Evolução necessária: o Brasil rumo à vanguarda do tratamento do superendividamento
23 de outubro de 2024, 8h00
O tratamento do superendividamento no Brasil, previsto na Lei 14.181/2021, ainda se encontra em fase inicial de implementação, o que gera uma sensação comum de que a lei não está sendo plenamente aplicada. Entretanto, essa percepção de lentidão é normal e pode ser considerada parte de um processo evolutivo, como ocorreu em outros países, notadamente na França e nos Estados Unidos, onde o tratamento jurídico para o superendividamento foi uma construção gradual e contínua ao longo de anos.
Tanto na França quanto nos Estados Unidos, o caminho para a efetiva aplicação da legislação sobre superendividamento envolveu a superação de preconceitos, o entendimento dos objetivos sociais da legislação e, principalmente, a aceitação de que tratar o superendividamento é essencial para a reintegração do devedor na sociedade.
A experiência sa é um exemplo claro de como esse processo pode ser demorado, mas, ao final, frutífero. O modelo francês de tratamento do superendividamento surgiu na década de 1990, com o objetivo de fornecer uma resposta ao crescente endividamento dos consumidores. Inicialmente, havia resistência, tanto social quanto jurídica, à ideia de que o devedor poderia ser “perdoado” ou reabilitado financeiramente. Foi somente após anos de ajustes legislativos, debates sociais e experiências práticas das Comissões de Superendividamento que a aceitação do “direito de recomeçar” se consolidou.
Lições para o Brasil
Nos Estados Unidos, a implementação do “fresh start” através do sistema de falências também não ocorreu de forma imediata. O capítulo 7 da Lei de Falências, que permite o perdão total das dívidas, foi inicialmente visto com desconfiança, especialmente pelos setores mais conservadores, que viam no sistema um estímulo ao “moral hazard”, ou seja, à irresponsabilidade financeira por parte dos consumidores. No entanto, ao longo do tempo, a jurisprudência norte-americana e a própria sociedade aram a enxergar o “fresh start” como uma ferramenta crucial não apenas para a economia, ao permitir que o devedor continue contribuindo como consumidor, mas também para a manutenção da dignidade humana, ao evitar a exclusão social decorrente de uma dívida impagável.
O Brasil se encontra agora em um ponto semelhante ao que França e Estados Unidos enfrentaram em fases anteriores. A Lei do Superendividamento traz mecanismos importantes, como a conciliação para renegociação de dívidas e a proteção ao mínimo existencial do devedor, mas esses mecanismos ainda não são amplamente conhecidos ou aceitos por toda a sociedade.

O processo de adaptação e aceitação de uma legislação como esta requer tempo e um esforço conjunto de educação, reeducação financeira e, sobretudo, a superação de preconceitos enraizados na cultura brasileira, que tendem a culpar o devedor por sua própria situação financeira.
A evolução do tratamento do superendividamento na França e nos Estados Unidos oferece lições importantes para o Brasil. O sistema francês e o americano não foram construídos da noite para o dia; pois aram por décadas de ajustes, aprimoramentos e reformas legislativas, sempre com o objetivo de melhorar a proteção aos consumidores superendividados.
Primeiros os
No Brasil, o mesmo processo de evolução é esperado. A Lei 14.181/2021 é um marco importante, mas a plena efetividade do sistema só será alcançada com o tempo, à medida que o Judiciário, a sociedade e os credores compreendam a necessidade de reabilitação financeira dos devedores e superem preconceitos históricos ligados ao endividamento.
Portanto, é necessário ter paciência. A legislação brasileira ainda está em seus primeiros os rumo a um sistema mais inclusivo e eficaz de tratamento do superendividamento. Assim como ocorreu na França e nos Estados Unidos, é natural que ajustes sejam necessários e que o pleno potencial da lei só seja percebido após um processo de construção jurídica, social e cultural.
O que se espera no Brasil é que possamos aproveitar as lições aprendidas com as experiências da França e dos Estados Unidos, tanto suas conquistas quanto seus desafios, para que nossa evolução legislativa e cultural no tratamento do superendividamento não seja tão demorada quanto foi nesses países.
Ao absorvermos as melhores práticas e evitarmos os erros enfrentados por eles, podemos acelerar o desenvolvimento de um sistema mais eficaz, adaptado à realidade brasileira, mas inspirado nos avanços já realizados internacionalmente.
A sabedoria está em aproveitar essas experiências, tanto negativas quanto positivas, para resolvermos de forma mais ágil esse problema social tão relevante, colocando o Brasil em posição de destaque global no tratamento do superendividamento e na proteção dos direitos do consumidor.
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