In dubio pro recuperação: o princípio em casos de empate na classe 4 da Lei 11.101/05
16 de outubro de 2024, 15h23

A Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial e falências, tem como pilar fundamental a preservação da empresa. Um dos debates que surgem no contexto da recuperação de empresas de pequeno porte e microempresas (classe 4 de credores) diz respeito ao critério a ser utilizado em situações de empate nas votações dos credores.
O princípio “in dubio pro recuperação” tem sido proposto como uma solução prática para esses casos, defendendo que, em situações de dúvida ou empate, a decisão favoreça a continuidade da empresa.
Função social da empresa e a recuperação judicial
O artigo 170, III, da Constituição consagra a função social da empresa como um dos princípios fundamentais da ordem econômica. Esse princípio é reiterado no artigo 47 da Lei 11.101/05, que busca assegurar a superação de crises econômico-financeiras e a preservação de empregos, contratos e arrecadação tributária.
A relevância da função social é ainda mais evidente no caso de pequenas e microempresas. Tais empresas, ao entrarem em recuperação judicial, enfrentam desafios únicos, uma vez que possuem menos estrutura financeira para superar a crise. Assim, é essencial que os credores da classe 4, ao deliberarem sobre a aprovação do plano de recuperação, considerem a função social da empresa como um fator decisivo.
Empate nas deliberações da classe 4
As microempresas e empresas de pequeno porte, por estarem em uma posição de vulnerabilidade, muitas vezes encontram dificuldades para aprovar seus planos de recuperação nas assembleias de credores. Quando ocorre um empate nas votações, surge uma lacuna no processo decisório, deixando a recuperação da empresa em risco.
O princípio “in dubio pro recuperação” busca preencher essa lacuna. A ideia central é que, em situações de empate, o critério de desempate deva favorecer a empresa devedora, garantindo sua continuidade, com base na função social e na importância de preservar empregos e contratos.

Jurisprudência recente
A aplicação do princípio “in dubio pro recuperação” já encontra respaldo na jurisprudência brasileira, mesmo sem uma previsão legal explícita. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversos Tribunais de Justiça estaduais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), têm reconhecido que, em situações de ime, deve-se priorizar a recuperação da empresa.
STJ — REsp 1.634.048/RS
Neste precedente, o STJ aplicou o princípio da preservação da empresa, decidindo que a continuidade da atividade empresarial deve ser priorizada quando a falência não for a única saída viável.
TJ-SP — Agravo de Instrumento 2174206-86.2021.8.26.0000
O Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou o princípio “in dubio pro recuperação” ao decidir um caso de empate na votação de credores da classe 4. A decisão privilegiou a continuidade da empresa, reconhecendo seu impacto econômico e social.
TJ-CE – Apelação Cível 0627072-98.2018.8.06.0000
Em uma decisão que reforçou o papel social da empresa, o TJ-CE também aplicou o princípio “in dubio pro recuperação“, garantindo que, em situações de empate, a preservação da empresa fosse a prioridade.
Proposta de aperfeiçoamento legislativo
Apesar do uso crescente do princípio pela jurisprudência, ainda falta uma previsão legal explícita que ofereça maior segurança jurídica para a aplicação do “in dubio pro recuperação“. Uma sugestão seria a inclusão de um dispositivo na Lei 11.101/05, mais especificamente no artigo 56, estabelecendo que, em casos de empate nas deliberações das classes de credores, especialmente na classe 4, a decisão seja favorável à recuperação.
Essa proposta contribuiria para a consolidação de um critério claro e eficaz de desempate, fortalecendo o instituto da recuperação judicial e promovendo a preservação de empresas viáveis.
Conclusão
O princípio “in dubio pro recuperação” tem ganhado espaço no direito brasileiro como uma solução para casos de empate nas deliberações de credores da classe 4. Ao favorecer a continuidade da empresa, o princípio promove a função social da atividade empresarial e protege os interesses da coletividade, como empregos e arrecadação tributária.
A formalização desse princípio na legislação contribuiria para o fortalecimento da recuperação judicial no Brasil, garantindo maior segurança jurídica e ajudando a preservar empresas que ainda podem desempenhar um papel relevante na economia.
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