Por que manter o piso da saúde no arcabouço fiscal?
12 de novembro de 2024, 8h00
Existe alternativa para reforçar a sustentabilidade fiscal do piso da saúde, hoje acusado erroneamente de pressionar de maneira explosiva as despesas discricionárias, o que tornaria o arcabouço fiscal disfuncional no médio prazo?
Antes de responder a essa pergunta, é necessário lembrar que, segundo dados publicados no Ipea, o Brasil gasta muito pouco com saúde pública e o teto de gasto da EC 95 provocou, expurgando os créditos extraordinários, uma perda de aproximadamente R$ 75,8 bilhões ao SUS, entre 2018 e 2022. Diante das necessidades crescentes por ações e serviços públicos de saúde, nos parece preocupante reduzir ainda mais o ritmo de crescimento do gasto público per capita em saúde no país.
Nesse cenário e a partir da ótica social, foi correto revogar o teto da EC 95, resgatando a regra constitucional dos pisos em saúde e educação e tratando-os de forma diferente dos parâmetros definidos pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF) para o conjunto das despesas primárias em 2023. E temos razões para acreditar que, na atual conjuntura pós-pandemia, o piso de custeio que ampara o SUS, cujo valor corresponde a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), favoreceu, na margem, a própria consolidação fiscal, dadas as externalidades positivas do setor saúde.
O setor é intensivo em força de trabalho e, portanto, contribui para combater o desemprego, em particular no contexto de uma política monetária restritiva. Tem comprovado efeito multiplicador e redistributivo sobre os fluxos de renda, a um só tempo, diminuindo o gasto das famílias dos estratos inferiores e intermediários de renda com bens e serviços privados de saúde, bem como liberando recursos para o consumo de bens duráveis e não-duráveis.

Não podemos nos esquecer ainda de suas implicações sobre a produtividade do trabalho e sobre o processo de inovação tecnológica da economia, esse último permitindo, inclusive, o fortalecimento do complexo econômico industrial da saúde, com efeitos benignos sobre o resultado da balança comercial. Além do mais, como a demanda por saúde é relativamente inelástica, ou seja, o consumidor se torna indiferente ao preço dadas suas necessidades, o gasto público acaba funcionando como um amortecedor da inflação setorial, e, considerando o peso dos serviços no IPCA, da própria taxa média de inflação.
Ora, sem ignorarmos os desafios enfrentados durante a pandemia, se tais características econômicas não parecem suficientes para sustentar o argumento em favor da sustentabilidade do piso de 15% da RCL dentro do arcabouço fiscal, considerando, por exemplo, seus impactos sobre o crescimento do PIB, para torná-lo mais evidente, poderíamos caminhar em três direções, visando ao seu aperfeiçoamento:
- salvo a correção de distorções pontuais no interior dos gastos diretos, sem desconsiderar as mudanças operadas no contexto da reforma tributária, é necessário privilegiar a reoneração escalonada e seletiva dos subsídios tributários, financeiros e creditícios da União, que alcançaram, praticamente, R$ 700 bilhões em 2023, segundo estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Vale dizer, à guisa de ilustração, segundo dados oficiais da Receita Federal, o gasto tributário efetivo associado à saúde em 2022 foi de R$ 66 bilhões, montante superior àquele reivindicado pelo mercado para o governo implementar o “ajuste fiscal estrutural”;
- caso se queira ser consistente com os dois termos do binômio “contração expansionista” presentes nas experiências internacionais de ajuste, evitando que o arcabouço assuma um viés recessivo, cabe excepcionar os investimentos estratégicos da saúde, de forma condicionada à redução do gasto indireto, mas excluindo seu cômputo dos limites do NAF e do resultado primário, mecanismo que, além do mais, retiraria parte da sobrecarga sobre as demais despesas discricionárias;
- por fim, mas não menos importante, é preciso reduzir o valor, além de racionalizar a aplicação das emendas individuais, de bancada e de comissão, garantindo a eficácia e efetividade da política de saúde e priorizando as necessidades econômicas, tecnológicas e sociais do SUS diagnosticadas pelo planejamento sanitário.
Nesse sentido, se o governo federal – com apoio do parlamento – optar, em reforço ao aprendizado trazido pela pandemia da Covid-19 e diante das demandas trazidas pelo envelhecimento populacional, por excepcionar os investimentos da saúde, a partir do aumento paulatino da receita decorrente dos cortes dos gastos indiretos, isso favoreceria o alcance do resultado primário, a estabilidade da relação dívida/PIB e a sustentabilidade fiscal do piso da saúde em consonância com o arcabouço fiscal, ao reduzir a pressão de tais investimentos sobre as demais despesas discricionárias.
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