Perspectivas a partir da nova Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação
30 de março de 2024, 15h26
A reestruturação da Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação, feita por meio do Decreto 11.907/2024, como órgão da Secretaria de Reforma Econômica no âmbito do Ministério da Fazenda, gera perspectivas para o mercado e para os que atuam com o Direito da Concorrência no país. Trata-se de uma novidade institucional relevante.
A subsecretaria não apenas encampa as funções da antiga Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), mas assume papel de acompanhamento sobre a performance — e por consequência, as deficiências — dos mercados, regulados ou não, além de possuir caráter propositivo na agenda regulatória nacional.
Estão previstas a possibilidade de realização de estudos, análise e contribuições para estímulo à eficiência, à produtividade, à inovação e à competitividade, com vistas à melhoria regulatória e de ambiente de negócios, seja ele interno ou externo (de relacionamento do Brasil).
Ao mesmo tempo, compete à subsecretaria manifestar-se sobre processos que envolvam a privatização ou a alienação de ativos de empresas pertencentes à União, a desestatização de serviços públicos ou concessão, permissão ou autorização de uso de bens públicos.
Além disso, lhe cabe opinar, quando considerar pertinente, sobre os impactos regulatórios de minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidas a consulta pública pela agência reguladora.
Regulação e desestatizações
Aqui, ao menos dois pontos são importantes: (1) a qualidade regulatória e a mínima intervenção em negócios privados, bem como (2) a questão relativa à tomada de decisões istrativas relativas a desestatizações, em geral.
O primeiro deles diz respeito à qualidade regulatória, aspecto que dialoga diretamente com a análise de impacto regulatório (AIR). Nos termos do Decreto nº 10.411/2020, ela é considera como o “procedimento, a partir da definição de problema regulatório, de avaliação prévia à edição dos atos normativos […], que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão” (artigo 2º, I).

Assim, a subsecretaria deverá estar atenta aos benefícios e aos malefícios que a edição de atos normativos regulatórios, em geral, poderá causar à iniciativa privada, privilegiando o bom ambiente de negócios, a segurança jurídica e a minimização de custos regulatórios.
Lembrando que a Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) estabelece a liberdade como garantia no exercício de atividades econômicas e a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas (artigo 2º, I e III).
Em relação às desestatizações, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) prevê que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos istrados”. Em âmbito federal, as decisões sobre desestatizações são tomadas, em geral, com base na Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões), na Lei nº 9.491/1997 (Lei do Programa Nacional de Desestatizações), na Lei nº 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas) e na Lei nº 13.334/2016 (Lei do Programa de Parcerias de Investimentos).
Há que se ter atenção, portanto, em como se dará o enlace entre as competências da subsecretaria e a da istração pública para decidir sobre desestatizações e definir a respeito de seus aspectos concretos, traduzidos na modelagem de cada projeto.
De todo modo, com este redesenho, o governo retoma o modelo de distribuição de competências originariamente previstas na Lei nº 12.529/2011, tendo a Seae papel teórico relacionado a estudo de mercados, promovendo insights aos demais órgãos da istração quando estes tratam de matérias que tenham alguma interface com (ou gerem consequências sobre) a competitividade dos mercados (sejam eles projetos de lei, decreto, atos normativos ou aspectos regulatórios em geral).
A evolução aqui está ligada à forma de articulação voltada aos mercados regulados, naturalmente falhos do ponto de vista econômico e, portanto, terreno de expertise das agências reguladoras. Retoma-se um viés construtivo, de acompanhamento e proposição de preocupações que devem estar no radar desses órgãos, reduzindo a assimetria em relação aos potenciais efeitos sobre a concorrência que regulações podem gerar (o que facilita o sopesamento de valores envolvidos).
Complementação à atuação do Cade
Ao mesmo tempo, o governo acaba por balancear — e complementar — a atividade do Conselho istrativo de Defesa Econômica. Embora o Cade possua um Departamento de Estudos Econômicos que, historicamente, desenvolveu robusta capacidade de advocacia da concorrência, sua atividade é essencialmente focada em aspectos práticos de situações pontuais do mercado, como autorização de fusões, análise de condutas anticompetitivas, dentre outros aspectos.

E, não obstante as decisões do Cade funcionem como indicativo do que pode ou não ser itido num cenário de livre mercado, mesmo em se tratando de setores regulados, não é sua função principal opinar ou se manifestar meritória e antecipadamente sobre propostas de atos normativos de outros órgãos ou do Congresso, tampouco promover estudos de mercado — e historicamente o fez, por inércia ou incapacidade operacional da Seae.
Ademais, verifica-se que o governo priorizará, nas atividades da subsecretaria, setores que são os sustentáculos da retomada econômica pretendida pelo seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): promoção de concorrência em geral; transporte e saneamento; saúde e comunicação; energia, óleo e mineração. São as áreas responsáveis por 90% de todo o investimento projetado [1].
Ou seja, essa modelagem trazida pelo Ministério da Fazenda tem potencial de incrementar a percepção e a consideração de aspectos concorrenciais na interface entre a istração e o setor privado – e só por isso já merece atenção. A própria idealização do modelo de editais para que setores e especialistas sugiram estudos a serem priorizados já torna mais imparcial a eleição do que será analisado, em homenagem à transparência da atividade pública.
Daqui para a frente
Por tais razões, será importante observar, daqui em diante, como se dará a organização e o desenvolvimento dessa subsecretaria, e como será a interação dela com Cade, órgãos internacionais, Congresso Nacional e agências reguladoras em geral.
Em relação a estas, como exemplo, com vistas à promoção da concorrência e à eficácia na implementação da legislação de defesa da concorrência nos mercados regulados, as agências reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência devem atuar em estreita cooperação, privilegiando a troca de experiências (artigo 25 da Lei 13.848/2019 — Lei das Agências Reguladoras).
Acima de tudo, parece-nos importante que a subsecretaria esteja aberta a diálogos com poderes públicos e com a iniciativa privada, buscado percepções dos agentes de mercado e organizações de modo geral, já que salta aos olhos seu papel de contemplar diferentes visões sobre o arranjo dos mercados em cenário de retomada de desenvolvimento econômico com forte indução estatal.
[1] Para mais informações, ver: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/novopac/conheca-o-plano>. o em: 23.mar.2024.
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