Opinião

Perspectivas a partir da nova Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação

Autores

  • é sócio da área concorrencial do Cescon Barrieu.

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  • é sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon Barrieu Flesch & Barreto Advogados. É professor do mestrado profissional da FGV Direito SP. Doutor (USP/2018) mestre (PUC-SP/2014) e Bacharel (FGV-SP/2010) em Direito.

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30 de março de 2024, 15h26

A reestruturação da Subsecretaria de Acompanhamento Econômico e Regulação, feita por meio do Decreto 11.907/2024, como órgão da Secretaria de Reforma Econômica no âmbito do Ministério da Fazenda, gera perspectivas para o mercado e para os que atuam com o Direito da Concorrência no país. Trata-se de uma novidade institucional relevante.

A subsecretaria não apenas encampa as funções da antiga Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), mas assume papel de acompanhamento sobre a performance — e por consequência, as deficiências — dos mercados, regulados ou não, além de possuir caráter propositivo na agenda regulatória nacional.

Estão previstas a possibilidade de realização de estudos, análise e contribuições para estímulo à eficiência, à produtividade, à inovação e à competitividade, com vistas à melhoria regulatória e de ambiente de negócios, seja ele interno ou externo (de relacionamento do Brasil).

Ao mesmo tempo, compete à subsecretaria manifestar-se sobre processos que envolvam a privatização ou a alienação de ativos de empresas pertencentes à União, a desestatização de serviços públicos ou concessão, permissão ou autorização de uso de bens públicos.

Além disso, lhe cabe opinar, quando considerar pertinente, sobre os impactos regulatórios de minutas e propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados submetidas a consulta pública pela agência reguladora.

Regulação e desestatizações

Aqui, ao menos dois pontos são importantes: (1) a qualidade regulatória e a mínima intervenção em negócios privados, bem como (2) a questão relativa à tomada de decisões istrativas relativas a desestatizações, em geral.

O primeiro deles diz respeito à qualidade regulatória, aspecto que dialoga diretamente com a análise de impacto regulatório (AIR). Nos termos do Decreto nº 10.411/2020, ela é considera como o “procedimento, a partir da definição de problema regulatório, de avaliação prévia à edição dos atos normativos […], que conterá informações e dados sobre os seus prováveis efeitos, para verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão” (artigo 2º, I).

Assim, a subsecretaria deverá estar atenta aos benefícios e aos malefícios que a edição de atos normativos regulatórios, em geral, poderá causar à iniciativa privada, privilegiando o bom ambiente de negócios, a segurança jurídica e a minimização de custos regulatórios.

Lembrando que a Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) estabelece a liberdade como garantia no exercício de atividades econômicas e a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas (artigo 2º, I e III).

Em relação às desestatizações, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) prevê que “na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos istrados”. Em âmbito federal, as decisões sobre desestatizações são tomadas, em geral, com base na Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões), na Lei nº 9.491/1997 (Lei do Programa Nacional de Desestatizações), na Lei nº 11.079/2004 (Lei de Parcerias Público-Privadas) e na Lei nº 13.334/2016 (Lei do Programa de Parcerias de Investimentos).

Há que se ter atenção, portanto, em como se dará o enlace entre as competências da subsecretaria e a da istração pública para decidir sobre desestatizações e definir a respeito de seus aspectos concretos, traduzidos na modelagem de cada projeto.

De todo modo, com este redesenho, o governo retoma o modelo de distribuição de competências originariamente previstas na Lei nº 12.529/2011, tendo a Seae papel teórico relacionado a estudo de mercados, promovendo insights aos demais órgãos da istração quando estes tratam de matérias que tenham alguma interface com (ou gerem consequências sobre) a competitividade dos mercados (sejam eles projetos de lei, decreto, atos normativos ou aspectos regulatórios em geral).

A evolução aqui está ligada à forma de articulação voltada aos mercados regulados, naturalmente falhos do ponto de vista econômico e, portanto, terreno de expertise das agências reguladoras. Retoma-se um viés construtivo, de acompanhamento e proposição de preocupações que devem estar no radar desses órgãos, reduzindo a assimetria em relação aos potenciais efeitos sobre a concorrência que regulações podem gerar (o que facilita o sopesamento de valores envolvidos).

Complementação à atuação do Cade

Ao mesmo tempo, o governo acaba por balancear — e complementar — a atividade do Conselho istrativo de Defesa Econômica. Embora o Cade possua um Departamento de Estudos Econômicos que, historicamente, desenvolveu robusta capacidade de advocacia da concorrência, sua atividade é essencialmente focada em aspectos práticos de situações pontuais do mercado, como autorização de fusões, análise de condutas anticompetitivas, dentre outros aspectos.

Edu Andrade/MF

E, não obstante as decisões do Cade funcionem como indicativo do que pode ou não ser itido num cenário de livre mercado, mesmo em se tratando de setores regulados, não é sua função principal opinar ou se manifestar meritória e antecipadamente sobre propostas de atos normativos de outros órgãos ou do Congresso, tampouco promover estudos de mercado — e historicamente o fez, por inércia ou incapacidade operacional da Seae.

Ademais, verifica-se que o governo priorizará, nas atividades da subsecretaria, setores que são os sustentáculos da retomada econômica pretendida pelo seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): promoção de concorrência em geral; transporte e saneamento; saúde e comunicação; energia, óleo e mineração. São as áreas responsáveis por 90% de todo o investimento projetado [1].

Ou seja, essa modelagem trazida pelo Ministério da Fazenda tem potencial de incrementar a percepção e a consideração de aspectos concorrenciais na interface entre a istração e o setor privado – e só por isso já merece atenção. A própria idealização do modelo de editais para que setores e especialistas sugiram estudos a serem priorizados já torna mais imparcial a eleição do que será analisado, em homenagem à transparência da atividade pública.

Daqui para a frente

Por tais razões, será importante observar, daqui em diante, como se dará a organização e o desenvolvimento dessa subsecretaria, e como será a interação dela com Cade, órgãos internacionais, Congresso Nacional e agências reguladoras em geral.

Em relação a estas, como exemplo, com vistas à promoção da concorrência e à eficácia na implementação da legislação de defesa da concorrência nos mercados regulados, as agências reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência devem atuar em estreita cooperação, privilegiando a troca de experiências (artigo 25 da Lei 13.848/2019 — Lei das Agências Reguladoras).

Acima de tudo, parece-nos importante que a subsecretaria esteja aberta a diálogos com poderes públicos e com a iniciativa privada, buscado percepções dos agentes de mercado e organizações de modo geral, já que salta aos olhos seu papel de contemplar diferentes visões sobre o arranjo dos mercados em cenário de retomada de desenvolvimento econômico com forte indução estatal.

 

 


[1] Para mais informações, ver: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/novopac/conheca-o-plano>. o em: 23.mar.2024.

Autores

  • é sócio de Direito Concorrencial do Cescon, Barrieu, Flesch e Barreto Advogados, pós-graduado em Defesa da Concorrência e Direito Econômico (FGV), mestrando em Ciências Políticas – Universidade de Lisboa (ULisboa) e ex-procurador-chefe adjunto do Cade (2018-2022).

  • é sócio de Direito Público e Infraestrutura do Cescon, Barrieu, Flesch e Barreto Advogados Doutor (USP), mestre (PUC-SP) e bacharel (FGV-SP) em Direito e professor do mestrado profissional da Fundação Getulio Vargas.

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