Segunda Leitura

A híbrida Justiça da Louisiana e o sistema judicial brasileiro

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts istration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de istração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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8 de dezembro de 2024, 12h49

A Louisiana é um estado norte-americano diferente dos demais. Os seus primeiros colonizadores foram os ses, vindo em 1682 de Quebec, onde hoje é o Canadá, com tropas militares e religiosos católicos que visavam catequizar os indígenas que lá se encontravam. Apesar de os espanhóis terem dominado a região por quase quatro décadas, os ses lá ficaram até 31 de outubro de 1803.

Sem condições de istrá-la, a França vendeu-a aos Estados Unidos que a compraram oficialmente, nela instalando um território até o ano de 1812, quando foi elevado à categoria de Estado. Nova Orleans, a capital, é uma cidade espraiada, casas espalhadas em grandes áreas, população inferior a 400 mil habitantes, tráfego organizado e boa arborização.

Hibridismo

A colonização sa se foi, mas deixou marcas. A flor de lis está em toda parte, o French Quarter em Nova Orleans é um bairro com estilo próprio, a arquitetura está presente em diversos imóveis, na gastronomia e no nome de ruas encontra-se a França com frequência. Mas as marcas vão além, pois os ses criaram regras de Direito e o sistema de Justiça, o qual, apesar da presença norte-americana por mais de dois séculos, continua sendo adotado.

Todavia, a “civil law” sa e a “common law” do Direito anglo-saxão uniram-se em um sistema único, respeitado pelos demais estados da federação norte-americana, e que conseguiu superar as divergências internas, convivendo harmonicamente.

Na Louisiana o Direito é escrito em lei, valendo-se o estado de seus códigos, entre outros, de Direito Civil e Penal. Assim, por exemplo, o Código Civil, que é de 1825, tem princípios e regras semelhantes ao nosso Código Civil de 1916 [1]. O Código Penal foi revisado em 2023 e tem aspectos interessantes, como regra de interpretação (§ 14:3) e crimes de obstrução da Justiça (RS 14:133.1). A pena de morte é prevista em casos de homicídio, em circunstâncias especialmente graves, mas o recurso de apelação é julgado diretamente pela Suprema Corte do Estado. Todavia, não é aplicada desde 2010.

Spacca

No entanto, a existência da Civil Law, prestigiada pela relevância dada à doutrina, não exclui a força dos precedentes. Tanto os  precedentes da Suprema Corte localizada em Washington D.C., como a Suprema Corte Estadual, são seguidas fielmente pelos juízes dos Tribunais Estaduais de Apelação e os de primeira instância. A Biblioteca da Suprema Corte de Justiça da Louisiana divide os precedentes da área federal e os da área estadual em lados diversos, ambos, porém, unidos por um corredor.

Para advogar na Louisiana o candidato deve ar por provas de direito escrito da Bahr Association. Como o sistema de ensino do estado é peculiar, prestigiando a legislação escrita da Europa Continental,  são praticamente inexistentes inscrições de advogados de outros estados. Eles raramente am nos exames.

Paralelo

Vejamos agora a situação do Brasil e porque se aproxima da Luisiana.

O Brasil foi colonizado por Portugal e, assim, nada mais natural que deste país venham as regras do Direito e de sua aplicação. A instalação da primeira Vila, na Capitania de São Vicente, em 1532, com o levantamento do pelourinho, ato que simbolizava a presença e o domínio do Reino de Portugal, constitui o primeiro ato do reconhecimento do Direito da Colônia e a fixação do juiz ordinário nestas terras.

Séculos depois, proclamada a República, foi criada a Justiça Federal, através do Decreto 848, de 11 de outubro de 1890. Idealizado por Campos Salles, ministro da Justiça, o Judiciário Federal foi criado com duas instâncias. A primeira nas capitais dos estados, na maioria deles tendo apenas um juiz seccional e um juiz substituto. A segunda no Rio de Janeiro, capital federal, exercida pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, o STF julgava apelações vindas das seções judiciárias e o fazia com uma incrível simplicidade, acórdãos redigidos a mão em sessão, assinando o relator e os demais ministros.

A criação da Justiça Federal foi a cisão primeira e mais importante entre a influência do Direito da Colônia e o Direito da Commom Law. O Supremo ou a julgar a constitucionalidade dos atos do Poder Executivo, o que até hoje não é praticado em Portugal pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Ao início a Justiça Federal e a Estadual tinham grandes diferenças. Por exemplo, de 1889 a 1934, os estados tinham os seus códigos de processo civil e penal. As carreiras tinham direitos e deveres distintos.

Todavia, com o ar dos anos elas foram se aproximando. Em 1979 a Lei Orgânica da Magistratura Nacional dirigiu-se a ambas. Em 1988 a Constituição criou os Tribunais Regionais Federais, em tudo semelhantes aos Tribunais de Circuito da Justiça Federal norte-americana. Todavia, os juízes das Cortes Federais poucos anos depois aram a denominar-se desembargadores federais, um título que mescla o sistema federal norte americano e o tradicional sistema português.

Ao início os juízes federais brasileiros eram indicados pelo presidente da República ao Senado. Com o tempo aram a ser concursados, tal qual os estaduais. Atualmente, acham-se ambos sujeitos a uma prova inicial do concurso realizada pelo CNJ, muito embora diferentes as matérias de seu interesse. Uma aproximação a mais.

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, criou a Súmula Vinculante do STF, que já se encontra em número de 60. Foi uma espécie de imposição de obediência ao precedente, tal qual se dá na Common Law. A ela submetem-se ambas as Justiças, federal e estadual.

Como se vê, na Louisiana ou no Brasil, sistemas jurídicos diversos aproximam-se na busca da efetividade da Justiça. Diferentes na essência, complementam-se onde existem paralelamente. O importante é que seja sempre aproveitado o que há de melhor em um para que possa integrar-se ao outro.

 


[1] Louisiana Civil Code. Disponível em:  https://lcco.law.lsu.edu/LCCO-ToC-EN-2015-12-09.pdf. o em 07 dez. 2024.

Autores

  • é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts istration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de istração do Sistema Judiciário).

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