 2024, 8h00
A Lei nº 13.467, conhecida popularmente como reforma trabalhista, entrou em vigência em 11 de novembro de 2017, com a promessa, do então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, de gerar mais de 6 milhões de empregos [1].
Entretanto, após 7 anos de vigência, o que se percebeu é que a reforma não criou empregos, nem “beneficiou os trabalhadores”. Ao contrário, beneficiou os empregadores já que a “maioria das vagas criadas foram precárias”, como bem explicou Raimundo Simão de Melo, em artigo publicado nesta coluna em 27 de setembro [2].
Na semana ada, mais precisamente em 25 de novembro, o Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho ao julgar o incidente de recursos repetitivos (IRR), decidiu, por maioria de votos, que a reforma trabalhista tem aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, firmando a tese de Tema 23, de observância obrigatória:
“A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, ando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência.”
O relator do processo (IncJulgRREmbRep – 528-80.2018.5.14.0004), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, votou pela fixação da tese, apresentando os seguintes fundamentos, que foram indicados na ementa:
“INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. TEMA 23. DIREITO INTERTEMPORAL. LEI Nº 13.467/2017. APLICAÇÃO IMEDIATA AOS CONTRATOS EM CURSO. PARCELAS PREVISTAS EM LEI. TRATO SUCESSIVO. FATOS POSTERIORES À SUPRESSÃO DE DIREITO PELA VIA LEGISLATIVA (LEI Nº 13.467/2017). INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO. 1. Incidente de Recursos Repetitivos instaurado perante o Tribunal Pleno para decidir se, ‘quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?’ 2. Nos termos do art. 6º da LINDB a lei nova se aplica imediatamente aos contratos de trabalho em curso, ou seja, regendo a relação quanto a fatos que forem ocorrendo a partir de sua vigência, seja porque inexiste ato jurídico perfeito antes de integralmente ocorrido seu e fático, seja porque inexiste direito adquirido a um determinado regime jurídico decorrente de lei, como ocorre com as normas imperativas que regem a relação de emprego. 3. Da mesma forma, a CLT, em seu art. 912, estabelece regra muito similar, segundo a qual ‘Os dispositivos de caráter imperativo terão aplicação imediata às relações iniciadas, mas não consumadas, antes da vigência desta Consolidação’. 4. Só há ato jurídico perfeito quanto aos fatos já consumados segundo a lei da época e apenas há direito adquirido quando completados todos os pressupostos fáticos para seu exercício imediato (ou exercício postergado por termo ou condição inalterável a arbítrio de outrem, LINDB, art. 6º, §§1º e 2º). 5. Quando o conteúdo de um contrato decorre de lei, tratando-se de situação institucional ou estatutária, a lei nova imperativa se aplica imediatamente aos contratos em curso, quanto aos seus fatos pendentes ou futuros. É que, nestes casos, a lei nova não afeta um verdadeiro ajuste entre as partes, mas tão somente o regime jurídico imperativo, que incidia independente da vontade daquelas e, por isso, se sujeita a eventuais alterações subsequentes, pelo legislador. 6. No estudo da doutrina clássica, este é o típico caso do contrato de emprego, dotado de elevada carga de regulação estatal obrigatória. Há um feixe de limites, obrigações e direitos mínimos, assim como de normas de segurança, higiene e saúde etc. São direitos, portanto, decorrentes das balizas do direito positivo e não da livre convenção entre as partes, sendo que a lei que altera ou suprime direitos trabalhistas se aplica de imediato aos contratos em curso, quanto aos fatos posteriores à sua entrada em vigor. 7. As ocorrências anteriores à alteração da lei constituem fatos pretéritos, consumados (faits accomplis, facta praeterita, fatti compiuti), não atingidos pela nova lei, enquanto que os fatos incompletos ou futuros (situations en cours – facta pendentia) recebem a aplicação imediata desta, já que a concretização do respectivo fato gerador ainda não havia ocorrido quando da entrada em vigor da nova lei que alterou o regime jurídico atinente a determinada parcela trabalhista. 8. Não há falar em direito adquirido quanto aos fatos posteriores à alteração legal, ou seja, não realizados antes da alteração legal, já que, no direito brasileiro, inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico, inclusive àquele que predomina nas relações de emprego. 9. Por outro lado, não há como afastar a aplicação da nova norma aos contratos em curso quanto ao período posterior à sua vigência, em face do princípio da irredutibilidade salarial. A garantia de irredutibilidade não se refere a parcelas específicas nem à sua forma de cálculo, mas apenas ao montante nominal da soma das parcelas permanentes. Tais parcelas, entretanto, não estão implicadas nas alterações legais em discussão neste incidente, o qual discute exatamente as parcelas que não podem ser consideradas permanentes, já que dependentes de fatos posteriores à alteração normativa. 10. Da mesma forma, não há falar, no presente incidente, em vedação ao retrocesso social, em aplicação da norma mais favorável, nem na manutenção da condição mais benéfica ou inalterabilidade lesiva – uma vez que os princípios não alcançam a regra de direito intertemporal. 11. Na realidade, a vedação ao retrocesso social constitui critério de controle de constitucionalidade, a norma mais favorável é princípio hermenêutico para compatibilização de normas simultaneamente vigentes (e não sucessivamente). Quanto à condição mais benéfica ou inalterabilidade contratual lesiva, se referem à preservação de cláusulas em face de alteração contratual in pejus (não a alterações por norma heterônoma). 12. De tal modo, o Incidente de Recurso Repetitivo nº 23 deve ser recepcionado fixando-se a seguinte tese: ‘A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, ando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência’.”

Argumentos contrários
A divergência ao tema foi inaugurada pelo ministro Mauricio Godinho Delgado, para quem a lei nova não se aplicaria aos contratos em curso. O referido entendimento foi acompanhado pelos ministros Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Pimenta, Hugo Scheuermann, Cláudio Brandão e Alberto Balazeiro e pelas ministras Kátia Arruda, Delaíde Miranda Arantes, Maria Helena Mallmann e Liana Chaib.
Para o grupo divergente, os artigos 6º da Lindb e 912 da CLT devem ser interpretados em sintonia com o princípio da progressividade e do não retrocesso social, pois não se justifica a regressão jurídica de direitos sociais adquiridos. Ademais, devem ser preservados o ato jurídico perfeito e o direito adquirido de empregados e empregadas, que só poderiam ser alterados em caso de modificação favorável, por serem a parte vulnerável da relação laboral.
Em sua divergência, o ministro Augusto César Leite de Carvalho ressaltou categoricamente que:
“Em suma, permito-me concluir que a tese empolgada pelo e. Relator é a de que o direito trabalhista a ser preservado seria apenas o que tivesse o contrato como fonte jurídica, não incidindo a máxima da irretroatividade em relação a direitos adquiridos com base em lei ou qualquer outra norma estatal. Embora pareça consentânea tal premissa com as relações jurídicas de direito público — o STF a tem proclamado reiteradas vezes, exempli gratia, para assentar que não há direito adquirido a regime previdenciário de aposentadoria —, causa apreensão que se aplique o mesmo fundamento restritivo também para contratos de direito privado nos quais, em paráfrase às vetustas lições do juslaboralismo, cláusulas legais se convertem naturalmente em cláusulas contratuais.”
O ministro Maurício Godinho Delgado, por sua vez, em decisões anteriores, assim se pronunciava:
“AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 13.467/2017. 1. DIFERENÇAS DE HORAS IN ITINERE. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. APELO DESFUNDAMENTADO. SÚMULA 422, I/TST. 2. HORAS IN ITINERE. DIREITO MATERIAL. CONTRATOS CELEBRADOS EM MOMENTO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI 13.467/2017. DIREITO INTERTEMPORAL. Cinge-se a controvérsia acerca da eficácia da lei no tempo e a aplicabilidade ou não da lei nova – na presente hipótese, a Lei 13.467/2017 – aos contratos de trabalho em curso no momento de sua entrada em vigor. No plano do Direito Material do Trabalho, desponta dúvida com relação aos contratos já vigorantes na data da vigência da nova lei, ou seja, contratos precedentes a 11 de novembro de 2017. De inequívoca complexidade, o exame do tema em exame pera necessariamente pelas noções de segurança jurídica, direito intertemporal e ato jurídico perfeito. No ordenamento jurídico brasileiro, a regra de irretroatividade da lei – à exceção da Constituição Federal de 1937 – possui status constitucional. A Constituição de 1988, no art. 5º, inciso XXXVI, dispõe que ‘ a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’. No âmbito infraconstitucional, os limites de bloqueio à retroatividade e eficácia imediata da lei são tratados no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispondo o caput do citado dispositivo que: ‘A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada’. A solução do conflito das leis no tempo, em especial a aplicação da lei nova às relações jurídicas nascidas sob a lei antiga, mas ainda em curso, envolve, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, tormentoso problema, entre ‘a lei do progresso social’ e o ‘princípio da segurança e da estabilidade social, exigindo o respeito do legislador pelas relações jurídicas validamente criadas’. E, segundo o festejado autor, ‘aí está o conflito: permitir, sem restrições, que estas se desenvolvam em toda plenitude, sem serem molestadas pela lei nova, é negar o sentido de perfeição que as exigências sociais, traduzidas no novo diploma, pretendem imprimir ao ordenamento jurídico; mas aceitar também que a lei atual faça tábula rasa da lei anterior e de todas as suas influências, como se a vida de todo o direito e a existência de todas as relações sociais tivessem começo no dia em que se iniciou a vigência da lei modificadora, é ofender a própria estabilidade da vida civil e instituir o regime da mais franca insegurança, enunciando a instabilidade social como norma legislativa’. Nessa ordem de ideias, Caio Mário da Silva Pereira, no campo dos contratos, citando Henri de Page, ainda, leciona que: ‘Os contratos nascidos sob o império da lei antiga permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova. O que a inspira é a necessidade da segurança em matéria contratual. No conflito dos dois interesses, o do progresso, que comanda a aplicação imediata da lei nova, e o da estabilidade do contrato, que conserva aplicável a lei antiga, tanto no que concerne às condições de formação, de validade e de prova, quanto no que alude aos efeitos dos contratos celebrados na vigência da lei anterior, preleva este sobre aquele’. Importante também destacar que Paul Roubier, em amplo estudo de direito intertemporal, exceptua os contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova. itindo o citado jurista a retroatividade da lei nova apenas quando expressamente prevista pelo legislador. Circunstância que não ocorre na hipótese sob exame. Seguindo a diretriz exposta destacam-se julgados do STF e STJ. Assente-se que a jurisprudência do TST, ao enfrentar, há poucos anos, situação parecida – redução da base de cálculo do adicional de periculosidade do empregado eletricitário, em decorrência do advento da então nova Lei nº 12.740, de 08.12.2012 -, sufragou a vertente interpretativa de exclusão dos contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova, ao aprovar alteração em sua Súmula 191 no sentido de afirmar que a ‘ alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei n. 12.740/2012, atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT’ (Súmula 191, inciso III; grifos acrescidos). Com efeito, a irretroatividade da lei nova aos contratos de trabalho já vigorantes na data de sua vigência ganha maior relevo, diante dos princípios constitucionais da vedação do retrocesso social (art. 5º, § 2º, CF), da progressividade social (art. 7º, caput, CF) e da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, CF). Nessa perspectiva, em relação às partes integrantes de contrato de trabalho em curso no momento da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ou seja, firmados sob a égide da lei anterior, a prevalência das regras legais vigentes à época da contratação e norteadoras das cláusulas contratuais que as vinculam (tempus regit actum e pacta sunt servanda) imprimem a certeza dos negócios jurídicos, a estabilidade aos direitos subjetivos e aos deveres, bem como a previsibilidade do resultado das condutas das partes contratuais – características essas inerentes à segurança jurídica, conforme a conceituação apresentada por José Afonso da Silva: ‘Nos termos da Constituição a segurança jurídica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu’. Acresça-se que esse parâmetro de regência do Direito Intertemporal aplica-se, no Direito Brasileiro, ao Direito Civil, ao Direito do Consumidor, ao Direito Locatício, ao Direito Ambiental, aos contratos de financiamento habitacional, entre outros exemplos. Não há incompatibilidade para a sua atuação também no Direito do Trabalho, salvo quanto a regras que fixam procedimentos específicos, ao invés da tutela de direitos individuais e sociais trabalhistas. Em consequência, a aplicação das inovações trazidas pela Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, especificamente quanto à supressão ou redução de direitos, não alcança os contratos de trabalho dos empregados em vigor quando da alteração legislativa (11.11.2017). Julgados desta Corte Superior. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do C/1973; arts. 14 e 932, IV, ‘a’, do C/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido” (Ag-RRAg-367- 17.2019.5.05.0641, 3ª Turma, relator ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 10/11/2023).
Apesar dos argumentos contrários à aplicação imediata da Lei nº 13.467/2017, a maioria dos votos, aprovou a tese vinculante, para que a reforma trabalhista seja aplicada aos contratos de trabalho em vigor, regulando os direitos cujos fatos geradores ocorrerem a partir de sua vigência.
Deste modo, os pedidos relacionados às hipóteses de pagamento de horas in itinere; redução de intervalo intrajornada e pagamento de reflexos nas verbas trabalhistas; dentre muitos outros direitos que foram retirados dos empregados pela reforma, não serão devidos, mesmo que o contrato de trabalho tenha sido firmado, antes da vigência da Lei nº 13.467.
[1] https://g1.globo.com/economia/noticia/nova-lei-trabalhista-vai-gerar-mais-de-6-milhoes-de-empregos-diz-meirelles.ghtml
[2] /2024-set-27/sete-anos-depois-reforma-trabalhista-e-reconhecida-como-precarizante/#:~:text=Mais%20uma%20vez%2C%20portanto%2C%20fica,fam%C3%ADlias%2C%20inclusive%20de%20baixa%20renda.
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