Opinião

A violência se olha no espelho: do jovem jogado da ponte à condenação no caso Leite de Souza na Corte IDH

Autores

  • é mestre em Direito pela Universidade Vale dos Sinos (Unisinos) especialista em Direito Processual em Direito Público com ênfase em Direito Penal e em Direito das Relações Sociais professor de Direito Processual Penal na Escola da Magistratura do Estado do Paraná no Centro Universitário Assis Gurgacz na pós-graduação na Faculdade Unyleya e de Direito Institucional e Processo Penal no Estratégia Carreira Jurídica ex-defensor público da União ex-procurador da Fazenda Nacional e promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.

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  • é pesquisadora do CNPq mestra e doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) pós-doutora pelo Birkbeck College of University of London coordenadora do programa de pós-graduação em Direito e professora da Unisinos professora visitante Fulbright na Cardozo Law School e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos.

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11 de dezembro de 2024, 15h17

Dois casos separados por décadas e contextos distintos – o recente episódio em que policiais militares jogaram um jovem de uma ponte em São Paulo e a condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Leite de Souza (lembrando, ainda, do Caso Favela Nova Brasília, que também retrata a violência policial) – compartilham um mesmo denominador: a violência estatal, que insiste em se repetir. Os episódios expõem um padrão de violência que desafia uma rígida intervenção estatal.

Jovem jogado de uma ponte: a brutalidade em cena

O caso mais recente ocorreu no último domingo, quando Marcelo foi abordado pela Polícia Militar em Diadema enquanto pilotava uma moto sem placa. Após uma perseguição ele foi interceptado, e apesar de não portar nada ilícito, foi arremessado por policiais de uma ponte de três metros de altura, na zona sul de São Paulo.

O episódio gerou indignação e renovou o debate sobre a violência policial.

Caso Leite de Souza: o peso da inércia estatal

Já no plano internacional, o caso Leite de Souza revela como a ausência de resposta efetiva do Estado perpetua ciclos de violência e impunidade. Em 1990, 11 indivíduos foram vítimas de desaparecimento forçado, por uma milícia, que contava com o envolvimento, dentre outros, de agentes estatais. Anos depois, em 1993, parentes de uma das vítimas, que eram integrantes do movimento “Mães do Acaraí”, também foram assassinadas.

A violência, segundo conclusão da corte, ocorreu contra população afrodescendente residente em favela, tratada como “indesejável”, marginal e associada a atos de delinquência (semelhante ao perfil das vítimas do caso Favela Nova Brasília), reforçando um padrão de exclusão baseado no racismo estrutural.

Em 2024, a Corte IDH condenou o Brasil por não ter investigado com a devida diligência, processado e punido os responsáveis. O tribunal destacou que a negligência estatal na apuração dos fatos foi agravada pela condição social e racial das vítimas, consideradas “indesejáveis”. Essa decisão reforçou a necessidade de se combater a impunidade como garantia de não repetição.

Spacca

O espelho da violência: o que os dois casos revelam

Os episódios de Marcelo e Leite de Souza refletem um padrão inquietante: a falha em tratar com a devida diligência casos de abuso policial. Isso perpetua a percepção de que vidas negras e periféricas têm menor valor, permitindo que agentes estatais atuem com truculência, sem temer consequências mais drásticas.

No caso de Marcelo, é fundamental que os fatos sejam plenamente esclarecidos e que os responsáveis sejam devidamente punidos. Isto não apenas rompe o ciclo de impunidade, mas também reforça a confiança da sociedade nas instituições e contribui para prevenir a repetição de abusos.

O papel do estado: entre a leniência e a diligência

A condenação do Brasil no caso Leite de Souza evidenciou a necessidade de uma atuação firme no combate à violência – lembrando que o desaparecimento forçado é conduta que viola múltiplos direitos humanos – e a importância de que as agências credenciadas desenvolvam investigações sérias (com a diligência devida), buscando a responsabilização dos envolvidos (embora se trate de obrigação de meio, o Estado deve empregar todos os esforços no cumprimento desse desiderato), notadamente em casos envolvendo a atuação de agentes estatais.

Conclusão: a violência se olha no espelho

Os casos Marcelo e Leite de Souza são mais do que tragédias isoladas: eles refletem a falência de um sistema que deveria proteger, mas que frequentemente violenta e exclui.

O Brasil precisa decidir se continuará a se omitir ou se finalmente romperá com a leniência que alimenta ciclos de impunidade e injustiça.

A pergunta que persiste é: será que aprendemos a lição? Para que a resposta seja positiva, é imperativo que o Estado brasileiro adote a devida diligência e implemente mudanças estruturais que garantam segurança, dignidade e justiça para todos.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito Público pela Unisinos e promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná.

  • é pesquisadora do CNPq (bolsa produtividade em pesquisa nível 2), graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005), doutorado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2009), pós-doutorado em Direito pelo Birkbeck College of University of London (2012), professora do Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos, professora Visitante Fulbright na Cardozo Law School, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Unisinos e especialista nas áreas de direitos humanos, direitos indígenas, pós-colonialismo e descolonialidade.

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