Opinião

Mudanças climáticas e emenda constitucional: em busca de um Estado ambiental

Autor

  • é professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP-RS) e da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) palestrante da Escola dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul (Esmafe-RS) e Escola da Magistratura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Su (Ajuris) e autor do livro Direito Constitucional – organização do estado brasileiro (Editora Almedina).

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28 de junho de 2024, 11h25

A Constituição, inserida no contexto de um constitucionalismo pós-guerra, vincula-se aos direitos fundamentais. Para torná-los efetivos, estabeleceu atribuições a quem governa, regulamentando os investimentos públicos em prol dos direitos fundamentais. O artigo 212, por exemplo, determina aos entes federados que destine um percentual mínimo de suas receitas para o desenvolvimento da educação. O financiamento dos investimentos públicos em educação vincula à istração pública, sujeitando-a à fiscalização e responsabilização diante do descumprimento do comando constitucional.

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O constitucionalismo, cujo DNA traz o código da modernidade e sua perspectiva liberal-contratualista, afirma a Constituição como um documento que limita o poder político. E o faz, contrariamente ao absolutismo, em nome da liberdade e de outros direitos, que se afirmam como fundamentais. E os direitos fundamentais, que não são uma categoria abstrata, forjaram seu conteúdo e forma no calor da história e no laboratório, por vezes sangrento, de revoluções.

Como bem leciona Lenio Streck, [1] direitos fundamentais de dimensões distintas evidenciam as diversas fases pelas quais ou o Estado de direito, e a limitação do poder “assume diferentes matizes, chegando ao seu ápice no segundo pós-guerra, a partir da noção de Constituição dirigente e compromissória e da noção de Estado democrático de direito”.

De um modo objetivo, seguindo de perto o magistério de Gomes Canotilho, [2] um Estado de direito é dotado de qualidades que se destacam de acordo com dimensões próprias desse modelo de Estado. E se o problema do direito não deixa de ser o de estabelecer uma ordem que incida sobre o nosso encontro com o outro no mundo, normatizando as relações intersubjetivas, a arquitetura organizatória da polis proposta por um Estado de direito transporta princípios e valores à juridicidade estatal.

Nessa ordem de ideias, está em causa submeter o político ao domínio do direito. O que implica, para além da clássica separação de poderes, da soberania popular e de um poder democrático, a vinculação a direitos e garantias fundamentais e a consequente definição de fins e tarefas do Estado.

Uma Constituição — e o Estado por ela constituído — não se justifica se apenas servir de elemento legitimador de relações de dominação política. Seria uma miserável função, escreveu Konrad Hesse,[3] pois, uma Constituição é dotada de força normativa e uma pretensão de eficácia: a Constituição pretende imprimir ordem e conformação à realidade política e social.

Diante da crise ambiental, agravada pelas mudanças climáticas, ilustrada tristemente com as chuvas extremas, enchentes, alagamentos e inundações que atingiram o Rio Grande do Sul, deixando mais de 600 mil pessoas desabrigadas, um número ainda não conhecido de mortes e cidades devastadas, além de doenças, sobressai a caracterização da dignidade humana — da qual derivam dois deveres, o de solidariedade e de responsabilidade [4] — e sua dimensão ecológica. [5]

E, nessa realidade, onde o risco é real e a sobrevivência humana um desafio, a convocação de um direito constitucional comprometido com a sustentabilidade ambiental e com a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente.

Nesse sentido, advoga-se que o Estado brasileiro, por força de sua normatividade constitucional, conforme sua estrutura organizatória e política a um meio ambiente sustentável, oferecendo condições mínimas de vida digna e prevenção aos desastres ambientais. Pretende-se um Estado ambiental, ancorado em dois eixos jurídico-políticos obrigacionais básicos: a promoção de políticas públicas associadas às exigências de sustentabilidade ambiental e atos de gestão concretos voltados à prevenção de danos gerados pelas mudanças climáticas.

Para tanto, o instrumento constitucional aqui defendido é tal qual se dá com o direito fundamental à educação e à saúde, uma emenda à constituição que estabeleça a obrigatoriedade de os entes federados destinarem um percentual mínimo orçamentário da receita líquida para investimentos em infraestrutura e prevenção de danos e desastres ambientais, sensivelmente afetados pela ação humana e seus rastros de destruição.

Revigora-se, pois, o pacto constituído em 1988, visando à permanência de um Estado democrático de Direito. E que, decerto, estabelece novas obrigações constitucionais ao poder público com o escopo de efetivar direitos fundamentais. Sob pena de não se responder às exigências das futuras gerações e de não salvaguardar o mínimo de dignidade à vida. Sobretudo diante de governantes negacionistas, subservientes a um modelo econômico de alto impacto socioambiental, ou que priorizam outras agendas, como, por exemplo, a fiscal, em detrimento do compromisso ambiental e humano.

 


[1] Jurisdição constitucional. 5. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 16 e seguintes.

[2] Estado de direito. Lisboa: Gradiva, 1999.

[3] A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: SAFE, 1991.

[4] Nesse sentido, Antônio Castanheira Neves, O princípio da legalidade criminal: o seu problema jurídico e o seu critério dogmático. Coimbra: Coimbra, 1988.

[5] Cfme Ingo W. Sarlet e Tiago Fensterseifer, Direito Constitucional ambiental. 2ª.ed. S. Paulo: RT, 2012, p. 24 e seguintes.

Autores

  • é advogado, professor da Escola de Direito da PUCRS e FMP e palestrante da Escola Superior da Magistratura/AJURIS e da Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul.

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