A Notificação de Intermediação Preliminar na saúde suplementar
7 de fevereiro de 2024, 16h21
Sinteticamente, entende-se por saúde suplementar o conjunto de ações e serviços privados prestados por meio das operadoras de saúde, também chamadas de planos de saúde. Desta forma, trata-se de prestação de serviço de saúde médico-hospitalar exclusivamente na esfera privada, em que se diferencia da iniciativa privada na área da saúde pública (SUS), quando é chamada de saúde complementar.
Apesar da grande importância da saúde suplementar no Brasil, é evidente a carência de estudos significativos acerca das questões que envolvem as operadoras de saúde, os beneficiários, os médicos e o poder público, o que acaba exigindo dos operadores do Direito o aprofundamento de tão relevante tema, a fim de subsidiar o estado da arte, em que novas soluções aos conflitos existentes sejam oferecidas por meio de pesquisas contundentes e propositivas.
O que é a NIP?
Ante a existência de conflito entre o beneficiário e o plano de saúde, abrem-se opções de solução, tanto na esfera judicial, quanto na esfera extrajudicial. E, nesse sentido, diante da necessidade de composição extrajudicial destaca-se um procedimento istrativo perante a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), denominado de Notificação de Intermediação Preliminar (NIP).
Com isso, importante instrumento de resolução extrajudicial de conflitos entre operadoras de saúde e beneficiários é a NIP, que, no âmbito da Agência Nacional de Saúde Suplementar, se propõe a estimular o diálogo entre as partes, bem como a imposição de sanções, caso não haja solução amigável da questão litigiosa. Assim, a Resolução Extrajudicial de Conflitos na Agência Nacional de Saúde se dá por meio da Notificação de Intermediação Preliminar.
A NIP, desta maneira, consiste em instrumento que visa à solução de conflitos entre beneficiários e operadoras de planos de saúde, em decorrência de demandas de negativa de cobertura assistencial – quando há restrição de o à cobertura assistencial – mas podendo ser, também, não assistencial – quando diz respeito a questões circundantes, tal como indagações acerca do reajustamento da mensalidade do plano de saúde.

Ministro Antonio Saldanha Palheiro, do STJ
Busca pela solução consensual
Constituindo uma fase pré-processual, a NIP é orientada pelo consensualismo, que, conforme divulgado no site da ANS [1], possui os seguintes objetivos: resolver extrajudicialmente os conflitos; materializar a fiscalização realizada pela agência; buscar eficiência; constituir novo instrumento para o conhecimento das reclamações; buscar a proporcionalidade regulatória; e, conferir maior legitimidade e transparência à ação regulatória.
O o a o
Quanto ao procedimento da NIP, o primeiro o realizado pelo usuário do plano de saúde é o preenchimento do formulário eletrônico, podendo ocorrer, também, por atendimento pessoal ou disque ANS, mas a maior parte das reclamações inicia-se por meio eletrônico.
Uma vez feita a NIP, será encaminhada uma notificação automática à operadora, que terá o prazo de dez dias úteis para dar uma resposta. Depois desse prazo ocorrerá comunicação automática ao usuário-consumidor, que terá o prazo de 10 dias úteis para sua réplica.
Caso o problema seja resolvido ou diante da ausência de resposta do beneficiário, será considerada a NIP como uma demanda inativa, podendo ser reaberta a qualquer tempo.
Em caso de não resolução
Caso o problema não seja resolvido ou seja resolvido fora do prazo, haverá análise fiscalizatória pela Agência da NIP, que poderá atribuir consequências às operadoras e explicações ao beneficiário.
Em relação à operadora, três consequências poderão ser adotadas: atribuição de uma notificação de penalidade (NP), podendo ser multa ou suspensão da comercialização de planos de saúde; comprovação da reparação voluntária e eficaz (RVE), por meio de declaração da operadora e de contato com o beneficiário; e, atribuição do status de não resolvida por fato do beneficiário.
Em relação ao beneficiário, a NIP poderá ter a designação da sigla NA, como decorrência de problemas na informação da NIP, de duplicidade de notificações ou no caso de o beneficiário não pertencer à operadora. Cumpre ressaltar, que no âmbito da NIP não há finalização de demanda por impossibilidade de comprovação por parte do beneficiário, o que é tido como uma vantagem para este.
Resultado, prazos e celeridade
Ainda dentro do procedimento da NIP, cabe pontuar que o caráter voluntário é afastado, ante a necessidade de liminar judicial, tornando-se, desta forma, obrigatório. Além disso, a conciliação havida no procedimento istrativo não pode resultar em uma redução de direitos previstos na legislação de saúde suplementar.
No que concerne aos prazos, existem as Resoluções Normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar no 388/2015 e no 259/2011, os estabelecendo. Importante lembrar, que os prazos para contratos anteriores à L. 9.656/1998 seguem as cláusulas contratuais, por aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Para finalizar a questão acerca dos prazos, cabe ressaltar que, os procedimentos de urgência e de emergência possuem prazos mais exíguos para serem resolvidos.
Nesse sentido, a NIP objetiva conferir um tratamento mais célere e eficaz às reclamações de consumidores-beneficiários à ANS. A mediação possibilita que a operadora repare sua conduta irregular, evitando-se, assim, a abertura de processo istrativo e judicial, a partir da resolução das reclamações.
Índices de resolutividade
Conforme o repositório institucional da Enap [2], a NIP demonstrou “grande potencial indutor corretivo de falhas do processo de trabalho das operadoras”, estimulando ações concertadas de mediação e de fiscalização indutora. A NIP alcançou índices de resolutividade (medida do total de reclamações que são finalizadas no âmbito da NIP sem necessidade de abertura de processo istrativo) de 94% em 2023 [3].
Possibilidade de fraude
Porém, o importante instrumento da Notificação de Intermediação Preliminar pode ser mecanismo para se obrarem as mais diversas fraudes. Com o foco na análise da NIP, percebeu-se, aprioristicamente, a ocorrência de fraudes significativas no cotidiano das operadoras, com destaque para a utilização da NIP como um dos instrumentos hábeis a sua deflagração.
De acordo com EY – IESS: Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar [4]: “A fraude em saúde suplementar pode ser definida como atos dolosos que infringem as normas cometidas por beneficiário, contribuinte ou prestador de serviço, para obtenção, para si ou para terceiro, de benefícios indevidos. Isso inclui declarações falsas onde a natureza deliberada delas pode ser demonstrada”.
São relatadas como fraudes pelas operadoras de saúde [5]:
(1) Superfaturamento no pedido de reembolso, quando o beneficiário aumenta indevidamente os valores dos serviços para aumentar o valor a ser recebido pelo plano de saúde.
(2) Reembolso assistido, quando uma clínica ou laboratório, não credenciado por uma operadora de convênio médico, fornece atendimento médico sem exigir pagamento dos segurados. Ao invés disso, usa os dados de o do paciente às plataformas do convênio para solicitar o reembolso, que posteriormente é transferido pelo paciente para uma conta bancária da clínica. Esse golpe é combinado entre as duas partes e, não raramente, previsto em contrato.
(3) Uso de contas laranjas e roubo de identidade, quando criminosos criam empresas de fachada com clientes laranjas para solicitar reembolso em larga escala. Recentemente, planos de saúde denunciaram uma rede fraudulenta que chegou a movimentar R$ 40 milhões com os golpes [6].
(4) Reembolso sem desembolso, em que profissionais da área da saúde sugerem usar o valor do reembolso de serviços que não foram realizados para pagar procedimentos que não estão listados no rol da ANS, como aplicação de botox para fins estéticos.
(5) Reembolso superfaturado ou sem necessidade, quando pedidos de exames ou procedimentos desnecessários são solicitados ou quando uma clínica aumenta os valores no ree para o plano.
(6) Reembolso com uso de dados vazados, quando fraudadores utilizam dados vazados do beneficiário para entrar em contato com a operadora e trocar cadastro de comunicação com a empresa, alterando a conta para recebimento de reembolsos do consumidor por uma conta falsa.
De acordo com EY – IESS: Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar, existem cinco componentes que fazem com que o indivíduo possa cometer determinado ato ilícito/fraude, sendo que os esforços de prevenção e combate à fraude devem se centrar em cada um destes componentes. São eles: oportunidade (falha ou brecha identificada no sistema, processo ou regulamento); capacidade (conhecimento dos mecanismos e grau de o aos procedimentos); disposição ao risco (abertura do indivíduo a sofrer as possíveis consequências por seu ato); motivação (força que exerce pressão no indivíduo criando ímpeto para a fraude, como problemas financeiros, ganância, vício ou senso de merecimento e legitimidade); e, racionalização (justificativas que o indivíduo mentaliza como encorajamento para o ato fraudulento, como “seria pior se eu estivesse cometendo outro crime”).
Nesse sentido, a NIP pode ser capitulada, com destaque, dentro do componente oportunidade, uma vez que o fraudador percebe que a instrumentalização da Notificação poderá gerar seu enriquecimento ilícito.
Em todas essas modalidades de fraudes, a NIP poderá ser utilizada como mecanismo de pressão por parte do usuário para que a operadora de saúde realize uma transferência de valores para ele, mesmo não possuindo tal direito, uma vez que o plano de saúde fica com receio de ser penalizado por meio de multa ou, até mesmo, suspensão da comercialização de planos de saúde.
Conclusão
É de se concluir que, segundo a ANS, a NIP é sigla para Notificação de Intermediação Preliminar, sendo, pois, um instrumento criado pela Agência para resolver atritos entre os beneficiários dos planos de saúde e as operadoras que ofertam os planos, incluindo as as de benefícios.
Assim, ante conflitos decorrentes do contrato de prestação de serviços de saúde havido entre as partes, configura-se possível instaurar um procedimento istrativo, que, caso não seja regularmente dirimido pela operadora, acarretar-lhe-á uma sanção pecuniária, dentre outras penalidades possíveis.
Conforme dito acima, o fluxo da NIP possui duas fases:
(1) A primeira fase da Notificação Preliminar se inicia com o cadastro da demanda e posterior publicação da NIP no espaço da operadora, no site da ANS. Segue para o recebimento de resposta da operadora; contato com consumidor para saber se sua reclamação foi resolvida; distribuição das demandas para fase seguinte; encerramento automático no sistema das “demandas inativas NIP Não Assistencial” e “demandas inativas NIP Assistencial”.
(2) A segunda fase de análise fiscalizatória se inicia com as demandas do consumidor informando que a questão não foi solucionada pela operadora; demandas sem resposta da operadora de saúde; demandas com relato de realização do procedimento pelo SUS; demandas com relato de realização por liminar judicial; demandas institucionais. Posteriormente, é elaborado relatório conclusivo para todas as demandas NIP na fase de análise fiscalizatória, determinando a finalização da demanda, sendo atribuídas as seguintes consequências: não procedente, ou reparação voluntária e eficaz, ou a abertura de processo istrativo sancionador [7].
Tão relevante instrumento de resolução de conflitos não pode ser desvirtuado de sua finalidade precípua, qual seja, possibilitar o diálogo entre os diferentes atores, que possuem interesses antagônicos, mas que precisam encontrar um ponto de equilíbrio em suas questões, até porque o bem envolvido é a saúde.
Assim, resta necessário coibir a utilização da Notificação de Intermediação Preliminar, que tenha como finalidade instrumentalizar fraudes. Nesse sentido, torna-se relevante sensibilizar os beneficiários acerca da importância em conter as fraudes, uma vez que seus custos são transferidos a todos eles, por meio do aumento do valor das mensalidades dos planos de saúde.
[1] Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentao-difis-nip-pdf. o em: 09.01.2024.
[2] ENAP – Escola Nacional de istração Pública. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/. o em: 08.01.2024.
[3] ENAP – Escola Nacional de istração Pública. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/. o em: 08.01.2024.
[4] Ernest & Young – EY Brasil. IESS- Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar. Disponível em: file:///C:/s/Vaio/s/IESS_Estudo%20de%20Fraudes%20e%20Desperd%C3%ADcios%20em%20Sa%C3%BAde%20Suplementar_Vers%C3%A3o%20Completa_15112023.pdf. o em 21.01.2024.
[5] Ernest & Young – EY Brasil. IESS- Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar. Disponível em: file:///C:/s/Vaio/s/IESS_Estudo%20de%20Fraudes%20e%20Desperd%C3%ADcios%20em%20Sa%C3%BAde%20Suplementar_Vers%C3%A3o%20Completa_15112023.pdf. o em 21.01.2024.
[6] “A estimativa poderá significar um impacto causado pelas fraudes e desperdícios em 2022 entre R$ 30 bilhões e R$ 34 bilhões, evidenciando ainda mais a relevância do tema e a importância das ações de combate”. Ernest & Young – EY Brasil. IESS – Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Fraudes e Desperdícios em Saúde Suplementar. Disponível em: file:///C:/s/Vaio/s/IESS_Estudo%20de%20Fraudes%20e%20Desperd%C3%ADcios%20em%20Sa%C3%BAde%20Suplementar_Vers%C3%A3o%20Completa_15112023.pdf. o em 21.01.2024.
[7] ENAP – Escola Nacional de istração Pública. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/. o em: 08.01.2024.
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