Opinião

Desafios da tributação verde: carros elétricos e o Imposto Seletivo na reforma tributária

Autores

  • é doutora pela USP em Direito Econômico e Financeiro (subárea ambiental) diretora de políticas públicas e engajamento da Laclima e cofundadora da Rede Amazônidas pelo Clima.

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  • é advogado especialista em Direito Tributário com mais de dez anos de experiência em tributos indiretos e líder da equipe responsável pela apuração de oportunidades relacionadas a tributos indiretos da LACLAW Consultoria Empresarial.

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19 de setembro de 2024, 16h14

O Rio Grande do Sul foi inundado e o rio Amazonas secou. Essas frases alguns anos atrás seriam fruto de alguma obra de ficção científica do Isaac Asimov ou Ursula Le Guin. Contudo, atualmente, elas fazem parte do nosso cotidiano e precisamos de todas as ferramentas inovadoras e tradicionais para o enfrentamento e mitigação desses e outros eventos climáticos que ficarão cada vez mais frequentes e cada vez mais intensos.

Uma das formas de combate à crise climática está sendo a reforma tributária, ou pelo menos, deveria ser. Enquanto é questionável o quanto dessa reforma é direcionada para induzir comportamentos, setores e a própria sociedade rumo ao baixo carbono, um ponto se destaca: a inclusão dos carros elétricos no Imposto Seletivo.

O Imposto Seletivo é um dos novos tributos introduzidos na reforma tributária, com o objetivo de incidir sobre produtos e serviços considerados nocivos à saúde e ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e cigarro (por isso também é conhecido como o “Imposto do Pecado”). Destaca-se pela sua pretensão de influenciar no comportamento do contribuinte, induzindo a consumir mais ou menos determinado produto em detrimento de outros, para além da mera arrecadação.

No contexto da crise climática, a inclusão dos carros elétricos no escopo desse imposto levanta debates sobre o papel desse tributo em (des)incentivar o uso de tecnologias mais limpas e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Nesse sentido, para compreender se carros elétricos devem ou não ser desincentivados, como propõe o projeto de lei agora sob análise do Senado, é importante analisar alguns pontos, como: 1) o perfil de emissão de carbono no Brasil, 2) a matriz energética brasileira e suas diferenças da matriz de outros países, em especial do norte global e 3) a parcela de biocombustíveis, em especial o etanol, que permeia as vias brasileiras.

Emissões, ocupação do solo e fontes de energia

Acerca do primeiro ponto, é importante destacar que no Brasil, as maiores quantidades de emissão de gases CO2e (gases que podem ser convertidos em gases equivalentes ao dióxido de carbono, tais como o CH4, N2O e os HFCs) são em decorrência da alteração do uso e da ocupação do solo.

Em 2022, o Brasil registrou aproximadamente 1,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e). As principais fontes dessas emissões incluem a mudança de uso da terra e florestas, que representa cerca de 33% das emissões totais devido ao desmatamento e degradação florestal, principalmente na Amazônia.

O setor agropecuário contribui com aproximadamente 29% das emissões, com destaque para a pecuária e as emissões de metano (CH4) provenientes da fermentação entérica dos animais. O setor de energia, que envolve a queima de combustíveis fósseis para geração de eletricidade e transporte, também é uma fonte significativa de emissões com aproximadamente 26%.

Spacca

Nesse sentido, somando as emissões com uso e ocupação do solo com as provenientes de agricultura, observa-se um cenário muito diferente dos países do norte global cujas emissões provêm largamente de energia.

No caso do Brasil, a Oferta Interna de Energia — que reflete a produção total de energia de um país, somada às importações e subtraídas as exportações e perdas, não se limitando à energia elétrica —  em 2022 contou com 47,4% de participação de renováveis. Quanto à oferta interna de energia elétrica, esse patamar é de 87,9% de participação de fontes renováveis na matriz energética.

De acordo com a Aneel, atualmente as maiores fontes renováveis que compõem a matriz de energia elétrica centralizada são: hídrica, com 53,88%; eólica, com 15,22%; e biomassa, representando 8,31%. Já das fontes não renováveis, as mais significativas são: gás natural, com 8,78%; petróleo, representando 3,92%; e carvão mineral, equivalente a 1,7%.

Assim, quanto se fala em carros elétricos, é importante saber que a matriz brasileira é relativamente limpa. Com isso, a eletricidade que impulsionará esses carros provavelmente virá de fontes renováveis — variando a parcela a depender do ano.

Fomento ao etanol e pressão ambiental

Isso deve ser contrastado com os carros brasileiros à combustão, que apesar de potencialmente usarem biocombustível (etanol), carregam o ônus da geração de carbono da agricultura para as emissões brasileiras.

Com efeito, ao se fomentar esses biocombustíveis, pode haver uma pressão ainda maior na conversão de áreas florestadas para plantações de cana-de-açúcar, afetando exatamente o ponto mais sensível da produção de carbono brasileira: o use e a ocupação do solo.

Diante de todos esses pontos, faz-se evidente que a figura do Imposto Seletivo pode desempenhar um papel crucial na indução de comportamentos sustentáveis, especialmente no contexto da crise climática.

No entanto, é preciso considerar as várias facetas desse instrumento, garantindo que ele seja implementado de forma a promover objetivos comuns da sociedade, como a redução das emissões de carbono.

A inclusão dos carros elétricos no escopo desse imposto deve ser tecnicamente embasada, justificando a sua escolha diante do perfil de emissões do Brasil e a natureza relativamente limpa da matriz energética nacional.

Autores

  • é doutora pela USP em Direito Econômico e Financeiro (subárea ambiental), diretora de políticas públicas e engajamento da Laclima e cofundadora da Rede Amazônidas pelo Clima.

  • é advogado, especialista em Direito Tributário, com experiência em tributos indiretos, MBA em Gerenciamento Estratégico de Projetos e sócio da Laclaw Technology Consultoria Empresarial.

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