Opinião

Entenda as nuances do direito à manifestação: como funciona

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2 de junho de 2024, 7h04

Com o crescente debate sobre os limites do direito à manifestação, sobretudo no Brasil, é imprescindível conhecer e entender as complexidades da aplicação das leis envolvendo a proteção dos direitos dos manifestantes. Recentemente, a promulgação da Lei dos Crimes contra o Estado democrático de direito levantou discussões fervorosas sobre como a legislação afeta a dinâmica dos protestos e as próprias liberdades civis.

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Em janeiro deste ano, a Polícia Militar de São Paulo prendeu 25 jovens durante um protesto contra o aumento da tarifa de transporte público. Este é apenas um dos muitos exemplos das tensões entre a garantia do direito de manifestação de ativistas e a política de segurança pública do Estado. Ainda que não haja maior margem de dúvidas em relação à legalidade de manifestações pacíficas, e de conteúdo que não viole a Constituição, grupos marginalizados que reivindicam a concretização de seus direitos têm sofrido perseguição em razão de discriminação e do fato de que contrariam o interesse dos políticos de plantão.

Linha tênue entre o direito de manifestação e a legislação

O direito à livre manifestação, consagrado na Constituição, estabelece que a expressão do pensamento não deve sofrer restrições, conforme expõe o seu artigo 220, o que se estende aos atos públicos de protesto, protegidos pelo inciso XVI do artigo 5º. Contudo, a interpretação dessas garantias constitucionais exige uma análise criteriosa, considerando não apenas os limites explícitos, mas também os princípios constitucionais subjacentes.

Portanto, para ser respaldada pela Constituição, uma manifestação não só deve ocorrer em espaço público e sem armas, mas também deve respeitar critérios materiais. Podem ser proibidas, por exemplo, manifestações que preguem o fim do Estado democrático de direito ou a violação dos direitos de minorias. Desse modo, o exercício do direito à livre manifestação esbarra em certos limites, que decorrem tanto das disposições explícitas da Constituição quanto das implicações mais amplas dos princípios constitucionais.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o aviso prévio exigido pela Constituição para a realização de reuniões públicas pode ser cumprido com a divulgação de informações que permitam ao poder público garantir a sua realização pacífica e sem interferir em outros eventos no mesmo local.

Contudo, essa interpretação não concede uma liberdade irrestrita para os protestos, pois o direito de manifestação deve ser ponderado com outros direitos fundamentais.

Assim, para garantir sua legitimidade, é essencial que os protestos não infrinjam outros direitos fundamentais ou tenham caráter discriminatório, demonstrando a complexidade e a necessidade de uma interpretação adequada e sistemática do ordenamento jurídico.

Como funciona na prática?

Um exemplo da necessidade de compatibilização entre direitos possivelmente conflitantes foi visto nos eventos de 8 de janeiro de 2023, nos quais manifestantes buscavam atacar o Estado democrático de direito, resultando na aplicação da Lei 14.197/2021 para proteger as instituições democráticas. Esses acontecimentos destacam a necessidade de um equilíbrio entre o direito à livre manifestação e a proteção de outros valores jurídicos fundamentais.

Em outros casos, embora não haja nenhuma dúvida quanto à legitimidade dos protestos em defesa de direitos sociais, é imperativo que não sejam toleradas condutas criminosas durante esses eventos. Por exemplo, a recente decretação de prisão preventiva a manifestantes envolvidos em atos durante a privatização da Sabesp, ainda que posteriormente tenha havido a concessão de habeas corpus, ressalta a importância de uma análise cuidadosa das circunstâncias para determinar a legalidade das ações de civis em manifestações.

Em última análise, a garantia do direito à manifestação requer um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção de outros interesses jurídicos fundamentais, como o zelo ao patrimônio público e a proteção à vida, ao corpo e às demais liberdades individuais.

A aplicação da lei em diferentes estados do Brasil segue uma abordagem uniforme, uma vez que o direito à livre manifestação alcança índole constitucional e é também respaldada por legislação federal. Embora os juízes possuam o livre convencimento motivado em suas decisões, o qual lhes permite julgar de acordo com sua convicção, eles estão sujeitos à aplicação de decisões vinculantes, que obrigam todo o Poder Judiciário, o que diminui substancialmente a margem para que eventuais decisões autoritárias e não embasadas na legislação possam ser proferidas.

A uniformização visa a garantir a coerência e a equidade no sistema judiciário, evitando que situações semelhantes às do 8 de janeiro de 2023 sejam tratadas de forma divergente.

Portanto, mesmo que possa haver diferentes interpretações em vários tribunais brasileiros, a tendência é de uniformização dos julgamentos para evitar disparidades na aplicação da lei.

Entendendo a Lei nº 14.197/2021

A Lei nº 14.197/2021 não endossa, em hipótese alguma, a criminalização dos protestos legítimos — seu propósito é justamente proteger a própria existência do Estado democrático de direito, de modo a garantir a efetivação dos direitos fundamentais. Ao contrário de algumas abordagens adotadas em outros países, a tradição jurídica brasileira ressalta a relevância da resolução dos possíveis conflitos entre princípios e direitos fundamentais, o que decorre da natureza analítica e extensa da Constituição.

Portanto, essa lei representa um avanço significativo na proteção do Estado democrático de direito e na contenção de movimentos que buscam miná-lo, sendo de extrema relevância para o contexto jurídico brasileiro. Os dispositivos adicionados ao Código Penal pela Lei nº 14.197/2021 são diretos e precisos a promover a devida responsabilização contra qualquer ato que ameace o Estado democrático de direito e suas instituições, inclusive criminalizando possíveis interferências no processo eleitoral.

Nesse sentido, há pouco a se discutir em relação a aspectos que precisariam de melhorias, especialmente porque a legislação tem sido objeto de debates contínuos e profundos perante a Corte Constitucional. O STF tem consolidado a interpretação final das normas incorporadas ao ordenamento jurídico nacional pela Lei nº 14.197/2021, garantindo uma aplicação coerente e consistente da lei, em consonância com a liberdade de expressão.

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