Jornais promovem eventos que condenam quando outros o fazem
22 de setembro de 2024, 12h17
Entre os dias 28 e 30 de outubro, Londres receberá o Lide Brazil Conference, que reunirá líderes políticos, empresariais e investidores para debater questões que moldam o futuro do Brasil e sua relação com o cenário global: desenvolvimento sustentável, inovação financeira, agronegócio, transição energética e novas oportunidades de investimento no Brasil e no Reino Unido.
O parágrafo acima faz parte do material de divulgação de evento promovido pela Folha de S.Paulo.

Jornais promovem os mesmos eventos que criticam quando outros o fazem
Assim como a Folha e UOL, seminários semelhantes estão sendo promovidos pelos jornais Valor, Estadão e O Globo. O modelo é o mesmo. Alguém organiza o evento, busca patrocínios e convida nomes lustrosos. Normal. Integra o catálogo de serviços de empresas de comunicação.
O que expõe os jornais é que quando eventos como esses não são promovidos por eles, viram alvo de graves acusações. Tráfico de influência, improbidade e outras suposições criminosas como essas. A diferença, talvez, seja o fato de personalidades do Judiciário estarem, ou não, nos eventos.
Na dicção de Otavio Frias de Oliveira, um gênio empresarial da comunicação que o Brasil perdeu, em vez de perseguir as coisas erradas do país, a imprensa desperdiça tempo acossando a difusão do conhecimento, escolas e eventos acadêmicos. Evidente paradoxo para um país que tem na deficiência da cultura e ensino sua maior vulnerabilidade.
Faça o que eu falo, não o que faço
Assim: Neymar pode faturar milhões mostrando como chutar uma bola. Tiririca pode ficar rico falando bobagens. Diretores de jornais podem ganhar um bom dinheiro em palestras ou eventos como o que a Folha promove em Londres. O jornal, aliás, já montou dois empreendimentos com essa finalidade. Um é o Folha Seminários, outro é o Casa Folha (uma cópia do projeto americano “MasterClass”).
Dois pesos e duas medidas. Um juiz que ralou a vida inteira, ou madrugadas em claro estudando e gastou o que tinha para saber o que sabe, não pode receber alguma paga para transmitir seu conhecimento e sua sabedoria a quem precisa dela, em eventos acadêmicos.
A suposição de que o juiz favorecerá quem patrocina um evento de uma empresa de comunicação é apenas cômica. Como se um juiz que decide causa que envolve bilhões fosse vender sua decisão em troca de uma agem de avião ou uma diária de hotel. Fala-se em patrocinadores de seminários com causas nos tribunais — o que acontece com todas as empresas de comunicação. Tanto em suas páginas como em audiências nos tribunais, esses formadores de opinião defendem ardorosamente suas pautas empresariais.
Agendas paralelas
O pano de fundo dos ataques a eventos de que juízes participam, contudo, nada tem a ver com pretensas suspeitas sobre a honestidade desses protagonistas.
Trata-se apenas da reprodução do modelo que deu cria ao esquema apelidado “lavajato”, quando se tornou imperativo emparedar o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, para que o Chacrinha pudesse jogar bacalhau para o auditório.
Em vez de pedir desculpas por ter enganado seus leitores, a imprensa pede revanche. Por interesse inconfessáveis, claro. Quer voltar ao poder junto com os titeriteiros que manipularam a opinião pública com a ilusão de uma falsa luta do bem contra o mal.
É por isso que Neymar pode faturar com seus chutes; Tiririca com suas piadas; mas um juiz não pode receber por uma palestra — o que é claramente permitido legalmente.
Os eventos promovidos por O Globo, Folha, Estadão e Valor não devem ser vaiados. Os respectivos diretores de redação devem ser remunerados por compartilhar seus vastos conhecimentos nesses eventos. Mas proibir quem sabe mais que eles de fazer o mesmo é contraditório.
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