SOB ENCOMENDA

Suprema Corte vai analisar tática de judge shopping nos EUA

Autor

24 de outubro de 2024, 13h53

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu julgar uma versão, até agora pouco discutida, da prática de judge shopping (termo utilizado para a busca ativa de distribuição de determinada ação para um tribunal em que a demanda tem maior probabilidade de ser bem sucedida).

suprema corte dos eua

Suprema Corte vai analisar prática de judge shopping

Trata-se da vertente chamada circuit shopping – isto é, a tática de peticionar em tribunais federais de recursos que, muito provavelmente, irão tomar uma decisão favorável aos peticionários.

O caso perante a Corte se refere, originariamente, a uma ação movida por grupos conservadores-republicanos, que contesta um regulamento aprovado pela U.S. Environmental Protection Agency (EPA), com base na “Clean Air Act” (lei norte-americana sobre qualidade do ar).

Mas a questão colocada aos ministros não faz referência aos méritos da regulamentação. Em vez disso, a questão é se os peticionários republicanos podem levar a disputa a um tribunal de recursos de sua preferência — no caso, o Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região.

Esse cobre os estados republicanos do Texas, Lousiana e Mississipi, tem 17 juízes, dos quais 12 foram nomeados por presidentes republicanos. Metade destes magistrados foram nomeados pelo ex-presidente e atual candidato Donald Trump.

Dessa forma, há alta probabilidade de que esse tribunal de recursos, especificamente, irá decidir de forma favorável às causas conservadoras-republicanas. Por outro lado, as decisões proferidas na Corte da 5ª Região também estão entre as mais revertidas pela Suprema Corte.

De todas as ações que a Suprema Corte decidiu julgar neste ano judicial (2024/2025), 23,4% vêm da 5ª Região, de acordo com o professor de Direito da Georgetown University, Stephen Vladeck, citado em reportagem da National Public Radio (NPR).

Ministros e juízes têm expressado suas frustrações com o comportamento agressivo do tribunal a favor dos republicanos.

DOJ na discussão

Pode-se pensar que processos julgados em primeira instância no Texas devem seguir, naturalmente, em grau de recurso, para este tribunal federal. Mas não é bem assim, argumenta o Departamento de Justiça (DOJ) do governo de Joe Biden.

De acordo com o DOJ, a lei federal estabelece que todas a ações que tiverem repercussão nacional devem ser discutidas no Tribunal Federal de Recursos do Distrito de Colúmbia, em Washington, D.C. “Apenas esse tribunal deve lidar com questões regulamentares que são nacionalmente aplicáveis”, diz o departamento.

No ano ado, o Tribunal Federal de Recursos da 10ª Região (que cobre os estados do Colorado, Kansas, Novo México, Oklahoma, Utah e Wyoming) transferiu um caso semelhante (que também envolvia a EPA) para o Tribunal Federal de Recursos do Distrito de Colúmbia, acatando esse argumento do DOJ.

Isso estabeleceu um conflito de decisões entre os tribunais da 10ª Região e o da 5ª Região. Este se recusou a transferir o caso mais recente para Washington, D.C. Assim, a Suprema Corte foi praticamente obrigada a dirimir o conflito.

A Suprema Corte terá, então, uma oportunidade para acabar com a tática de judge shopping (com a qual o presidente da Corte, ministro John Roberts, se mostrou preocupado no relatório anual sobre o Judiciário de 2021), pelo menos em nível de segundo grau.

‘Judge shopping’ em primeira instância

Em primeira instância, a Conferência Judicial dos Estados Unidos , o órgão formulador de políticas para os tribunais federais do país, tentou, em março de 2024, acabar com essa prática: anunciou a adoção de novas regras para coibir a tática de “judge shopping — com apoio do Departamento de Justiça, da American Bar Association (ABA) e de parlamentares democratas e um republicano.

A regra principal estipula que ações movidas dentro de uma divisão geográfica devem ser distribuídas de forma aleatória a um juiz de qualquer um dos vários tribunais de um distrito, sempre que o caso tiver implicações nacionais ou estaduais — em oposição a um juiz específico da Corte em que o processo foi protocolado.

Mas juízes envolvidos nessas práticas ignoraram as regras e a tática se mantém em algumas jurisdições. Hoje, grupos conservadores, procuradores-gerais de estados republicanos e grandes empresas protocolam assiduamente suas causas em alguns tribunais federais de primeira instância no Texas.

Se ações movidas por outras partes caem nas mãos de um juiz federal de outra jurisdição, não comprometido com o esquema, e a decisão é desfavorável, eles entram com recurso no Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região.

Musk aproveita a brecha

Três juízes que atuam no Texas são os preferidos dos republicanos para mover ações, contando com uma decisão favorável: o juiz Matthew Kacsmaryk, o juiz Drew Tipton, ambos nomeados pelo ex-presidente Trump, e o juiz Reed O’Connor, nomeado pelo ex-presidente Bush.

O favorito do empresário Elon Musk é o juiz Reed O’Connor, que costuma investir em ações da Tesla. Musk mudou os “Termos de Serviços” do X para estabelecer o tribunal federal em que o juiz atua como a Corte para a qual todas as disputas com sua plataforma devem ser obrigatoriamente levadas.

Os novos “Termos de Serviço”, aplicáveis a todos os usuários do X, determinam: “Todas as disputas (com a plataforma X) devem ser levadas exclusivamente ao Tribunal Federal do Distrito Norte do Texas ou à Corte estadual localizada no Condado de Tarrant, e você consente com essa jurisdição pessoal nesses fóruns e desiste de qualquer alegação de fórum inconveniente.”

Musk mudou recentemente a sede do X da Califórnia (São Francisco) para o Texas (Bastrop). Ou seja, a sede do X se localiza, agora, no Distrito Oeste do Texas — não no Distrito Norte, em que estão os juízes de sua preferência.

O X já moveu algumas ações no Distrito Norte do Texas. Uma delas é um caso contra a Media Matters for America. O X processou a Media Matters porque ela divulgou uma pesquisa mostrando que anúncios estão sendo colocados em páginas com conteúdo pró-nazismo no X.

O processo foi distribuído ao juiz Reed O’Connor. O juiz rejeitou um pedido dos advogados da Media Matters para se declarar suspeito, em vista de seus investimentos em ações da Tesla. Rejeitou também um argumento de que sua Corte não tem jurisdição sobre a disputa, porque a plataforma é sediada em outro distrito.

O’Connor atraiu a jurisdição citando argumentação de que os artigos da Media Matters se referiram a empresas baseadas no Texas, que anunciaram no X — apesar de nenhuma dessas empresas ser parte no processo.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!