Ministro da Suprema Corte critica precedente que baniu segregação racial nas escolas dos EUA
31 de maio de 2024, 20h36
O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas, que é negro, tem uma aversão declarada a medidas legislativas e judiciais que beneficiam a população negra. Ele deixou isso bem claro em uma declaração que fez em 2004, na qual associa essas medidas à “teoria da inferioridade negra”.

Clarence Thomas é ministro da Suprema Corte dos EUA
“O isolamento social, em si, não é um dano. Apenas a segregação imposta pelo estado é. Afinal, se a separação, em si, é um dano e se a integração é, portanto, a única maneira de os negros receberem uma educação apropriada, então deve existir algo de inferior nos negros. De acordo com essa teoria, a segregação causa danos aos negros porque eles, quando deixados sozinhos, não conseguem sucesso. Em minha maneira de pensar, essa conclusão é o resultado de uma jurisprudência que se baseia na teoria da inferioridade negra”.
Coerente com esse entendimento que assusta os defensores dos direitos dos negros e líderes do movimento dos direitos civis, ele não só votou com a maioria conservadora, na decisão de junho de 2023 (Students for Fair issions, Inc. v. President and Fellows of Harvard College), que baniu as cotas raciais no ensino superior (affirmative action), como escreveu um voto separado para expor suas próprias convicções. A ministra Katenji Brown Jackson, que é negra, escreveu o voto dissidente.
Há pouco mais de uma semana, na decisão que institucionalizou no país o sistema de “gerrymandering” (uma manobra política que consiste em manipular o desenho dos mapas distritais para garantir a eleição de mais deputados federais e estaduais de um partido), Thomas escreveu novamente um voto concordante separado.
Em Alexander vs. South Carolina Conference of the NAA, ele deixou claro, mais uma vez, que não aprova favorecimento à população negra. Ele escreveu, basicamente, que as cortes não devem se meter em problemas que são exclusivamente políticos — como o desenho de mapas distritais.
E que, para mover uma ação para contestar um mapa distrital, os autores devem provar que a motivação dos elaboradores do mapa foi puramente racial — e não política. Obviamente, isso é difícil de provar.
NAA é a sigla da National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para a Promoção das Pessoas de Cor), que se define como “uma organização interracial americana, criada para trabalhar pela abolição da segregação e discriminação em habitação, educação, emprego, voto e transporte, bem como para se opor ao racismo e para assegurar aos afro-americanos seus direitos constitucionais”.
Nesse caso específico, a maioria republicana da Assembleia Legislativa de Carolina do Sul desenhou um novo mapa distrital, que transferiu milhares de eleitores negros (na maioria democratas) para um novo distrito de maioria branca. E transferiu milhares de eleitores brancos para o antigo distrito de maioria negra.
Ou seja, presume-se que a configuração dos novos distritos irá garantir a eleição de mais um — ou dois — deputados republicanos.
Um tribunal de recursos decidiu que a manobra era inconstitucional. Mas a maioria conservadora-republicana a Suprema Corte tinha outras ideias.
Segregação racial
Mais interessante, no entanto, é que o ministro resolveu aproveitar a oportunidade para se manifestar sobre um assunto que não estava na pauta: um precedente da corte de 1954 (Brown v. Board of Education), que baniu a segregação racial em escolas públicas.
Nessa decisão, que completou 70 anos há duas semanas, a Suprema Corte decidiu que separar crianças em escolas com base em suas raças era inconstitucional.
De acordo com o National Archives, foi o fim da segregação racial legalizada nas escolas dos Estados Unidos, que reverteu o princípio de “separados, mas iguais”, estabelecido em 1896 no caso Plessy v. Ferguson.
Na decisão de Brown v. Board of Education, a Suprema Corte declarou que a segregação racial viola a 14ª Emenda da Constituição dos EUA, que garante proteção igual a todos de acordo com a lei.
Mas, para Thomas, não há nada de errado com a ideia de “separados, mas iguais”. Assim, ele criticou o precedente em seu voto:
“A Suprema Corte adotou uma visão sem limites do que constitui uma medida judicial de equidade. A corte poderia ter justificado medidas temporárias para superar uma resistência ampla [ao fim da segregação racial], mas a decisão não encontra fundamentos na Constituição, nem na história e tradições da nação”.
“Os tribunais federais não têm o poder flexível para inventar novas medidas judiciais que podem ser úteis em determinado tempo. Na decisão de Brown v. Board of Education, a corte foi longe demais. Essa decisão é um exemplo de usos extravagantes do poder judicial”.
Mapas distritais
Em seu voto separado, na decisão que permitiu aos políticos republicanos limitar a influência dos eleitores negros nas eleições de deputados federais e estaduais, Thomas insistiu em sua tese de que não é papel dos tribunais interferir na configuração de mapas distritais:
“Desenhar distritos políticos é uma tarefa para políticos, não para juízes federais. Não existem padrões judiciais istráveis para resolver demandas sobre mapas distritais. E, além disso, a Constituição atribui essas questões exclusivamente aos poderes políticos”.
De acordo com a decisão da Suprema Corte, “os juízes deve presumir que os políticos agem em boa fé”, quando elaboram os mapas distritais dos estados — aparentemente, mesmo que seja óbvia a intenção dos políticos de impedir que eleitores negros elejam representantes de sua preferência para a Câmara dos Deputados e Assembleia legislativa.
A respeito das medidas afirmativas que beneficiam a população negra, Thomas tinha uma companhia ilustre em sua opinião no economista Walter Williams, também negro, morto em 2020. Segundo Williams, os negros na verdade são prejudicados, pois essas iniciativas “reforçam os estereótipos raciais e desestimulam a iniciativa própria”.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!