Suprema Corte dos EUA deve deixar leis antitrans a critério de cada estado
8 de dezembro de 2024, 11h53
Na audiência de sustentação oral do caso United States v. Skrmetti, em que a Suprema Corte dos EUA julga uma lei do estado de Tennessee que proíbe tratamentos de disforia de gênero para pacientes trans menores de 18 anos, a maioria conservadora da corte indicou que poderá restringir direitos dos transgêneros.

Maioria da Suprema Corte indicou que pode restringir direitos dos transgêneros
Os ministros conservadores consideram a possibilidade de abrir uma exclusão na regra constitucional que proíbe os governos de discriminar com base em sexo, para validar as leis antitrans do Tennessee e de outros 25 estados republicanos.
Em outras palavras, a Suprema Corte deverá deixar a adoção dessas normas a critério de cada estado — tal como fez na decisão que revogou Roe v. Wade, o precedente que havia legalizado o aborto em todo o país. Hoje, os EUA estão divididos ao meio, entre estados que permitem ou proíbem o aborto.
A lei do Tennessee proíbe especificamente os médicos de istrar, em tratamentos de disforia de gênero (ou de afirmação de gênero), bloqueadores de puberdade, bem como terapia hormonal com estrogênio e testosterona em menores de idade — sob ameaças de multa de US$ 25 mil, processo disciplinar para cancelar suas licenças e ações judiciais privadas.
No entanto, a lei abre exceções. Ela permite a hormonioterapia para pacientes cis (por exemplo, para aqueles cuja puberdade se iniciou cedo demais) e para pacientes trans que já faziam o tratamento antes de 31 de março de 2024.
Os peticionários (pais de três adolescentes transgêneros, seus médicos, o Departamento de Justiça dos EUA e a American Civil Liberties Union) alegam que a norma viola a garantia constitucional da igualdade perante a lei (a Equal Protection Clause, prevista na 5ª e na 14ª Emendas da Constituição).
Autonomia estadual
De acordo com o Legal Information Institute, a Equal Protection Clause se refere à ideia de que os governos não podem negar a determinadas pessoas os direitos que concede a outras em condições e circunstâncias similares. O governo federal e os estaduais devem governar com imparcialidade.
Parece não haver dúvida de que a lei do Tennessee viola as cláusulas constitucionais da igualdade perante a lei. A dúvida é como os ministros conservadores vão justificar uma exclusão na regra constitucional para validar essa e outras leis antitrans.
O presidente da corte, ministro John Roberts, apontou um possível caminho. Ele sugeriu que “os governos têm ampla autoridade para discriminar em contextos médicos”. Segundo o ministro, a proibição “envolve julgamentos e estudos médicos — muitos deles feitos fora dos Estados Unidos”.
Para o ministro, e alguns de seus colegas, a questão deveria ser tratada pelas assembleias legislativas dos estados. “Meu entendimento é de que a Constituição deixa essa questão para os representantes do povo, em vez de para nove pessoas (os nove ministros), das quais nenhuma é médica”.
Para defender a constitucionalidade das leis antitrans, a Suprema Corte terá, provavelmente, que revogar o precedente estabelecido em United States v. Virginia (1996). Nesta decisão, a corte estabeleceu que todas as classificações baseadas em gênero estão sujeitas ao mais alto grau de escrutínio.
Chamado nos EUA de heightened scrutiny ou strict scrutiny, o grau mais alto de escrutínio significa um exame mais rigoroso da causa — em oposição à rational basis scrutiny, que se refere a um exame menos rigoroso.
No caso de uma lei antitrans sob a ótica desse precedente, o exame mais rigoroso da causa assume que ela deve ser tratada como presumidamente inconstitucional. E, para quebrar essa presunção, “o estado deve provar que a lei não foi promulgada por razões sexistas não permissíveis”.
Mas o ministro John Roberts, com apoio de alguns de seus colegas conservadores, argumentou que o caso de Virginia “não se aplica aqui”, porque ela não envolve as “nuances médicas” que fazem parte do caso de Tennessee.
Durante a audiência, a ministra liberal Ketanji Brown Jackson se declarou preocupada com a intenção da corte de criar uma “exclusão médica” na regra geral de que toda discriminação sexual é presumidamente inconstitucional.
“No futuro, a corte poderá criar outras exclusões similares para outras formas de discriminação. Um dia poderá criar uma exclusão para a regra que proíbe discriminação racial, por exemplo”, ela disse.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!