Opinião

Proteção ao acionista minoritário na conversão de Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital

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31 de dezembro de 2024, 7h04

No Direito Societário, especialmente no âmbito das sociedades anônimas, embora os sócios tenham liberdade para determinar as alterações do capital social, seja quanto ao seu valor, seja sob o ponto de vista da sua composição acionária, existem algumas regras previstas na legislação vigente que trazem mecanismos de defesa aos interesses dos sócios minoritários.

Os dois principais instrumentos de proteção relativos às alterações de capital social da companhia são aqueles trazidos pelos artigos 170, § 1º, e 171 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), quais sejam, a proteção contra diluição injustificada e o direito de preferência para participar dos aumentos de capital. Porém, essas ferramentas, ao mesmo tempo que garantem a proteção aos minoritários, podem também apresentar alguns desafios e suscitar dúvidas em situações específicas.

É esse o caso quando o aumento do capital social da companhia é feito a partir da conversão de adiantamentos para futuro aumento de capital (Afac), especialmente se estes tiverem sido realizados por apenas parte dos acionistas.

Tendo isso em vista, o presente artigo tem como objetivo analisar os mecanismos de proteção previstos na Lei das S.A. e a sua aplicabilidade em um contexto de aumento de capital proveniente da conversão de Afac.

A natureza dos Afac

Para que seja possível entender a natureza dos Afac, é necessária uma breve explanação a respeito do capital social e o propósito a que ele se destina. Normalmente, por influência do regramento aplicável às sociedades limitadas, é comum que o capital social seja considerado como o valor destinado, pelos sócios, ao desenvolvimento do objeto social, ando a constituir a garantia dos credores, uma vez que ele está diretamente vinculado às participações dos sócios e é o referencial de limitação de responsabilidade destes pelas obrigações da sociedade.

Contudo, na esfera das sociedades anônimas, embora o capital social possa servir de balizador aos credores, esta não é sua principal função. No evento de constituição da companhia ou de aumento do seu capital social, os acionistas poderão deliberar pela destinação de parte do valor de subscrição para a constituição de reserva de capital, a qual é utilizada para fins diversos do objeto social da companhia. Desse modo, o capital social deixa de representar a totalidade dos aportes realizados pelos acionistas e a a constituir um importante parâmetro para entender a proporção entre o capital próprio nela aportados (recursos dos sócios) e o capital de terceiros (empréstimos e outros tipos de financiamento).

A partir dessa perspectiva, na hipótese de um desequilíbrio entre o capital próprio e o capital de terceiros, é comum que os acionistas busquem ferramentas para capitalização da companhia, dentre as quais a realização de Afac.

Spacca

O Adiantamento para Futuro Aumento de Capital foi introduzido formalmente no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Parecer Normativo CST nº 23, de 26 de junho de 1981, e consiste, basicamente, na realização de aportes de recursos, pelos sócios ou acionistas, em uma sociedade para que, posteriormente, seja realizado o aumento de capital social com a incorporação desses valores e consequente elevação dos montantes referentes às participações dos sócios.

Porém, o Parecer Normativo CST não tem força de lei e nem se encontra mais em vigor, de modo que o AFAC é atualmente tratado de acordo com as normas de prática contábil. A ausência de uma disciplina normativa mais detalhada a respeito do Afac acaba por originar discussões acerca de vários dos seus aspectos. Além da insegurança jurídica quanto à possibilidade de o Afac caracterizar um mútuo, não existe regramento a respeito da sua forma de realização, já que, na prática, poderá ser efetuado pelos sócios sem necessariamente observar suas respectivas proporções no capital social. Ademais, a própria conversão do Afac em capital suscita dúvidas, uma vez que, a depender do método utilizado para definição do preço de emissão das ações, poderá resultar em uma mudança relevante da composição societária da companhia.

Diante disso, para que haja um correto tratamento ao Afac, especialmente com vistas a sua conversão, é fundamental entender o regramento dado pela legislação ao evento de aumento de capital social da companhia.

Mecanismos de proteção dos acionistas minoritários

Ao tratar da hipótese de aumento do capital social da companhia, a Lei das S.A. trouxe, em seu artigo 170, § 1º, um dos seus principais mecanismos de proteção às participações dos acionistas minoritários mediante o estabelecimento de critérios (que poderão ser utilizado de forma isolada ou conjunta) para determinação do preço de emissão das novas ações, quais sejam: (i) a perspectiva de rentabilidade da companhia; (ii) o valor do patrimônio líquido da ação; e (iii) a cotação das ações em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, itido ágio ou deságio em função das condições do mercado.

Num evento de diluição, o acionista diluído perde não só seus direitos políticos (já que sua participação ará a representar um percentual inferior do capital social votante), mas também patrimoniais, uma vez que a sua participação nos lucros também sofrerá uma redução. Sendo assim, esse dispositivo legal determina a necessidade de utilização de critérios objetivos e devidamente fundamentados para o estabelecimento do preço de emissão das novas ações, para evitar que este valor inviabilize a participação dos acionistas minoritários no aumento de capital social da companhia.

Na Exposição de Motivos da Lei das S.A. de 1976, a intenção do legislador fica clara ao estabelecer a necessidade de utilização de um preço compatível com o valor econômico da ação, de modo a evitar a diluição desnecessária e injustificada dos acionistas que não têm condições de acompanhar o aumento.

Tendo isso em vista, é importante pontuar que a Lei das S.A., a partir dos critérios indicados acima, não visa proibir a diluição de forma geral. A diluição poderá acontecer sem que represente uma violação à norma. O ponto principal do dispositivo legal é garantir que eventual diluição de acionistas ocorra sempre de forma justificada e devidamente fundamentada, afastando quaisquer abusos de poder por parte dos acionistas majoritários em detrimento dos minoritários. Nesse sentido, o art. 170, § 7º, da Lei das S.A. é preciso ao prever a necessidade de justificativa pormenorizada dos aspectos econômicos relativos ao critério de avaliação escolhido.

Em se tratando de companhia de capital aberto, o parâmetro mais recomendado será o da cotação de suas ações, ao o que, para companhias de capital fechado, o preço de emissão deverá ser calculado com base, de forma conjunta ou isolada, nos outros dois parâmetros (rentabilidade futura e valor patrimonial).

Sob a perspectiva da companhia de capital fechado, porém, a avaliação com base no valor patrimonial está sujeita não só às inconsistências de demonstrações contábeis (que não precisam ser revisadas por um auditor independente), como também às variações quanto ao método utilizado para avaliação do patrimônio da companhia. Ainda que seja uma forma mais simples de avaliação (se comparado à perspectiva de rentabilidade, a ser tratada abaixo), a escolha por esse parâmetro ite variações importantes quanto ao valor final que determinará o preço de emissão.

Em relação ao parâmetro de rentabilidade, o desafio é semelhante ao da determinação do valor patrimonial, uma vez que os métodos são diversos, cada um com suas vantagens e desvantagens. Dentre eles, o que atualmente é mais utilizado é o método de fluxo de caixa livre descontado, por representar o potencial de geração de riqueza dos ativos da companhia.

Diante disso, o ponto mais importante a ser observado é a fundamentação na escolha do método de precificação das novas ações a serem emitidas. Assim, havendo embasamento para o critério adotado, os interesses de todos os acionistas estarão devidamente protegidos e o propósito do artigo 170, § 1º, da Lei das S.A. será atendido.

Além da proteção contra diluição injustificada, o direito de preferência para participação no aumento do capital social é mais uma das ferramentas que busca proteger os acionistas minoritários contra eventuais diluições, ao tornar obrigatória a observância das proporções entre as participações já existentes quando do aumento, nos termos do artigo 171 da Lei das S.A. Importante pontuar que o direito de preferência deve ser observado independentemente da forma de integralização das ações a serem subscritas, seja a integralização por meio de aporte em dinheiro, seja por meio da conferência de bens (artigo 171, § 2º).

Além disso, o direito de preferência aplica-se também na emissão de valores mobiliários conversíveis em ações, tais como debêntures e bônus de subscrição (§ 3º do artigo 171). O objetivo da norma é evitar que essas ferramentas permitam burlar o direito de preferência dos minoritários, de modo que, posteriormente, quando da efetiva conversão desses valores mobiliários em ações, haja uma diluição dos demais acionistas que não os subscreveram. Apesar disso, caso os acionistas não exerçam seu direito de preferência na subscrição desses valores mobiliários, não poderão querer exercê-lo no momento da sua conversão.

Por fim, nas sociedades anônimas de capital fechado (artigo 171, § 8º c/c § 7º, b, da Lei das S.A.), caso qualquer dos acionistas resolva não exercer o seu direito de preferência, os demais acionistas poderão subscrevê-las, respeitada sempre a proporção das participações de tais subscritores no capital social da companhia, de modo que todos possam participar do rateio dessas ações remanescentes. 

A conversão de Afac em capital social sob a ótica dos mecanismos de proteção dos minoritários

A partir das considerações acima, surgem dois importantes questionamentos quanto à sua aplicação num evento de conversão de Afac: (1) de que forma se dá a aplicação do direito de preferência para fins de realização de Afac? e (2) tendo em vista o diferimento entre o momento do aporte e a efetiva capitalização, como isso deve ser refletido na escolha do critério de precificação das novas ações?

Quando da conversão da Afac em capital social, o direito de preferência de participação nos aumentos deverá ser respeitado em sua integralidade. É possível, porém, que os aportes realizados pelos acionistas a título de Afac não tenham observado as suas respectivas participações no capital social da companhia. Na prática, acaba sendo comum que o acionista majoritário, que fica à frente do dia a dia do negócio, realize aportes a título de Afac à revelia dos demais acionistas.

Nesse caso, o aumento do capital social da companhia deverá permitir a equalização das participações, inclusive por meio da fixação do aumento de capital em valor superior ao somatório das Afacs a serem convertidas, de modo que os demais acionistas possam preservar suas participações com a integralização do valor necessário.

Já em relação à fixação do preço de emissão das ações para fins de conversão de Afac, a questão é mais complexa, especialmente quando há divergências entre os acionistas sobre o assunto. Uma vez que não existe um prazo para a conversão de Afac em capital social, é possível que haja um decurso relevante de tempo entre a realização do Afac e o momento de sua capitalização. Quanto maior for esse período, mais complexa será a definição do parâmetro adequado para sua precificação.

No caso de uma companhia de capital fechado, conforme já exposto acima, os parâmetros a serem utilizados terão como base a rentabilidade futura ou o valor do patrimônio líquido. Na hipótese de adoção do patrimônio líquido da companhia, deixando de lado eventuais distorções quanto ao método de avaliação dos ativos, a avaliação feita no momento da conversão pode não ser suficiente para retratar a realidade da companhia, já que retrata apenas uma fotografia do momento em que foi levantado. Entre a realização do Afac e a sua efetiva conversão, poderão ter ocorrido mudanças significativas na realidade da companhia que impactam diretamente o seu valor patrimonial (de forma positiva ou negativa). Por essa razão, a adoção do valor do patrimônio líquido como único parâmetro para definição do preço de emissão das ações numa conversão de Afac se mostra pouco confiável e pode, inclusive, levantar questionamentos por parte dos acionistas minoritários.

Por outro lado, caso seja adotado o critério com base na rentabilidade futura, o próprio momento da avaliação pode representar um problema. Isso porque, na rentabilidade futura, olha-se para as perspectivas da companhia e o seu potencial de gerar valor futuro, a partir da “fotografia” do presente. A influência do Afac na geração de valor para a companhia já é percebida a partir do seu aporte, ainda que sua conversão apenas se dê em momento posterior. Sendo assim, adotar um método com base na rentabilidade futura para precificação de ações numa conversão de Afac dificilmente irá refletir o valor gerado no período decorrido entre o aporte e a conversão.

Desse modo, o que se propõe neste trabalho é a adoção conjunta dos dois critérios. Inicialmente, deverá ser realizado o levantamento da fotografia patrimonial da companhia em dois momentos distintos, à época da realização do Afac e no momento da sua conversão, de modo a permitir uma comparação da evolução do valor patrimonial nesse período. Em seguida, deverá ser complementada pela avaliação da companhia, com base na rentabilidade futura a partir da implementação do aumento do capital social. Por meio da combinação desses dois parâmetros, é possível não apenas contemplar a evolução patrimonial da companhia desde a realização do Afac, mas também de que forma os aportes de capital seguiram impactando na geração de valor da companhia.

Sendo assim, na linha do que autoriza o artigo 170, § 1º, da Lei das S.A., a utilização conjunta dos critérios ali indicados (quais sejam, valor patrimonial e rentabilidade futura) apresenta-se como a solução mais acertada, evitando inconsistências e proporcionando uma maior confiabilidade dos acionistas minoritários quanto à observância dos seus direitos.

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