Opinião

Responsabilidade civil dos membros do conselho fiscal nas empresas estatais

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  • é advogada no escritório PPF Advocacia especialista em advocacia empresarial e societária e em soluções jurídicas no âmbito de controvérsias entre sócios constituição e estruturação societária ex-membro da Comissão de Mediação e Arbitragem (OAB-BA/Feira de Santana) e pós-graduada em advocacia empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e educação executiva em Direito Digital pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

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19 de junho de 2024, 21h45

A discussão acerca da responsabilidade dos membros do conselho fiscal nas empresas estatais é um assunto recorrente.

Divulgação/Eletrobras
Prédio Eletrobras

São consideradas estatais as organizações que possuem personalidade jurídica de Direito Privado e cujo controle acionário, direto ou indireto, é detido pelo ente público, podendo se qualificar como empresas públicas, se o capital social for constituído exclusivamente por recursos públicos; ou como sociedades de economia mista, se o capital social itir a participação do setor privado.

Como forma de profissionalizar a gestão de empresas estatais, foi promulgada a Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei 13.303/2016) que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, fixando regras de governança corporativa, de transparência e de estrutura, aplicando subsidiariamente as disposições da Lei de Sociedade por Ações (Lei 6.404/1976).

O Decreto-Lei nº 8.945/2016 – que regulamenta, no âmbito da União, a Lei 13.303/2016 especifica as diretrizes do sistema de governança corporativa nas empresas estatais e enfatiza a importância da atribuição de responsabilidades e da distinção precisa entre as funções de cada um dos órgãos sociais integrantes desse sistema.

Conselho de istração e conselho fiscal

Da mesma forma que as sociedades empresárias de capital exclusivamente privado, as empresas estatais são arranjadas internamente por meio de um sistema composto por princípios, regras, estruturas e processos pelo qual são dirigidas e monitoradas pelos diferentes órgãos sociais, com o objetivo de gerar valor sustentável para a organização.

A eficiência operacional e a manutenção de qualquer entidade estão relacionadas a uma infraestrutura organizacional adequada, que assegura a transparência ao processo decisório e a higidez na fiscalização por parte dos órgãos competentes.

Neste sentido, o conselho de istração é órgão colegiado de função consultiva, sem qualquer disposição quanto aos atos de gestão, executa funções deliberativas e de ordenação interna, tendo papel fundamental nas tomadas de decisões com sustentabilidade econômico-financeira [1].

O conselho fiscal, por sua vez, é órgão autônomo e técnico, que fiscaliza os atos dos es, buscando sempre atender aos legítimos propósitos da empresa como uma organização independente. Sua atuação busca verificar a correção de condutas; evitar erros e danos; orientar para que condutas lesivas sejam sustadas e para denunciar práticas ilícitas.

Todas as empresas estatais, deverão ter conselho de istração, assim como toda estatal deverá ter um conselho fiscal que, diferentemente das sociedades anônimas em geral, funcionará de forma permanente.

Responsabilidade civil dos membros do conselho fiscal

Qualquer manifestação ou atuação contrária ao interesse da companhia representa uma manifestação ou atuação em conflito de interesse, que nada mais é do que a sobreposição dos interesses particulares ao interesse social. E esta sobreposição, quando chega a obstar a consecução do interesse social ou causa danos à sociedade, é caracterizada como um abuso de poder.

A responsabilização do membro do conselho fiscal tem fundamento no fato de se tratar do órgão incumbido de fiscalizar a atuação dos demais atores sociais. Assim, uma atuação do conselho fiscal com conflito de interesse se torna ainda mais prejudicial.

De forma geral, os deveres dos membros do conselho fiscal são regidos pelas mesmas disposições relativas aos conselho de istração e diretoria e, por regra, seus membros respondem pelos danos provenientes de omissão no cumprimento dos seus deveres e dos atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto social da companhia.

No âmbito do conselho fiscal , configuram-se como conduta omissiva aquelas situações em que o conselheiro não promove a devida representação à assembleia geral de atos irregulares dos es, ou quando deixar de votar matéria do interesse social, bem como quando aprovar contas ou relatórios que infrinjam a lei e o estatuto social.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios preconiza que, ainda que a companhia tenha sofrido prejuízo ou causado prejuízo a terceiros, se a conduta do conselheiro não foi realizada com culpa, dolo, violação de lei ou de estatuto, não há o que se falar na responsabilidade civil [2].

Também é nesse sentido o entendimento do TCU, para quem não deve ser imputada qualquer responsabilidade ao conselheiro, se a sua conduta estiver de acordo com os deveres estatutários e não tiver realizado nenhuma ação ou omissão que possa ter dado causa a eventuais prejuízos [3].

O ato regular de gestão entendido como aquele realizado no interesse da estatal, nos limites das competências e poderes atribuídos ao conselho fiscal não gera responsabilidade pessoal do conselheiro. Em outras palavras, o conselheiro não pode ser penalizado se sua atuação se deu no cumprimento da vontade da pessoa jurídica, ainda que esta tenha sofrido prejuízo ou causado prejuízo a terceiros.

O membro do conselho fiscal, por regra, tem responsabilidade individual e não é responsável pelos atos ilícitos de outros membros, salvo se tiver conhecimento de um ato ilícito praticado por outro membro e não tomar nenhuma providência para impedi-lo ou denunciá-lo; ou se concorrer para a prática do ato. Nestes casos, responderá em solidariedade.

Além disso, também haverá responsabilidade solidária entre os membros do conselho fiscal, na hipótese de omissão no cumprimento de seus deveres, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar sua divergência em ata da reunião do órgão, comunicando-a aos órgãos da istração e à assembleia geral.

Vale informar uma importante hipótese de exclusão de responsabilidade dos conselheiros fiscais. O poder de fiscalização do conselho fiscal limita-se à gestão do exercício social em andamento, sem alcançar períodos de istração aprovados em assembleia, exonerando de responsabilidade os es e fiscais por exercícios ados em virtude da aprovação assemblear.

Assim, se aprovadas as demonstrações financeiras e as contas da istração, sobre as quais tenham se manifestado, cessará ipso facto para os mesmos conselheiros a responsabilidade pela respectiva atuação, salvo, como já dito, erro, dolo, fraude ou simulação.

Conclusão

A partir do que foi elucidado acima, podemos sintetizar o referido raciocínio da seguinte forma:

  1. A legislação em vigor busca profissionalizar a gestão de empresas estatais, definindo regras de governança corporativa, transparência e estrutura da operação. Nesse contexto, os conselhos de istração e fiscal assumem papéis cruciais na definição de estratégias da estatal e na fiscalização das contas e dos atos da istração, zelando pela legalidade e pela economicidade da gestão, respectivamente;
  2. As empresas estatais precisam de uma estrutura sólida para funcionar com eficiência e transparência. Essa estrutura é composta por princípios, regras, órgãos sociais e processos que garantem a boa gestão da empresa e a geração de valor sustentável.;
  3. Conselho de istração é órgão colegiado que define as estratégias da estatal, acompanha sua atuação e garante o cumprimento da lei e do estatuto social a longo prazo;
  4. Conselho fiscal é órgão autônomo que fiscaliza as contas e atos da istração, responsável por garantir a lisura das operações e proteger os interesses social e o interesse público;
  5. O conselho fiscal, como órgão fiscalizador da empresa, assume um papel crucial na prevenção e combate a conflitos de interesse. Sua atuação deve ser pautada pela ética, transparência e responsabilidade, zelando sempre pelo bem-estar da companhia.
  6. Em caso de omissão ou negligência no cumprimento de seus deveres, os membros do conselho fiscal podem ser responsabilizados pelos danos causados à empresa. Essa responsabilidade pode ser individual ou solidária, a depender das circunstâncias e do grau de culpa do conselheiro.
  7. É importante ressaltar que a aprovação das contas e demonstrações financeiras pela assembleia geral pode exonerar os conselheiros fiscais de sua responsabilidade. No entanto, essa exclusão não se aplica em casos de erro, dolo, fraude ou simulação.

[1] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2670/2021 – Plenário. Relator: Raimundo Carreiro. Representação 037.423/2019-3. Julgado em 10/11/2021, publicado na Ata nº 44/2021 – Plenário.

[2] TJ-DF 20160111113416 DF 0004476-93.1992.8.07.0001, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 13/7/2017, 8ª TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 18/07/2017 . Pág.: 281/286.

[3] TCU – RP: 26702021, Relator: RAIMUNDO CARREIRO, Data de Julgamento: 10/11/2021.

Autores

  • é especialista em Direito Societário, com experiência em constituição e legalização de empresas, negociação e estruturação jurídica do negócio, contratos empresariais, organizações societárias e fusões e aquisições.

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