Transferência da Corregedoria à SSP: desafios jurídicos, históricos e riscos à autonomia
17 de dezembro de 2024, 19h38

Eventual proposta de transferir a Corregedoria da Polícia Civil para a Secretaria de Segurança Pública (SSP) esbarra em questões jurídicas e históricas relevantes que realmente merecem atenção. O tema exige um tratamento responsável, considerando não apenas as implicações legais, mas também as repercussões sobre a eficácia da medida e o capital ético da instituição. No atual cenário, são pontos importantes a considerar:
Questões jurídicas na esfera federal e estadual
No âmbito da legislação federal, a medida pode ser contestada sob a perspectiva da Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis (Lei nº 14.735/2023), que define a Corregedoria-Geral da Polícia Civil como uma unidade básica essencial, dotada de autonomia em suas atividades, cuja finalidade é praticar atos de controle interno, correição, orientação e zelo pela qualidade e avaliação do serviço policial, inclusive com atuação preventiva e repressiva, tanto nas ocorrências de infrações disciplinares quanto nas penais praticadas pelos policiais civis no exercício da função.
Na seara estadual, a proposta pode contrariar os preceitos da Lei Complementar nº 1.361/2021, que assegura a atividade correcional como uma função vital que deve ser mantida de forma direta e independente dentro da Polícia Civil (artigo 17, § 2º).
Nesse contexto, desmantelar ou diminuir a importância da Corregedoria da Polícia Civil pode comprometer também a sua estrutura hierárquica e a disciplina interna, aumentando o risco de abusos de poder e ineficiência devido à falta de respaldo legal nos procedimentos. Essas alterações não apenas violam a legislação, mas também geram insegurança jurídica e istrativa.
Histórico de Insucesso
Como bem sabemos, a história da gestão das corregedorias demonstra que mudanças abruptas na estrutura organizacional, sem uma análise criteriosa, muitas vezes resultam em insucessos. Experiências anteriores, como a retirada da corregedoria de sua estrutura natural e sua transferência para subordinação direta ao Secretário da Segurança Pública (Decreto nº 54.710/2009), mostraram que tal desarticulação não promoveu a eficiência esperada e evidenciaram a necessidade de seu retorno ao controle interno.

É incompreensível imaginar uma sindicância ou processo istrativo disciplinar sem vínculo hierárquico entre o servidor público, cuja conduta está em apuração, e a autoridade responsável pela persecução istrativa. Tal situação contraria toda a doutrina pátria do direito istrativo.
Risco de influências externas
A potencial mudança também pode abrir espaço para influências externas e políticas nas operações da Polícia Civil, diminuindo ainda mais a autonomia e a credibilidade da instituição. É essencial garantir que a corregedoria mantenha sua independência para atuar em investigações e na disciplina de comportamentos inadequados.
Expectativa de diálogo
Continuamos a apontar críticas construtivas ao governo Tarcísio de Freitas e, nesse sentido, a falta de diálogo e a necessidade de sermos ouvidos pelo governador são pertinentes. Propostas como essa, que envolvem a segurança pública — a exemplo da recente tentativa de transferir a lavratura dos termos circunstanciados de ocorrência da Polícia Civil para a Polícia Militar — precisam ser discutidas amplamente com especialistas da área, membros da Polícia Civil e conosco, que representamos seus dirigentes.
Portanto, falamos o que precisa ser dito e não apenas o que o governador quer ouvir, pois temos independência e compromisso com as instituições de Estado, e não de governo. Nosso aconselhamento, que representa o somatório das experiências de quem atua diretamente no órgão, é importante para garantir que as medidas adotadas pelo governador sejam efetivas e respeitem tanto a legislação quanto a própria Polícia Civil.
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