Opinião

Queimadas e a crise na fiscalização ambiental brasileira

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  • é advogado criminalista pós-doutor em Desafios em la post modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP e MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

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26 de julho de 2024, 20h41

O desmatamento ambiental no Brasil teve seu período crescente encerrado no final de 2022, porém, apesar de incremento de multas e da fiscalização, uma crise se avizinha rapidamente com a fiscalização ambiental brasileira. E os efeitos do desmatamento desenfreado de outrora são sentidos nos dias correntes através das queimadas que se intensificaram.

O governo federal, ao invés de atuar na prevenção, optou por reduzir ainda mais o já combalido orçamento do Ibama, que perdeu 24% de seus recursos para o combate aos incêndios.

O corte produziu para 2024 um orçamento de R$ 50 milhões, isto é, menos da metade dos R$ 120 milhões solicitados pelo Ibama para 2023 para o planejamento de ações de combate a incêndios para 2024. Não chega a ser uma novidade, afinal, a proposta de orçamento enviada ao Congresso pelo governo federal para 2024 fora de R$ 65,7 milhões — uma redução de 26,4% em relação a 2023. O Congresso Nacional decidiu que o orçamento seria para 2024 de R$ 62 milhões.

Consequências

Qual o impacto para o meio ambiente tal redução? Em virtude dos recentes fenômenos climáticos, dentre eles, o El Niño, houve a previsão de o período seco ser antecipado e com ele as queimadas.

Fernando Augusto/Ibama

A área queimada no Pantanal, somente em 2020, supera em dez vezes a área de vegetação perdida em 18 anos. O IBGE estimou uma devastação no importe de 2,1 mil km2 entre os anos 2000 e 2018, até então o bioma mais preservado do Brasil. Todavia, a área queimada em 2024 já alcançou 680 mil hectares (4,53% de toda extensão do bioma), ultraando 2020, quando comparado ao mesmo período do ano. Até junho de 2020, o Pantanal havia queimado 258 mil hectares. Portanto, 2024 já apresenta um aumento de 143% em comparação com o mesmo período em 2020.

A crise ambiental é acentuada e o desmatamento produz consequências nas queimadas. Pesquisadores relacionam o aumento das queimadas no Pantanal com o desflorestamento da Amazônia, já que é da floresta que vem a maior parte da umidade que o alimenta, o que os especialistas chamam de “rios voadores”.

Fiscalização

Então, uma das medidas para reduzir as queimadas é incrementar a fiscalização e impedir o avanço do desmatamento nas florestas brasileiras. No entanto, há uma crise aprofundada na fiscalização tanto no Ibama quanto no ICMBio.

Hoje, o Ibama conta com pouco mais de três mil servidores — um número que já representa uma redução de quase 40% se comparada a 2014, sendo que apenas 800 são agentes de fiscalização. O número representa um fiscal a cada mil quilômetros quadrados de unidades de conservação. Claramente o número é insuficiente.

A situação no ICMBio não é mais alentadora, pois, lá também existem apenas 800 agentes de fiscalização.

Se houve redução para o orçamento da prevenção de queimadas, para a fiscalização o orçamento é de R$ 109 milhões o que representa R$ 0,63 reais por hectare. Já para o ICMBio o orçamento de fiscalização da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024 previu apenas R$ 24 milhões para ações fiscalizatórias. Com uma área de 172 milhões de hectares para fiscalizar o instituto dispõe, portanto, de R$0,13 para cada hectare a ser monitorado.

Spacca

Não por acaso, os agentes de fiscalização do Ibama e do ICMBio entraram em greve em janeiro. E, além da elevada adesão de seus agentes, os dois órgãos contaram com mais de 400 pedidos de exoneração. À época da paralisação o Ibama contava com 800 fiscais, dos quais 535 aderiram à paralisação e 260 exonerações foram solicitadas. Já no ICMBio havia 900 fiscais, dos quais mais de trezentos aderiram a paralisação e 160 pediram exoneração.

O impacto foi sentido com a queda de quase 70% dos autos de infração no período no Brasil (1.090 em janeiro de 2023 ante a 335 em janeiro de 2024). Somente na Amazônia a queda dos autos chegou a quase 90%.

Promessa

Quando o presidente eleito participou da COP 27 e fez duras críticas ao desmatamento desenfreado praticado durante o governo anterior, a promessa era de ações efetivas de preservação ambiental.

Agora, um ano e meio depois, o meio ambiente segue agonizando, a infraestrutura e a fiscalização ambiental agonizam e as consequências negativas ambientais são evidentes.

Pouco efeito concreto tem um discurso sem ações práticas, planejamento, fiscalização e, acima de tudo investimento. Claro está que o meio ambiente nacional, o Ibama e o ICMBio precisam de incremento nos recursos atuais, além de concurso para a contratação de agentes de fiscalização para realizar o trabalho preventivo adequado sobre as queimadas e, concomitantemente, atuar na fiscalização para coibir o desmatamento. Um fiscal para mil km2 é um acinte e não se mostra compatível com o que pretende ser demonstrado na vindoura COP da Amazônia.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Desafios en la Post Modernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza, doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC-SP e MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas.

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