O processo penal é (sempre foi) um lugar de defesa
5 de maio de 2024, 17h12
Um bom juiz saberá entender se existe uma acusação legítima, mas contar com essa “sorte” em um processo penal é ingenuidade. O processo penal é muito mais do que um mero procedimento legal para determinar a culpa ou inocência de um acusado. É um espaço complexo, onde teses são erguidas e desconstruídas, onde a Justiça se desdobra em um intricado jogo de argumentações e evidências. Muito mais, é um espaço em que a cultura acusatória e da necessidade de compensar a falta de segurança pública encontram lugar de fala.
Contrariando a ideia simplista de que a prova cabe apenas a quem acusa, o processo penal é, desde o seu estágio inicial, um campo de batalha intelectual, onde a denúncia já implica uma tese a ser confrontada.
A noção de “presunção de inocência” e a máxima de que “a prova é de quem acusa” são constantemente invocadas, mas devemos reconhecer que, mesmo antes do início formal do processo, já existe uma narrativa estabelecida. A denúncia, por si só, é uma declaração de uma tese, sustentada (ou não) por evidências mínimas. Assim, argumentar em favor da presunção de inocência ou da inversão do ônus da prova pode parecer uma luta desigual, dada a pré-existência de uma narrativa acusatória.
Nesse contexto, o processo judicial se revela como um espaço de construção de defesas ou desconstrução de denúncias. É onde os advogados, munidos de argumentos e contra-argumentos, tecem suas estratégias para desafiar a narrativa estabelecida pela acusação (e pela sociedade).
É também onde a falsa noção de “busca da verdade” é perseguida através da análise das provas apresentadas, onde cada detalhe pode fazer a diferença entre a condenação e a absolvição. Por isso, bons julgados são comemorados quando publicados, pois são ferramentas contra o sistema inquisitório.
Contudo, depositar a confiança na figura do juiz como o árbitro imparcial que irá discernir a verdade é, no mínimo, ingênuo. Embora se espere que um bom juiz seja capaz de discernir uma acusação legítima, a realidade é que o processo penal está sujeito a falhas e (principalmente) vieses.
A parcialidade (o certo seria dizer que ninguém é neutro), consciente ou inconsciente, pode influenciar o curso dos acontecimentos, e a justiça nem sempre é alcançada da maneira idealizada.
Assim, o processo penal emerge como um campo de batalha não apenas entre acusação e defesa, mas de enfrentar a cultura de uma sociedade inquisitiva e da narrativa de ser sempre verdade a denúncia preestabelecida pela acusação. É um espaço onde as ideias (sociais) se confrontam (em casos reais), onde a justiça é forjada através do embate de argumentos e da análise meticulosa das evidências.
Princípios fundamentais
A presunção de inocência e o ônus da prova são princípios fundamentais, mas devemos reconhecer que, no calor do processo penal, a realidade pode ser muito mais complexa do que simplesmente atribuir a responsabilidade da prova a uma das partes. Quem nunca percebeu uma sentença absolutória com certa fundamentação de quem diz “até eu queria condenar”.

O grande desafio do processo penal é que ele pode parecer distante para aqueles que nunca foram diretamente envolvidos. Aqui surge um aspecto crucial do sistema legal que merece ser compreendido e considerado por todos os membros da sociedade.
Culturalmente se acredita que uma pessoa possui o a fundamentos legais que regem o processo penal e, por isso, essas pessoas acreditam que toda a acusação é uma sentença legítima.
No entanto, a prática e a realidade não conseguem (normalmente) familiarizar-se com os direitos individuais, como a presunção de inocência e o direito a um julgamento justo, que são fundamentais para garantir a equidade e a imparcialidade no sistema legal.
Como construir para essa sociedade “injustiçada” uma empatia de justiça? Como falar de empatia para com os indivíduos que estão ando por essa experiência de uma acusação? Isso inclui os acusados, suas famílias, as vítimas e todos os outros envolvidos no processo.
Reconhecer a humanidade e as complexidades das pessoas envolvidas pode ajudar a desenvolver uma compreensão mais profunda das questões legais e de justiça. No entanto, a realidade brasileira impõe outro nível de “ponto de partida” para uma empatia processual. Por isso, talvez, poucos casos gerem comoção em favor de quem é acusado.
Em última análise, o processo penal é um microssistema da sociedade, refletindo não apenas as normas legais e os princípios éticos, mas também as tensões e contradições que permeiam o sistema judicial. É um lugar de construção da defesa, onde as falsas verdades pré-constituídas e já moldadas são injustiças que devem ser combatidas.
O nome processo penal é muito mais simbólico do que parece ser: é o processo de construção da defesa. É preciso entender que esse processo já nasce de um determinado estágio de obra: a denúncia. Por isso, é muito difícil argumentar com teses de “presunção de inocência” ou a “prova é de quem acusa”, pois, em um nível de cognição mínimo, já existe uma tese e algo mínimo que a sustente (também em fortes fundações e estruturas de percepção social).
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