Capítulos de história constitucional com Jeremy Bentham
2 de junho de 2024, 8h00
Jeremy Bentham (1748-1832) notabilizou-se como ferrenho defensor da maximização da felicidade, que elegeu como princípio ético incondicional. Nome central da filosofia utilitarista, Bentham interessou-se profundamente pelo direito, que compreendia como uma tecnologia para o alcance de arranjos institucionais que promovessem a felicidade de um maior número de pessoas.

Jeremy Bentham
Escreveu sobre codificação, sobre a qualidade das leis, sobre direito penal, criminologia, e tantos outros assuntos, que atormentavam sua personalidade atribulada. Ainda jovem, treinou para a profissão jurídica, que não seguiu, orientando suas forças para suas avançadas ideias de reforma social. Bentham foi um reformador radical.
O filósofo inglês era partidário da codificação das leis, indo de encontro à cultura de seu próprio país (Inglaterra), marcada pela reverência ao direito produzido pelos juízes. Bentham certamente via-se como o “legislador do mundo”, como sugere Linda Colley em emblemática agem de “A letra da lei”.
Bentham era um universalista. Desconsiderava peculiaridades e regionalidades, quando à construção de um direito ideal, e chegou a pensar em um modelo geral para textos constitucionais, que poderiam ser aplicados em qualquer lugar do mundo. Era um ambicioso.
O modelo foi fixado em um opúsculo de grande importância, “Princípios Fundamentais de um código constitucional para qualquer Estado”. Nesse texto, Bentham enfatizou sua defesa em favor da codificação, como pano de fundo do argumento. Mais do que tudo, a codificação do direito seria um instrumento para a garantia da segurança jurídica, na medida em que atuaria como uma prevenção aos abusos do poder.
Com a codificação, as áreas de atuação e de poder seriam efetivamente definidas, inclusive limitando o exagero na interpretação flexível das leis, o que geralmente resulta em um direito voluntarista e peculiar. Nesse sentido, o cidadão poderia contar com uma maior eficiência governamental, levando-se em conta que o fim de um governo é a promoção do bem geral. Nesse ponto, nada mudou.
A codificação instrumentalizaria as reformas de interesse social, modernizando as relações das pessoas para com o Estado. De igual modo, a codificação alcançaria a racionalidade na definição do direito, dando-lhe consistência e clareza, a par de torná-lo ível. A codificação seria um forte instrumento de combate contra um direito arcano e enigmático.
Em “Princípios Fundamentais de um código constitucional para qualquer Estado”, Bentham fixava como ponto de partida o postulado de que a finalidade de uma Constituição é a instrumentalização da maior felicidade para um maior número de pessoas. O que hoje poderíamos chamar de interesse comum, ou interesse público ou, no limite, interesse coletivo.
Para Bentham, a coerção é característica de todo governo. Exercendo essa função (no que se refere à aplicação da lei) todo governo é também causa de insatisfação. Não há como ser de outro modo. Enfrenta-se então uma equação, que mediria a qualidade de um governo pela felicidade da população, no que restaria após aplicação de várias formas de coerção.
Como fazê-lo?

À essa infelicidade produzida pela atuação governamental Bentham imputaria um custo governamental, ado pelos governantes, e imposto aos governados. O enfrentamento desse dilema se daria pela identificação de objetivos gerais, que seriam inscritos em um texto constitucional. Toda regra constitucional teria como crivo de validade a promoção da segurança, da igualdade, e da abundância, para um maior número de pessoas. Por isso, haveria, em toda a Constituição, segundo Bentham, um grau de validade universal.
Para Bentham, a garantia de meios para a satisfação das necessidades básicas da população, em qualquer lugar do mundo, era medida autojustificativa. É o que hoje poderíamos chamar de mínimo existencial. De igual importância, a garantia da segurança dos indivíduos, tanto quanto à hostilidade (que é infelizmente própria da natureza humana) quanto em relação às calamidades e acidentes naturais.
Uma Constituição de validade universal, ainda segundo Bentham, deveria definir um conjunto de adversários (internos e externos) contra quem deveriam ser criados mecanismos de defesa comum. Inclusive, contra agentes governamentais que abusassem dos poderes que lhes foram conferidos pela maioria.
Tudo, naturalmente, mediante a minimização de custos e riscos. O plano constitucional de Bentham é distante da identificação de formas governamentais típicas e específicas. Limita-se à fixação de um conjunto de princípios, que seriam aplicados aos vários textos constitucionais para os quais fossem orientados.
Tem-se, assim, na teoria constitucional universal de Bentham, uma carta de princípios, uma carta de navegação, e um conjunto de fundamentos que alicerçariam a concepção de instrumentos práticos de governo.
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