Opinião

Polêmicas da cassação de aposentadoria

Autor

  • é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

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2 de abril de 2025, 7h02

Tema interessante no âmbito do processo istrativo disciplinar é sobre a possibilidade ou não da cassação de aposentadoria do servidor celetista e do servidor estatutário. Este último tem divergência na jurisprudência. O tema da divergência jurisprudencial é muitíssimo bem abordado por Fábio Lucas de Albuquerque Lima em texto nesta revista eletrônica Consultor Jurídico [1].

Alguns temas precisam ser abordados antes de chegarmos à conclusão:

1) Ato jurídico perfeito entre pessoa distinta do PAD (INSS e servidor celetista) e ato jurídico perfeito entre as mesmas pessoas (ente político e servidor estatutário);

2) Hibridismo de regras estatutárias/celetistas comum nos casos de servidores celetistas;

3) Princípio federativo (já que o INSS é uma autarquia federal e os celetistas são, em sua maioria, servidores estaduais e municipais);

4) Proporcionalidade da pena e vedação de penas perpétuas;

5) Pessoalidade das penas;

6) Enriquecimento sem causa do INSS ou da instituição de previdência própria que recebe contribuições por décadas sem a contrapartida estabelecida anteriormente;

7) Isonomia entre servidores da ativa e inativos; estatutários e celetistas.

Ato jurídico perfeito

Quanto ao servidor celetista pensamos que a vedação de cassação de aposentadoria como pena decorrente de processo istrativo disciplinar é juridicamente inviável. Ainda que tenha previsão expressa na lei do ente político.

O celetista tem duas relações jurídicas distintas: uma com o ente político e outra com o INSS. Não é possível que a previsão de pena de cassação de aposentadoria possa imiscuir-se em ato jurídico perfeito firmado com um terceiro (INSS).

No caso do servidor estatutário não há óbice pois o ato jurídico perfeito será afetado pelas mesmas partes que deram origem ao referido ato. Havendo previsão na lei que regula as relações entre servidor e ente político pode haver, sob a ótica do ato jurídico perfeito, a viabilidade da cassação da aposentadoria.

Hibridismo

O STF ite a existência de regime jurídico híbrido com regras celetistas mescladas de regras de cunho istrativo. A decisão mencionada é o Tema 1.143 do c. STF. Assim: “A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza istrativa”.

Desta forma, ainda que o foco do tema mencionado seja a competência jurisdicional, há, implicitamente, issão de regras celetistas mescladas com regras de natureza istrativa. Logo, é juridicamente viável o regime híbrido. No mesmo sentido foi a decisão na ADI 2.135 sobre a Emenda Constitucional 19/1998.

A issão pelo STF do hibridismo não significa que a mera previsão da pena de cassação de aposentadoria em lei do ente político seja o suficiente para que ela tenha viabilidade jurídica. O princípio federativo deve ser observado sem a invasão de competências legislativas.

Princípio federativo

Por outro lado, para que pudesse um município ou um estado desfazer um ato jurídico perfeito deveria haver expressa previsão em lei federal. Referida lei federal, caso existisse, teria natureza jurídica dúplice: norma celetista e previdenciária. Assim, a hipotética lei deveria prever, expressamente, a possibilidade de cassação de aposentadoria caso uma outra lei do ente político celetista disponha no mesmo sentido.

O princípio federativo obriga a lei federal e, também, a lei do ente político celetista.

Assim, seria viável a cassação de aposentadoria, mesmo para os servidores celetistas.

Proporcionalidade

O tema da vedação de penas perpétuas também deve ser enfrentado na medida em que a cassação de aposentadoria configura pena perpétua e mais gravosa do que a demissão do servidor. O demitido pode obter outra atividade laborativa enquanto que aquele que teve a aposentadoria cassada não terá, na maioria dos casos, possibilidades reais de novo labor diante da óbvia idade avançada.

Spacca

Tema ainda não enfrentado pela doutrina e jurisprudência de maneira exaustiva é que a cassação de aposentadoria se afigura como verdadeira pena de morte laboral.

A imposição de pena de cassação de aposentadoria num momento em que as aposentadorias são obtidas cada vez mais tarde transforma-a em verdadeira vingança pública pois não há a menor esperança de recuperação nem de função pedagógica da pena. Data venia, o combate à impunidade não justifica sepultar direitos individuais.

Tema interessante decorre dos beneficiários de pensões e demais beneficiários indiretos do segurado do INSS/Previdência própria que não podem sofrer a sanção imposta ao segurado principal sob pena de ofensa à regra constitucional do artigo 5º, XLV da Carta Federal.

Pessoalidade da pena e enriquecimento sem causa

Se houver a lei federal mencionada acima, autorizando a cassação de aposentadoria não é possível que tenha efeitos além daquele que teve a cassação da aposentadoria.

Nessa hipótese, a única forma de compatibilizar a hipotética lei federal é a aplicação da indignidade prevista no artigo 1.816 do Código Civil considerando o segurado que perdeu essa condição como “se morto fosse” na data da cassação da aposentadoria.

Seria uma forma de compatibilizar a cassação prevista expressamente na lei federal (e na lei do ente politico celetista) sem afetar aqueles que não cometeram nenhum ilícito.  Também é a forma encontrada para evitar o enriquecimento sem causa do INSS/instituição própria de previdência que recebeu contribuições e não ofereceria contrapartida alguma. Outra forma é a possibilidade de transferir o tempo de contribuição de uma instituição de previdência para outra. Destas duas formas o enriquecimento sem causa poderia ser evitado.

Isonomia servidores ativos e inativos, estatutários e celetistas

Em nosso modesto entendimento, a diferenciação entre ativos e inativos por expressa previsão legal é possível, desde que haja um motivo juridicamente relevante, conforme lição de Celso Antonio Bandeira de Mello [2]. A pena de cassação de aposentadoria é uma pena mais grave do que a demissão do servidor conforme mencionamos acima. A única forma de compatibilizá-la com a isonomia é com a possibilidade de utilização do tempo de contribuição junto à entidade própria de previdência para fins de aposentadoria do RGPS do INSS. O inverso também teria que ser possível na hipotética lei federal supra referida.

A diferenciação entre estatutários e celetistas somente tem relevância no aspecto do ato jurídico perfeito do celetista que tem um seguro social com terceiro ente. No caso do estatutário com regime próprio de previdência é perfeitamente possível, havendo previsão legal, a cassação de aposentadoria inobstante a polêmica sobre seu cabimento no âmbito da jurisprudência.

Súmula 592 do STJ

Prevê a mencionada súmula:

“O excesso de prazo para a conclusão do processo istrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa”

Tema pouco abordado pela doutrina e pela jurisprudência é o da abertura de processo istrativo disciplinar enquanto o servidor está na ativa e posterior aplicação da pena de cassação de aposentadoria.

Se houver excesso de prazo não será possível a imposição de pena de cassação de aposentadoria como substituta da demissão, pois a demora ocasionou prejuízo pois, como já dissemos, a cassação de aposentadoria é pena mais acentuada do que a demissão diante de sua natureza de pena de morte laboral. Nesse sentido nossa opinião é muito semelhante à da eminente professora Maria Sylvia Zanella de Pietro [3].

Conclusão

A cassação de aposentadoria do celetista necessita de lei federal que a autorize e lei do ente político celetista prevendo-a como punição e não pode atingir terceiros alheios ao processo disciplinar sob pena de ofensa à pessoalidade da pena. O cabimento da cassação de aposentadoria do servidor estatutário é objeto de  divergência jurisprudencial [4] mas na hipótese de entender-se pelo cabimento deve ser observada, também, a pessoalidade da pena.

O caráter de pena de morte laboral da cassação da aposentadoria, respeitadas as opiniões divergentes, macula a pena de inconstitucionalidade tanto no âmbito celetista como no âmbito estatutário.

 


[1] /2023-fev-27/albuquerque-lima-cassacao-aposentadoria-servidor-federal/

[2]Conteúdo jurídico do princípio da igualdade”, Ed. Malheiros, 3ª Edição, 2017.

[3] /2015-abr-16/interesse-publico-cassacao-aposentadoria-incompativel-regime-previdenciario-servidores/

[4]

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro Inovações da Lei de Licitações e Polêmicas Licitatórias (Ed. Dialética) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm).

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