Opinião

Colaboração premiada na encruzilhada do direito penal e da política

Autores

  • é advogado graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP) graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP).

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  • é advogado criminalista mestre e doutorando em Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC/MG.

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  • é advogado criminalista graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP/USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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19 de junho de 2024, 7h03

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautou a votação da atribuição do regime de urgência ao Projeto de Lei nº 4.372/2016 de autoria do então deputado Wadih Damous (PT), que, dentre as alterações na Lei nº 12.850/2013, traz a exigência da liberdade àqueles interessados em firmar um acordo de colaboração premiada (vulgarmente conhecida como “delação premiada”). Em outras palavras, isso implicaria a nulidade das delações realizadas por colaboradores que se encontrassem presos.

Reprodução

Proposto o PL no crescendo do auge da “lava jato”, hoje, oito anos depois e com o naufrágio judicial e político da operação, ele assume outros contornos. Atualizado ao tempo presente, o projeto de lei encontra invertidos os sinais: o campo político que em 2016 sustentaria o mérito do projeto, hoje tende a criticá-lo e vice-versa.

À parte o retumbante fracasso da “lava jato” e apagamento dos seus mais ilustres prepostos, hoje um projeto como este tende justamente a favorecer a ala dita lavajatista e deve ser inserido na pauta da anistia aos partícipes da tentativa de golpe de Estado da efeméride instantânea do 8 de Janeiro e, por consequência, na colaboração do tenente-coronel Mauro Cid, que incrimina Jair Bolsonaro e que também pode ter reflexos no caso Marielle. E, num único ato, é visto como uma afronta ao Supremo Tribunal Federal, e especialmente ao ministro Alexandre de Moraes, e uma provocação direta ao presidente Lula.

Isso permite entrever a interface entre o direito penal e a política. O poder punitivo do Estado aplicado por meio do sistema de Justiça não está alheio à esfera pública. Episódios como este têm o mérito de mostrar a fricção entre ambos e uma ambiguidade nada trivial: a coexistência no Poder Legislativo de movimentos de distensionamento (o referido PL nº 4.372/2016 que pode resultar na anulação de colaborações premiadas) e de recrudescimento (a “PEC das drogas” e o término das saídas temporárias).

Estes dois temas da “PEC das drogas” e da extinção das saídas temporárias têm sua constitucionalidade absolutamente questionável e, justamente por essa razão, são sensíveis ao Supremo Tribunal Federal, que pode ser instado a se pronunciar sobre isso.

Considerando nestes termos a agenda do Poder Legislativo, ficamos diante de uma desconfortável verdade: tais movimentos coexistentes de criminalização e de descriminalização decorrem de uma quebra de braço do Poder Legislativo com o Poder Judiciário e não de uma política criminal pautada pelo Poder Executivo. É a politização grosseira da segurança pública, que flutua ao sabor das relações entre as casas legislativas e o Supremo, com o governo federal a reboque — um mal deletério para toda e qualquer democracia.

À parte a sensível conjuntura em que se dá o debate do PL nº 4372/2016, o seu mérito é de suma importância e constitui inovação necessária no aperfeiçoamento da legislação penal e a garantia de direitos fundamentais.

Voluntariedade da colaboração

O PL tem o componente importante de preservar a voluntariedade da colaboração. Isso mantém a higidez da vontade do colaborador. Como negócio jurídico, a vontade é elemento essencial para a existência e, portanto, deve ser manifestamente livre — situação que é incompatível com o estado de cárcere.

A equiparação à tortura tampouco é trivial, porque, nessas circunstâncias, a colaboração surge como uma possibilidade de interrupção da situação de prisão. Lembrando ser a colaboração um meio de obtenção de prova e se nascida do encarceramento, ela pode muito bem resultar em processos claudicantes e frágeis — e não raro isso acontece. Ações penais assim originadas consomem recursos públicos e não são a provas de erros judiciais (entenda-se: condenação de inocentes, o que é inissível para o sistema).

Os governos se sucedem e mudam. Independentemente da conjuntura política, a alteração trazida pelo PL nº 4372/2016 expande e aprimora o direito de defesa. Pelo fato de seu teor ser excepcional à agenda regular do Poder Legislativo (este muito mais afeito ao recrudescimento penal), estamos diante, ao mesmo tempo, de uma janela de oportunidade e de um alerta: a necessidade de a política criminal voltar para a agenda do Poder Executivo e não mais decorrer do embate entre os poderes Legislativo e Judiciário.

Autores

  • advogado graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP), graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP).

  • é advogado criminalista, mestre e doutorando em Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC/MG.

  • é advogado criminalista, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP/USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

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