Distorções nos valores definidos como limite de gastos das eleições
23 de julho de 2024, 19h33
A legislação eleitoral brasileira sofreu significativas alterações nos últimos anos, especialmente em relação aos limites de gastos de campanha. Até 2015, não havia uma limitação formal estabelecida por lei, permitindo que os próprios candidatos determinassem os valores de seus gastos no momento do registro. Com a promulgação das Leis 13.165/2015 e 13.878/2019, os critérios para definição desses limites mudaram drasticamente, baseando-se nos gastos das eleições de 2016, que, por sua vez, foram calculados a partir das declarações de despesas de 2012.
Evolução legislativa
Antes da Lei nº 13.165 de 2015, os limites de gastos de campanha eram auto estabelecidos pelos candidatos, o que muitas vezes resultava em declarações inflacionadas ou subestimadas, sem um critério técnico ou objetivo. A reforma eleitoral de 2015 buscou impor uma regulamentação mais rigorosa, estabelecendo limites baseados nos gastos efetivamente declarados em 2012, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
A Lei nº 13.878 de 2019, por sua vez, introduziu o artigo 18-C na Lei nº 9.504/97, fixando que os limites de gastos seriam equivalentes aos valores de 2016, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Embora a intenção fosse criar uma referência estável e previsível, a metodologia escolhida falhou em considerar as variações regionais e o contexto específico de cada eleição.
Distorções na definição dos limites
A base de cálculo utilizada nas eleições de 2016 foi fortemente influenciada pelos valores declarados em 2012, quando não havia limitação formal. Essa abordagem gerou distorções significativas, uma vez que os valores declarados não necessariamente refletiam a realidade das campanhas, podendo incluir gastos sub ou superestimados.

Um exemplo concreto dessa distorção é observado nos limites de gastos para vereador nos municípios de Agricolândia e Água Branca, ambos no Piauí, separados por uma distância de apenas 14 km. Agricolândia, com um eleitorado de 5.594 eleitores, possui um limite de gastos de R$ 50.849,05 para candidatos a vereador. Em contraste, Água Branca, com cerca de 16 mil eleitores, tem um limite de R$ 34.216,08 para o mesmo cargo. Tal discrepância é ilógica, considerando o maior número de eleitores e, presumivelmente, uma campanha mais onerosa em Água Branca. Além disso, o limite de gastos para candidatos a prefeito em ambos os municípios é de R$ 159.850,76, ignorando as diferenças na quantidade de eleitores e nas necessidades específicas de cada localidade.
Outro exemplo dessa distorção, dessa vez envolvendo o quarto e quinto maiores eleitorados do país, se dá entre Belo Horizonte e Salvador, respectivamente. A primeira, com um eleitorado de 1.994.349, possui limite como limite de gastos para o cargo de prefeito o valor de R$ 39.500.490,40. Já a capital baiana, com 1.971.274 eleitores, terá como limite o valor de R$ 21.719.094,76. Ou seja, uma diferença de apenas 23.075 eleitores para um teto de gastos com diferença de R$ 17.781.395,64. Assim, apenas a diferença entre os dois tetos de gastos é quase o equivalente ao limite de gastos da cidade de Salvador.
Como para as eleições de 2020 e de 2024, os critérios são os mesmos já mencionados, apenas com a correção da inflação (IPCA), nas 215 páginas da Portaria nº 593/24 da Presidência do TSE poderão ser identificadas centenas de outros exemplos dessas distorções, em maior ou menor grau. Por isso, ficaremos apenas nesses dois exemplos já mencionados, que muito bem ilustram o problema.
Falta de critério
A falta de um critério técnico, objetivo e amparado em dados estatísticos para estabelecer os limites de gastos resulta em uma desigualdade que compromete a equidade do processo eleitoral. O uso dos gastos declarados em 2012 como referência não considera as variações econômicas e sociais que ocorreram desde então, além de não refletir as reais necessidades das campanhas em diferentes regiões e contextos. Em verdade, muito dessas discrepâncias destacadas foram ocasionadas pela má escolha do critério para definição desses limites de gastos — eleição de 2012 —, realizada em um tempo no qual a fragilidade no controle e fiscalização das contas de campanha predominava.
Uma época, aliás, em que o financiamento privado era amplamente majoritário nas campanhas. Assim, o limite de gastos declarado dependia da boa vontade e da transparência do candidato em confessar para a Justiça Eleitoral que faria uso de determinada quantia de recursos, bem como da sua capacidade de arrecadação junto a patrocinadores privados.

A realidade atual é completamente distinta. No entanto, os valores que atualmente o TSE prevê como teto de gastos são resultado ainda de uma época cuja realidade jurídico-normativa é diametralmente oposta à atual, em que predomina o financiamento público, com uma crescente regulamentação da arrecadação e gastos eleitos, e um forte rigor na fiscalização da movimentação financeira e patrimonial nas campanhas eleitorais.
Assim, a previsão de atualização dos valores pelo IPCA, embora tente corrigir a inflação, não corrige a causa do problema que, como dito, está na má escolha do critério inicial de definição do parâmetro (gastos informados na eleição de 2012). Ademais, também não é suficiente para refletir as peculiaridades locais, resultando em limites que podem ser insuficientes ou excessivos dependendo da localidade. Essa distorção pode ainda favorecer candidatos com maior capacidade de arrecadação e o a recursos não declarados, perpetuando práticas como o caixa 2.
Considerações finais
É essencial que futuras reformas eleitorais busquem estabelecer critérios mais justos e representativos para os limites de gastos de campanha. Uma possível abordagem seria a adoção de um modelo que considere o número de eleitores, o custo médio de campanha em diferentes regiões e outros fatores socioeconômicos relevantes. Somente assim será possível garantir uma competição eleitoral mais equilibrada e democrática, onde os recursos financeiros não sejam um fator determinante para o sucesso eleitoral.
As distorções observadas nos exemplos de Agricolândia e Água Branca, bem como Salvador e Belo Horizonte, ilustram a necessidade urgente de revisão dos critérios atuais. A implementação de um sistema mais transparente e justo beneficiaria não apenas os candidatos, mas também a sociedade como um todo, fortalecendo a integridade do processo eleitoral brasileiro.
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