Por mais eficiência, lei da Espanha cria conceito de ‘abuso da Justiça'
1 de abril de 2025, 10h49
A tentativa de resolução de conflito por meio de acordo ou a ser um requisito para o ajuizamento de demandas no Judiciário da Espanha. A medida foi criada para evitar o abuso do sistema de Justiça, e os casos exemplificados como abusivos são aqueles em que a solução por meio de mediação for “factível e evidente”. Caso o abuso seja constatado, o autor da ação pode ser multado e obrigado arcar com o custo do processo.

Espanha editou norma para tentar conter o aumento da litigância
Essa noção de “abuso do serviço público de Justiça” foi implementada pela Lei Orgânica 1/2025, publicada no Boletim Oficial do Estado da Espanha em janeiro. O texto de 272 páginas altera trechos de uma série de leis, incluindo a que regula do Judiciário (Lei Orgânica 6/1985), para combater o “aumento exponencial da litigância” e aumentar a eficiência dos tribunais.
No Brasil, ainda não houve consenso sobre o tema. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais firmou tese no final do ano ado obrigando que autores de ações consumeristas comprovassem tentativa de resolução prévia antes da ação. Há entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.660.916) e do Supremo Tribunal Federal (RE 321.240), no entanto, que vão no sentido contrário.
O preâmbulo da nova legislação espanhola explica que o novo conceito foi criado para complementar as noções de temeridade, abuso de direito e má-fé processual. Esse abuso, diz o texto, é uma “atitude inteiramente incompatível com a sustentabilidade” do sistema de Justiça.
“Trata-se de promover a negociação entre as partes, seja diretamente ou por meio de um terceiro neutro, partindo da premissa de que esses métodos reduzem os conflitos sociais, evitam a sobrecarga dos tribunais e podem ser igualmente adequados para resolver a grande maioria das disputas em questões civis e comerciais”, diz o texto.
Na prática, quem quiser entrar com ação cível terá de anexar nas petições iniciais um documento que comprove que sua tentativa de resolver o problema por meio de negociação falhou. Da mesma forma, demandas relacionadas a instituições financeiras deverão ser precedidas por reclamações ao Banco da Espanha, à Comissão Nacional do Mercado de Valores ou à Direção Geral de Seguros e Fundos de Pensões.
Alguns tipos de demanda ficaram de fora da exigência. Entre elas estão os processos de tutela judicial civil de direitos fundamentais; de adoção de medidas de apoio a pessoas com deficiência; de filiação, paternidade e maternidade; e alguns procedimentos de proteção à criança. Procedimentos de jurisdição voluntária, solicitações de medidas cautelares e proposição de ações de execução também não exigem tentativa de conciliação prévia. Matérias que já têm regras de incentivo à mediação, como trabalhista e falência, ficaram de fora da norma.
Organização do Judiciário
A Lei Orgânica 1/2025 também modificou a estrutura do Judiciário espanhol. O país ou a adotar um sistema de tribunais colegiados de primeiro grau ligados a um Tribunal Central de Primeira Instância. E substituiu seus Juizados de Paz por corregedorias municipais de Justiça, ampliando a quantidade de serviços.
“Esse modelo de organização judicial baseado no tribunal tradicional de juiz único, que já estava presente no século XIX, respondia às necessidades de uma sociedade que, na época, poderia ser descrita como essencialmente agrária, dispersa, pouco conectada e com severas limitações de mobilidade — muito distante da sociedade espanhola atual”, diz a nova norma.
“A resposta às necessidades decorrentes do aumento da litigância e da consequente sobrecarga dos tribunais sempre foi a criação de novos órgãos judiciais e medidas de reforço. Entretanto, esses aumentos de pessoal e recursos materiais não produziram os resultados esperados, pelo menos não na proporção dos investimentos feitos.”
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