Confiança pública na Justiça dos EUA nunca esteve tão baixa, diz Gallup
20 de dezembro de 2024, 11h48
A confiança do público na Justiça dos EUA caiu para seu nível mais baixo em 2024, desde que o Gallup começou a fazer essa pesquisa, em 2006. Apenas um pouco mais de um terço dos entrevistados na pesquisa (35%) respondeu que confia no “sistema judicial” do país, em contraste com 61% em 2017, quando o índice de confiança na Justiça atingiu seu nível mais alto.
A pesquisa do Gallup compara o índice de confiança pública na Justiça dos EUA com o dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais precisamente, com a média dos índices desses países, no período de 2006 a 2024.
2006 | 2017 | 2020 | 2024 | |
EUA | 59% | 61% | 59% | 35% |
OCDE (média) | 48% | 55% | 58% | 55% |
Nos EUA, a queda mais acentuada foi em 2024 — seguindo uma tendência dos últimos quatro anos —, devido, em boa parte, ao fator Donald Trump, de acordo com os pesquisadores. Pesou substancialmente no declínio da confiança pública a decisão de julho da Suprema Corte (em Trump v. United States), que concedeu ampla imunidade a ex-presidentes e favoreceu tremendamente o atual presidente eleito.

Queda de confiança na Justiça do país se deve, em boa parte, ao fator Donald Trump
A decisão matou, de imediato, os dois processos criminais que o Departamento de Justiça moveu contra Trump na Justiça federal: um em Washington, D.C., por suas tentativas de sabotar o resultado das eleições presidenciais de 2020; e outro na Flórida, por subtração de documentos sigilosos da Casa Branca ao deixar o governo.
A decisão também provocou um provável descarrilhamento do processo contra Trump em Nova York, em que o ex-presidente enfrenta 34 acusações de falsificação de registros contábeis, para ocultar um affair extramatrimonial com a ex-atriz de filmes adultos Stormy Daniels.
Apesar do pagamento de suborno ter ocorrido durante sua campanha eleitoral de 2016 — antes, portanto, de ser presidente —, seus advogados alegam que muito das provas usadas no julgamento se refere a fatos ocorridos quando Trump era presidente.
Um quarto processo criminal, movido na Geórgia, também diz respeito às tentativas de Trump de invalidar os resultados das eleições presidenciais no estado. Os advogados do ex-presidente também recorrem à decisão da Suprema Corte sobre imunidade presidencial.
E, nesta quinta-feira (19/12), conseguiram uma vitória expressiva no Tribunal de Recursos da Geórgia, que desqualificou do caso a procuradora-geral do estado, Fani Willis, por conflito de interesses. O motivo foi o envolvimento amoroso dela com um procurador especial que contratou para atuar no caso. Assim, esse processo está agora no limbo.
Todas essas decisões — e outras que favoreceram o ex-presidente — contribuíram para abalar a confiança pública na Justiça do país. Certamente, há outras razões, como a incapacidade do sistema de acabar com a prática de judge shopping, de vencer a malandragem política do gerrymandering, de colocar inocentes na prisão (desproporcionalmente da população negra) e de decisões difíceis de engolir da Suprema Corte, como o fim do direito ao aborto e da “Doutrina Chevron”.
Porém, o fator Trump tem um peso à parte, porque vem desmoralizando a crença em um princípio que operadores do Direito e políticos gostam de anunciar solenemente: “Ninguém neste país está acima da lei” (No one in this country is above the law).
Entre os dez menos
Ao apresentar o resultado de sua pesquisa, o Gallup também compara o índice de confiança pública na Justiça dos EUA com o dos países membros da OCDE. Para cada país, o Gallup destacou um período de quatro anos, em que a confiança pública despencou. Os Estados Unidos completaram a lista dos dez menos.
País (4 anos de queda acentuada) | 1o ano | 4o ano | Queda da confiança no período |
Mianmar
(2018-2022) |
71% | 25% | 46% |
Venezuela
(2012-2016) |
51% | 16% | 35% |
Croácia
(2017-2021) |
48% | 19% | 29% |
África do Sul
(2010-2014) |
72% | 44% | 28% |
Síria
(2009-2013) |
53% | 25% | 28% |
Hong Kong
(2016-2020) |
71% | 25% | 28% |
Marrocos
(2010-2014) |
55% | 43% | 27% |
R. D. Congo
(2009-2013) |
49% | 22% | 27% |
Uzbequistão
(2016-2020) |
89% | 64% | 25% |
EUA
(2020-2024) |
59% | 35% | 24% |
Em muitos casos, esses períodos de “menos confiança pública na Justiça” estão relacionados a tempos de turbulência política, econômica ou militar, que repercutem na istração da Justiça.
Por exemplo: Mianmar enfrentou um declínio de 46 pontos após seu regresso ao regime militar em 2021; a Venezuela registrou uma queda de 35 pontos entre 2012 e 2016, em meio a turbulências econômicas e políticas; e a Síria registrou um declínio de 28 pontos entre 2009 e 2013, durante as fases iniciais da sua guerra civil.
O Gallup também comparou o nível de confiança na Justiça dos EUA com o de outras instituições do país. A confiança pública no “sistema judicial” só está acima da do governo federal (que inclui Executivo e Legislativo).
2006 | 2017 | 2020 | 2024 | |
Forças Armadas | 86% | 92% | 93% | 83% |
Instituições financeiras | 76% | 60% | 68% | 61% |
Honestidade das eleições | 52% | 47% | 45% | 51% |
Sistema judicial | 59% | 61% | 59% | 35% |
Governo federal | 56% | 39% | 46% | 26% |
A confiança nas forças armadas está acima de tudo – e isso faz parte de uma cultura que se vê nas ruas, quando se observa pessoas pararem um militar fardado na calçada para lhe dizer: “Obrigado por seu serviço”. Porém, o segundo nível mais alto de confiança pública nas instituições financeiras é um pouco demais.
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