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Regulação da descarbonização como instrumento de justiça climática

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8 de setembro de 2024, 8h00

A descarbonização da economia tornou-se uma prioridade global, impulsionada pela urgência de se enfrentar as mudanças climáticas. Esse processo não se limita à redução de emissões de carbono, mas envolve também a transição para fontes de energia mais limpas, com impactos profundos na justiça social e nos direitos humanos.

A desigualdade no impacto das mudanças climáticas exige que a descarbonização seja vista como um direito humano fundamental, garantindo que todos tenham o a um ambiente saudável e sustentável.

No tocante à justiça climática, é importante ressaltar que as comunidades mais vulneráveis, que menos contribuíram para as emissões, são as mais afetadas pelas mudanças climáticas. É crucial que as políticas globais de descarbonização integrem esses princípios, assegurando uma distribuição equitativa dos benefícios e dos custos da transição energética.

Essa abordagem não apenas promove a sustentabilidade ambiental, mas também a equidade social, reconhecendo a descarbonização como um componente essencial dos direitos humanos.

Incentivo econômico e desafios

Nesse contexto, os mercados de carbono surgem para incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa, tratando-se de um mecanismo econômico para incentivar a redução de emissões de gases por meio da comercialização de créditos de carbono.

No Brasil, o desenvolvimento desse mercado vem alinhado com compromissos internacionais, como o Acordo de Paris, e destaca o potencial do país em liderar essa transição, especialmente devido à sua capacidade de produção de energia renovável e à preservação das florestas tropicais.

No entanto, o Brasil enfrenta desafios significativos na regulamentação de seu mercado de carbono, como a harmonização das políticas estaduais e federais e a inclusão de pequenos produtores. A descarbonização, quando combinada com uma abordagem responsiva e experimentalista, pode acelerar significativamente a transição para uma economia de baixo carbono.

A responsividade na regulação permite que as políticas se adaptem rapidamente às mudanças e necessidades do mercado, promovendo flexibilidade e inovação. O experimentalismo, por sua vez, incentiva a criação de ambientes regulatórios controlados, como sandboxes, nos quais novas tecnologias e práticas podem ser testadas e aprimoradas antes de serem implementadas em larga escala. Essa combinação não apenas facilita a adoção de soluções inovadoras, mas também garante que a transição seja eficiente e equitativa, beneficiando tanto o meio ambiente quanto a sociedade.

Distribuição justa

Incorporar a justiça climática nas políticas de descarbonização significa garantir que os benefícios econômicos dos mercados de carbono sejam distribuídos de forma justa. Isso inclui a proteção dos direitos das comunidades locais e dos povos indígenas, bem como o e à adaptação e resiliência das regiões mais vulneráveis aos impactos climáticos.

Destaca-se que o mercado de carbono tem se expandido globalmente como uma ferramenta crucial para a mitigação das mudanças climáticas, operando através de sistemas de comércio de emissões (ETS) que incentivam a redução de gases de efeito estufa de maneira eficiente e econômica.

Exemplos significativos incluem o Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS), o maior e mais estabelecido do mundo, e iniciativas regionais nos Estados Unidos, como o Regional Greenhouse Gas Initiative e o California Cap-and-Trade Program.

Na Ásia, a China lançou o maior ETS em termos de volume de emissões cobertas, enquanto Coreia do Sul e Japão implementaram sistemas mais locais, com dinâmicas adaptadas às suas realidades econômicas, todos contribuindo para a redução global de emissões e promovendo a cooperação internacional em políticas climáticas.

Essas iniciativas globais demonstram como os princípios de justiça climática e diversas técnicas regulatórias podem ser integrados com sucesso nas políticas de mercado de carbono brasileiro. Tais exemplos podem servir de inspiração para o Brasil, que tem o potencial de se tornar um líder nessa área.

Iniciativas

E o Brasil tem avançado na criação de um arcabouço legal para regulamentar o mercado de carbono, seja pelo Projeto de Lei nº 528/2021, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, seja com a reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132/23  que cuidou de adequar nosso sistema econômico-financeiro à proteção do meio ambiente, consignando expressamente que o novo sistema tributário deve observar o  princípio da defesa do meio ambiente, sendo que a concessão de incentivos regionais levarão em consideração a sustentabilidade ambiental e a redução das emissões de carbono na região beneficiada.

Não pode ser esquecido que para que a regulação da descarbonização seja eficaz e justa, é fundamental garantir a participação pública e a transparência no processo de tomada de decisões. A inclusão de diversos stakeholders, incluindo comunidades locais, ONGs, e o setor privado, assegura que as políticas sejam abrangentes e atendam às necessidades de todos os envolvidos.

A transparência nas ações e nos resultados também é crucial para construir confiança e segurança jurídica, e garantir a legitimidade e responsabilidade dos envolvidos.

Ademais, a educação e a capacitação são elementos essenciais para a transição para uma economia de baixo carbono. Investir em programas de educação ambiental e em treinamentos específicos para trabalhadores em setores afetados pela descarbonização pode facilitar a adaptação e promover novas oportunidades de emprego.

A conscientização pública sobre os benefícios da descarbonização e a justiça climática também é vital para o apoio contínuo às políticas de mitigação.

Em suma, a regulação da descarbonização, quando alinhada ao princípio de justiça climática, pode se tornar um poderoso instrumento para promover tanto a sustentabilidade ambiental quanto a equidade social.

O Brasil, com seus recursos naturais e experiência em projetos inovadores, está em uma posição única para liderar essa transição, garantindo que o desenvolvimento sustentável seja ível a todos. A participação pública, a transparência, a educação e a capacitação são pilares fundamentais para o sucesso dessa jornada.

Autores

  • é advogado em São Paulo, mestre em Direito istrativo pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Advocacia e MBA em Gestão de Políticas Públicas e Governamentais pela Escola Paulista de Direito.

  • é advogado em São Paulo, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil e ex-assessor de desembargador da Câmara de Direito Público no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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