Opinião

Assistência à acusação como direito da vítima

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  • é promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência de Aracaju pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe ex-juiz de Direito e autor de artigos jurídicos.

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28 de julho de 2024, 15h01

Faz muito tempo que a vítima foi substituída, e também esquecida, no Direito Penal, como Michel Foucault contextualizou com bastante originalidade, e que é importante compreender:

“2) Aparece um personagem totalmente novo, sem precedente no Direito Romano: o procurador. Esse curioso personagem , que aparece na Europa por volta do século XII, vai se apresentar como o representante do soberano, do rei ou do senhor. Havendo crime, delito ou contestação, entre dois indivíduos, ele se apresenta como representante de um poder lesado pelo único fato de ter havido um delito ou um crime. O procurador vai dublar a vítima, vai esetar por trás daquele que deveria dar a queixa (…). O soberano, o poder político vêm, desta forma, dublar, e pouco a pouco, substituir a vítima. Este fenômeno, absolutamente novo, vai permitir ao poder político apossar-se dos procedimentos judiciários. O procurador, portanto, se apresenta como o representante do soberano lesado pelo dano. (…)[1].

A Constituição de 1988 atribuiu ao Ministério Público a legitimação para promover a ação penal pública nos casos determinados pela Lei Penal, artigo 129, I [2], mas, conferiu à vítima ou ao seu representante [3], sob a forma de garantia fundamental, a legitimação extraordinária para ação penal privada subsidiária da ação penal pública, quando o primeiro legitimado deixa de promovê-la, permanecendo inerte e abusando da sua atribuição, nos termos do artigo 5o, LIX [4], regulamentado pelo artigo 29 do Código de Processo Penal (P) [5], em correspondência com a legitimação comum para a Ação Penal Privada propriamente dita, nas hipóteses estabelecidas.

Todavia, a Constituição não mencionou expressamente o direito da vítima, ou quem a represente, promover o acompanhamento da ação penal pública, consoante matéria regulamentada pela legislação processual penal pelo instituto da assistência à acusação, artigo 268 do Código de Processo Penal (P) [6].

Mas, pelo método de interpretação lógica, quem pode o mais, pode o menos! O direito de assistir à acusação adquire relevância natural muito além do caráter coadjuvante de acompanhamento da mesma em face da perspectiva ou da finalidade reparatória e assistencial, inclusive como já reconhecido no artigo 245 da Constituição [7], bem como no artigo 201, §5º, do P [8], por exemplo. Vale assinalar que a antiga ação civil ex delicto, prevista nos artigos 63 e seguintes do P [9], jamais foi utilizada em escala pelo Ministério Público, que, mesmo tendo legitimidade reivindicada, também continuou ignorando.

Direito fundamental da vítima e de seus representantes

A nova perspectiva reparatória conferida à vítima, que se avista dentre as condições para realização do acordo de não persecução pena (ANPP) [10] [11], e no chamado pedido de indenização mínima, previsto no artigo 387, IV, do P [12], o qual deve ser formulado com indicação de valor na denúncia [13], ratifica a existência do seu direito fundamental à assistência jurídica, inclusive para discutir a questão e apresentar suas demandas.

Nesse contexto, o direito à assistência à acusação se apresenta como direito fundamental da vítima ou dos seus representantes, e cabe sua materialização através de mecanismos dentro do próprio sistema processual, antes mesmo do ingresso em juízo, inclusive para apuração de ato infracional.

A assistência à acusação possibilita a fiscalização da atuação do órgão proponente e confere “voz” processual para observância dos interesses da vítima. Por outro lado, não é possível imaginar poder, atribuição, atividade, função, num Estado de Direito, sem fiscalização ou controle amplo, inclusive quanto aos resultados.

Inicialmente constitui um dever do juízo e do próprio Ministério Publico informar a vítima dos seus direitos, inclusive de entrevista com o(a) agente ministerial (v. aqui na ConJur nosso “direito da vítima à entrevista com o ministério público[14]), bem como assinalar que também possui o direito fundamental de constituir assistência ou assistente à acusação para acompanhamento dos seus demais direitos e interesses, e, claro, fiscalizar o órgão proponente da ação penal, pois a defesa da ordem jurídica não pode estar dissociada dos direitos e da vítima enquanto sujeito e protagonista de direitos.

Segundo o

Mas não basta a mera declaração de direitos. O segundo o aponta para materialização do direito da vítima à assistência ou assistente de acusação, e segue pelo seu encaminhamento ao sujeito processual órgão responsável por atendê-lo, promovendo seu ingresso na ação penal pública já proposta, caso não seja a hipótese de promoção da ação penal privada subsidiária.

Michel Foucault quando esteve no Brasil, em 1974

A Defensoria pleiteou e teve deferido pelo STJ o ingresso em ação em que consta como vítima criança e adolescente, e, assim, lhe cabe, por dever de ofício também atender, indistintamente, qualquer pessoa “jurídicamente vulnerável” para lhe garantir direitos, independentemente de figurar no papel de vítima, cf. a Constituição, artigo 134 [15], tudo, sem prejuízo da atuação de outros agentes.

Neste sentido, mesmo ainda em caráter facultativo, um importante o já foi dado e deve ser enaltecido, conforme recente julgado do egrégio Superior Tribunal de Justiça em caso bastante ilustrativo:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA, DE OFÍCIO, PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS. PRESENÇA EM AUDIÊNCIAS DE DEPOIMENTOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ATUAÇÃO EM CONFORMIDADE COM AS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA. DIREITO DA VÍTIMA À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL. INEXISTÊNCIA DE CONFUSÃO COM AS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA QUE ULTRAA A AÇÃO PENAL. (…).” [16]

Então, a Defensoria Pública se destina apenas a atender alguns réus? Mutatis mutandis, será que o Ministério é Público ou apenas ministério de acusação? Tudo indica que as respostas estão contidas nas perguntas…

Efetivamente, o que importa, de fato, não é apenas, prestar à vítima o direito à informação, mas lhe garantir o direito fundamental de assistir à acusação, cabendo ao Estado-Juiz lhe providenciar, em hipóteses de hipossuficiência e interesse, instituição capaz de fazê-lo, se a Defensoria deixa de atendê-la.

Protagonismo da vítima

De toda forma, é preciso restabelecer para além do papel, se é que algum dia foi estabelecido, o protagonismo da vítima para a defesa dos seus bens jurídicos violados direta ou indiretamente, inicialmente lhe esclarecendo, em seguida lhe indagando acerca do interesse, e imediatamente reconhecendo a legitimidade da utilização — real — do instrumento de ingresso na lide penal pela assistência à acusação, seja através de representação processual pelo órgão da Defensoria, ou outro que venha a fazer suas vezes, sem prejuízo da atuação da defesa da ordem jurídica pelo Ministério Público. E se a Defensoria não atende e promove a assistência à acusação, será cabível a nomeação de advogado dativo para fazê-lo, às custas do Estado, que pagará duas vezes pelo mesmo serviço…

O direito à reparação somente será efetivamente considerado quando compreendido e redimensionado como componente indissociável do direito fundamental da vítima à assistência à acusação.

 


[1]. No seu Texto A Verdade e as Forma Jurídicas, PUC-RJ/Nau Edidora, 2008, pgs. 65/67, Foucault ainda classificou de modo peculiar as figuras modernas do procurador, correspondente ao Ministério Público, da infração e do Estado:

3) Uma novção absolutamente noma aparece: a infração. (…) A infração não é um dano cometido por um indivíduo a outro, é uma ofensa ou lesão de um indivíduo à ordem, ao Estado, à lei, à sociedade, à soberania, ao soberano. (…)

4) Há ainda uma última descoberta, uma última invenção tão diabólica quanto a do procurador e da infração: o Estado ou melhor, o soberano (já que não se pode falar de Estado nessa época) é não somente a parte lesada mas a que exige reparação.” (grifo do articulista)

[2] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[3] Dispõe o Código de Processo Penal (P) que em caso de morte ou ausência judicial declarada do ofendido, o direito poderá ser exercido pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, bem como em caso de incapacidade, pela menoridade ou por doença mental, e ainda de conflito de interessses, será exercido por curador judicial nomeado, cf. arts. 31 e 33, observada, na primeira hipóteses, a ordem de preferência constante do art. 36.

[4] LIX – será itida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

[5] Art. 29. Será itida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal,   cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

[6] Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31.

[7] Art. 245. A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.

[8] Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) (…)

§5o Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

[9] Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros. (…)

Art. 64. Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.(Vide Lei nº 5.970, de 1973)

Parágrafo único.  Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

[10] Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[11] Vide aqui na CONJUR o interessante Artigo Impossibilidade de reparação do dano no ANPP nos crimes contra patrimônio: /2024-jul-21/a-alegada-impossibilidade-de-reparacao-do-dano-no-anpp-nos-crimes-contra-o-patrimonio/

[12] Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (Vide Lei nº 11.719, de 2008) (…)

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008).

[13] V. STJ, 6ª Turma, AgRg nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1797301 – SP (2020/0318889-8) Relator, Min. Rogério Schietti Cruz, j. em 12/03/2024, in consultado em: https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=235452569&registro_numero=202003188898&peticao_numero=202100510615&publicacao_data=20240321&formato=PDF

[14] Publicado em 31/08/2023, em /2023-ago-31/silvio-euzebio-direito-vitima-entrevista-mp2/

[15] Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

[16] Vale conferir a Ementa completa do julgado:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA, DE OFÍCIO, PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA ÀS VÍTIMAS. PRESENÇA EM AUDIÊNCIAS DE DEPOIMENTOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ATUAÇÃO EM CONFORMIDADE COM AS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA. DIREITO DA VÍTIMA À ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL. INEXISTÊNCIA DE CONFUSÃO COM AS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA QUE ULTRAA A AÇÃO PENAL. PROMOÇÃO DA EDUCAÇÃO PARA O PLENO EXERCÍCIO DOS DIREITOS. DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS E COLETIVOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES. DEVER DE ACOMPANHAMENTO E ATENDIMENTO INTERDISCIPLINAR DA VÍTIMA. INTEGRAÇÃO OPERACIONAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/03. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO DE VULNERÁVEIS. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.

  1. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais impetrou mandado de segurança contra a conduta adotada pelo Juízo da Vara Especializada em Crimes Cometidos Contra Crianças e Adolescentes da Comarca de Belo Horizonte/MG, que ou a intimar, de ofício, membros da Defensoria Pública estadual para assistir às crianças e adolescentes vítimas de violência nos procedimentos de escuta especializada. Segundo informações prestadas pelo Juízo de origem, a presença de defensores públicos nestes atos processuais tem sido “uma lufada de alento para tantas crianças e tantos adolescentes que necessitam dessa proteção”, pois os defensores utilizam as informações obtidas com a escuta especializada para propor as medidas de proteção e outras diligências necessárias no Juizado da Infância e Juventude Cível daquela mesma comarca.
  2. Nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal, a presença da Defensoria Pública nos espaços judiciais e extrajudiciais não se restringe à atividade de representação. O dever de promoção da educação para o pleno exercício dos direitos, especialmente dos direitos humanos de grupos socialmente vulneráveis, já seria fundamento apto a justificar a legitimidade da Defensoria Pública para atuar junto à Vara Especializada em Crimes Cometidos Contra Crianças e Adolescentes, a fim de propiciar às vítimas destes graves delitos a orientação jurídica plena de que elas necessitam e à qual possuem direito.
  3. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp n. 1.192.577/RS, de minha relatoria, já teve a oportunidade de examinar os limites da atuação institucional da Defensoria Pública, oportunidade na qual acertadamente rechaçou a visão reducionista que restringia o papel desta instituição à defesa dos hipossuficientes econômicos, esclarecendo que os “necessitados” sob sua proteção não são apenas os economicamente vulneráveis, mas igualmente os social e juridicamente vulneráveis.
  4. Além do dever de promover e difundir a educação para o exercício dos direitos, a Lei Complementar n. 80/93 expressamente atribui às defensoras e defensores públicos a função de defender os interesses individuais e coletivos das crianças e adolescentes. Especificamente quando estas crianças e adolescentes são vítimas de abusos, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, o inciso XVIII do art. 4.º da Lei Complementar n. 80/93 determina que a Defensoria Pública deve atuar na preservação e reparação do seus direitos, propiciando acompanhamento e atendimento interdisciplinar.
  5. A necessidade de atuação da Defensoria Pública no atendimento integral que deve ser dispensado às crianças e aos adolescentes vítimas de violência tornou-se ainda mais evidente com o advento da Lei n. 13.431/17, que determinou uma série de medidas que devem ser adotadas pelo Estado nessas situações. Entre os direitos assegurados pela referida legislação consta expressamente o o da criança e do adolescente à assistência jurídica qualificada, a qual, diante do contexto de vulnerabilidade, está no âmbito de atuação da Defensoria Pública.
  6. A pretensão do Recorrente de impedir ou dificultar a atuação da Defensoria Pública na assistência de crianças e adolescentes vítima de violência não constitui direito líquido e certo, revelando-se, ao revés, manifestamente contra legem. A diligente conduta do Juízo singular, ao intimar defensores públicos para comparecer aos atos de escuta especializada em favor das vítimas de violência, bem como a postura colaborativa dos defensores, que comparecem aos atos processuais e reúnem informações para propiciar a integral assistência jurídica a este grupo vulnerável, longe de constituírem qualquer ilegalidade, concretizam a integração operacional entre os órgãos do sistema justiça e asseguram o o aos serviços da Defensoria Pública, nos termos dos arts. 88, inciso V e VI, e 141 do ECA.
  7. Aplica-se ao caso, por analogia, o disposto nos arts. 27 e 28 da Lei n. 11.343/03, que assegura à mulher em situação de violência doméstica e familiar o o aos serviços de Defensoria Pública, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado. Uma vez que as crianças e adolescentes vítimas de violência integram um grupo socialmente vulnerável e se submetem ao microssistema de proteção de vulneráveis, nos termos do art. 6.º, parágrafo único, da Lei n. 11.431/17, deve ser assegurado também a elas o o aos serviços de Defensoria Pública, em sede policial e judicial.
  8. Constatado que a assistência às crianças e aos adolescentes vítimas de violência constitui atividade inserida no âmbito de atribuições da Defensoria Pública, é inissível que o Ministério Público ou o Poder Judiciário pretendam determinar quais são as prioridades institucionais nas lotações deste órgão dotado de autonomia funcional e istrativa. Conforme a jurisprudência da Corte Suprema, em razão da capacidade de autogoverno constitucionalmente atribuída à Defensoria Pública, a decisão sobre a lotação dos defensores públicos na prestação de assistência jurídica integral e gratuita às pessoas necessitadas deve ser tomada pelos órgãos de direção da entidade.
  9. Recurso ordinário em mandado de segurança desprovido.

(STJ, 6ª Turma, RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 70679 – MG (2023/0031559-7), Relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 26/9/2023), consultado em:  https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&documento_sequencial=210382812&registro_numero=202300315597&peticao_numero=&publicacao_data=20231107&formato=PDF

Autores

  • é promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe, titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência de Aracaju, pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe, ex-juiz de Direito e autor de artigos jurídicos.

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