Prequestionamento ficto e a aplicação incorreta do Tema nº 339/STF
31 de julho de 2024, 19h36
O instituto do prequestionamento ficto pressupõe que a Corte Superior à qual é dirigido o recurso reconheça a existência de erro, omissão, contradição ou obscuridade sobre a matéria a qual se pretende prequestionar fictamente, conforme parte final do artigo 1.025 do C:
“Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam initidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.”
Para que a condição prevista na parte final do artigo 1.025 seja verificada pela corte, é preciso que se alegue, no recurso excepcional, o específico dispositivo que foi violado em razão do vício de omissão que acomete o acórdão recorrido.
A indicação do dispositivo violado faz-se necessária pois ao STF compete julgar, mediante recurso extraordinário, as causas em que a decisão recorrida “contrariar dispositivo da Constituição”; e ao STJ compete julgar, mediante recurso especial, as causas em que a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência” — artigos 102, III, ‘a’, e 105, III, ‘a’, ambos da CF.
Dos dispositivos constitucionais que tratam da competência das cortes superiores se extrai que o argumento relativo à omissão da decisão recorrida deve vir acompanhado do específico dispositivo, constitucional ou legal, que foi por ela violado em razão da omissão. Não havendo essa indicação do dispositivo violado em razão da perpetuação da omissão na análise de um dos argumentos, a competência da corte superior à qual é dirigido o recurso não será atraída e, portanto, o argumento da omissão, mesmo que ventilado, não poderá ser conhecido.
Desta forma, a indicação de violação ao artigo 1.022 do C, no REsp, ou ao artigo 93, IX, da CF, no RE, é condição para o prequestionamento ficto, uma vez que, faltando a indicação do específico dispositivo violado em razão da omissão, tanto o STJ como o STF estarão impossibilitados de adentrar no argumento da omissão, conforme artigos 102, III, ‘a’, e 105, III, ‘a’, ambos da CF.
Entendimento do Pleno do STF
Contrariamente ao até aqui exposto, o Pleno do STF já decidiu de que não se exige que o recorrente indique a violação ao artigo 93, IX, da CF no RE para fins de prequestionamento ficto [1], tal como faz o STJ com relação ao artigo 1.022 do C [2]. Para esse julgado do Pleno, que faz interpretação a contrario sensu da Súmula 356/STF, basta que o recorrente tenha opostos embargos de declaração suscitando a matéria para que o prequestionamento ficto seja possível, dispensando-se etapas adicionais. Assim, ainda que seja negado o seguimento ao artigo 93, IX, da CF, ou que sua violação não seja suscitada no RE, o prequestionamento ficto no STF ainda é possível desde que tenham sido opostos os embargos de declaração contra a decisão recorrida.
Que pese haja julgado do Pleno garantindo a desnecessidade de alegação de violação do artigo 93, IX, da CF para fins de prequestionamento ficto, entendo que seja prudente a indicação de violação ao referido artigo just in case, até porque o STF tem se mostrado vacilante quanto à própria possibilidade de interpretação a contrario sensu da Súmula 356/STF.
Hipótese
Feita essa breve digressão a respeito do prequestionamento ficto, imagine a seguinte situação: após ter sua apelação julgada improcedente, o recorrente opõe contra o acórdão embargos de declaração sob o argumento de que a Turma omitiu-se na análise de determinado fundamento constitucional que, se analisado, importaria na reversão do julgado. A Turma, no entanto, mantém o acórdão da apelação e argumenta não ter ocorrido omissão, rejeitando os embargos de declaração.
Como o acórdão manteve-se inalterado, a matéria ventilada nos embargos de declaração do recorrente não foi analisada e, portanto, não houve o seu prequestionamento. Para que o argumento constitucional suba ao STF e não lhe seja imputado o óbice da ausência de prequestionamento, o recorrente, com o objetivo de atender à condição prevista na parte final do artigo 1.025 do C e ciente de que o argumento em recurso extraordinário deve estar sempre atrelado à dispositivo constitucional, interpõe RE com a suscitação de violação ao artigo 93, IX, da CF, com o objetivo de permitir, caso o acórdão não seja declarado nulo, que então o STF adentre no argumento constitucional cuja análise foi negligenciada no Tribunal de Origem, em que pese terem sido opostos embargos de declaração.
Em situações como essa, é cada vez mais comum que o vice-presidente negue seguimento ao capítulo do RE relativo à violação do artigo 93, IX, da CF sob o fundamento de que o acórdão decidiu de acordo com o Tema 339 do STF – aplicação do art.igo.030, I, ‘a’, do C –, cuja redação é:
“Tema 339, STF. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas.”
Se itido como verdadeiro que a ascensão do artigo 93, IX, da CF, é condição para que haja a análise do vício de omissão (artigo 102, III, ‘a’, da CF), cujo reconhecimento, por sua vez, é condição ao implemento do prequestionamento ficto (artigo 1.025 do C), então, nesta situação em concreto em que é negado o seguimento ao artigo 93, IX, da CF, o que se tem é a própria impossibilidade de prequestionamento ficto em RE. Essa contradição sistemática, em que um instituto – a negativa de seguimento – anula outro – o prequestionamento ficto –, é apenas aparente e pode ser resolvida, como se demonstrará.
Usurpação
Considere, por exemplo, que o recorrente entenda que a Turma, no julgamento de sua apelação, omitiu-se na análise do argumento relativo ao conceito de faturamento presente no artigo 195, I, ‘b’, da CF e, por esta razão – omissão com relação ao artigo195, I, ‘b’, da CF – são opostos embargos de declaração. Após a decisão que rejeita os embargos de declaração em virtude de seu “caráter nitidamente infringente” [3], o recorrente interpõe o recurso extraordinário com alegação de que a Turma violou o artigo 93, IX, da CF/88, uma vez que, ao rejeitar os embargos de declaração, perpetuou uma omissão relevante relativamente à análise do conceito de faturamento do artigo 195, I, ‘b’, da CF .

Note que, ao interpor o recurso extraordinário, este não terá efeito regressivo à Turma cuja violação ao artigo 93, IX, da CF, se imputa. Portanto, ela – a Turma que julgou e, depois, rejeitou os embargos de declaração –, não se manifestará a respeito do argumento trazido em RE relativo à violação ao artigo 93, IX, da CF/88, a qual é perfectibilizada com a rejeição dos aclaratórios. Nos embargos de declaração, a Turma apenas se manifestou relativamente à omissão do artigo 195, I, ‘b’, da CF, mas não sobre a violação ao artigo 93, IX, da CF, até porque tal violação não ocorrera até a publicação do acórdão dos aclaratórios.
Portanto, quando o vice-presidente sustenta que, sobre o artigo 93, IX, da CF, a Turma “decidiu de acordo com o Tema nº 339/STF”, está, na realidade, dando sua própria posição sobre o mérito da alegada violação ao artigo 93, IX, da CF, pois tal artigo, e a específica subsunção que se faz dele com relação ao acórdão recorrido, não foi analisado pela Turma, cuja análise restringiu-se à existência ou não de omissão relativamente ao artigo 195, I, ‘b’, da CF. Isto é, não é a Turma que “julgou” a alegada violação ao artigo 93, IX, da CF de acordo com o Tema 339/STF, mas sim o próprio vice-presidente, em usurpação à competência da Suprema Corte.
A negativa de seguimento ao artigo 93, IX, da CF, não importa apenas na negativa de jurisdição relativamente ao argumento da omissão que incidiu a Turma ao rejeitar os aclaratórios e na violação à competência da Suprema Corte, mas também na impossibilidade do argumento constitucional cuja análise a Turma omitiu-se vir a ser analisada pelo STF, pois lhe faltará o prequestionamento, e o prequestionamento ficto não será possível porque foi negado seguimento ao artigo 93, IX, da CF, impossibilitando, assim, a análise do argumento relativo à omissão – artigo 102, III, ‘a’, da CF –, tornando impossível que o STF considere existente a omissão, que é a condição ao prequestionamento ficto conforme parte final do artigo 1.025 do C.
Tratando-se de violação à competência da Suprema Corte, é situação, segundo entendemos, para manejo da reclamação, caso o agravo interno interposto contra a decisão que negou seguimento ao artigo 93, IX, da CF/88 tenha o provimento negado.
[1] Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Processual Civil. Prequestionamento explícito. Requisitos. Embargos de declaração. Inovação recursal. Impossibilidade. Prequestionamento ficto. Art. 1.025, do C/15. Requisitos. 1. O Supremo Tribunal Federal sempre exigiu o prequestionamento explícito da matéria constitucional ventilada no recurso Por outro lado, não ite o chamado “prequestionamento implícito”. 2. Não há necessidade de a decisão recorrida mencionar expressamente o artigo da Constituição Federal para se estar caracterizado o prequestionamento explícito. Basta que o ato judicial tenha decidido a questão constitucional. 3. Mesmo com a interposição de embargos de declaração, é necessário que o Tribunal de origem efetivamente esteja obrigado a se manifestar sobre determinada questão constitucional. Não raro, há inovação recursal, como ocorreu no caso concreto. 4. O entendimento dominante no STF sempre foi no sentido de que o ponto omitido pelo acórdão recorrido, desde que opostos embargos de declaração e diante da recusa da instância de origem em se manifestar sobre ele, é ível de apreciação no recurso extraordinário, sem a necessidade de arguição de nulidade do acórdão. Ou seja, o STF sempre itiu o prequestionamento ficto, suavizando, claramente, a austeridade literal do enunciado constante de sua Súmula n.º 356/STF. 5. O art. 1.025, do C/2015, apenas agasalhou o entendimento dominante no STF, cristalizado na Súmula n.º 356/STF, consagrando o prequestionamento ficto. 6. Agravo regimental não provido, com imposição de multa de 1% (um por cento) do valor atualizado da causa (art. 1.021, § 4º, do C). 7. Havendo prévia fixação de honorários advocatícios pelas instâncias de origem, seu valor monetário será majorado em 10% (dez por cento) em desfavor da parte recorrente, nos termos do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º do referido artigo e a eventual concessão de justiça gratuita
(STF. ARE 1271070 AgR/SP, Relator(a): DIAS TOFFOLI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2020)
[2] […] 1. Esta Corte Superior tem a diretriz de que é deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de ofensa ao art. 1.022 do C/2015 se faz de forma genérica, sem especificar quais foram os incisos violados. Aplica-se, na hipótese, o óbice da Súmula 284 do STF
(AgInt no AREsp n. 1.766.826/RS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF-5ª Região), Primeira Turma, julgado em 26/4/2021, DJe de 30/4/2021.)
[3] “Veja-se a contradição interna do próprio acordão que critica “embargos com nítido caráter infringente”. Ora, embargos com efeitos infringentes são permitidos pela lei — e o acórdão esquece disso. No caso, se o acordão diz isso sem fundamentar nitidamente está incorrendo em uma contradição. Uma contradição lógica. ível, paradoxalmente, de embargos.” em STRECK, L. L. Embargos de declaração — o patinho feio dos recursos., 2023. Disponível em: /2023-set-14/senso-incomum-embargos-declaracao-patinho-feio-recursos/. o em: 25 jul. 2024.
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