CONTROLE DA VIOLÊNCIA ESTATAL

STF homologa plano do RJ para reduzir letalidade policial e ordena retomada de territórios

 

3 de abril de 2025, 18h32

O Plenário do Supremo Tribunal Federal homologou parcialmente nesta quinta-feira (3/4) o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo estado do Rio de Janeiro no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635.

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A corte determinou a adoção de medidas para a sua complementação, entre elas a elaboração de um plano para a recuperação territorial de áreas ocupadas por organizações criminosas e a instauração de um inquérito, pela Polícia Federal, para apurar indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional.

O julgamento da chamada ADPF das Favelas começou em fevereiro deste ano e foi suspenso após o voto do ministro Edson Fachin, relator do caso, atendendo a uma ponderação do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que, em razão da profundidade e da complexidade da questão, o colegiado buscasse a construção de consensos sobre os diversos pontos apresentados.

Posição do relator

Na sessão desta quinta, Fachin apresentou um voto conjunto com o objetivo de refletir a posição consensual ou, em alguns casos, majoritária do colegiado. O voto proferido inicialmente, explicou ele, foi o ponto de partida para um “profícuo diálogo” estabelecido entre os integrantes do tribunal, visando à identificação de pontos de consenso e aprimoramento dos diversos aspectos apresentados. De acordo com o relator, as alterações promovidas demonstram a preocupação do STF com a situação da segurança pública e das condições de trabalho das forças policiais no estado do Rio de Janeiro.

Fachin salientou que a solução consensual aponta um caminho seguro para o encerramento da ação e reflete, entre outros pontos, a maior autonomia que deve ser dada ao governo estadual pelo significativo compromisso demonstrado para cumprir as determinações do STF. O voto reconhece a natureza estrutural do litígio, a parcial omissão do Estado e a violação de direitos fundamentais e de direitos humanos por parte das organizações criminosas que ocupam territórios e cerceiam direitos de locomoção da população e das forças de segurança.

O relator observou que, embora a política de redução da letalidade ainda esteja longe do ideal constitucional, o STF entende que, desde o início da tramitação da ação, há mais de cinco anos, o estado do Rio de Janeiro demonstrou compromisso significativo com a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Nesse sentido, ele destacou a instalação de câmeras nos uniformes policiais, a instituição de um protocolo de comunicação das operações e as notificações ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sobre elas, possibilitando seu acompanhamento.

Reocupação de territórios

Segundo a decisão, o estado do Rio de Janeiro e os municípios interessados devem elaborar um plano para a reocupação de áreas que estão atualmente sob domínio de organizações criminosas. O objetivo é viabilizar a presença permanente do poder público por meio da instalação de equipamentos públicos, de políticas voltadas à juventude e da qualificação de serviços básicos para essas regiões.

O tribunal também determinou que a Polícia Federal abra inquérito para apurar indícios concretos de crimes com repercussão interestadual e internacional, que exigem repressão uniforme, e de violações de direitos humanos decorrentes da ocupação de comunidades por organizações criminosas. De acordo com Fachin, a PF poderá atuar em conjunto com as forças de segurança estaduais para identificar as organizações criminosas em atuação no estado, suas lideranças e seu modo de operação, sobretudo em movimentações financeiras.

Outra determinação é para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal e a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro deem a máxima prioridade para atendimento das diligências relativas a inquéritos policiais abertos para essas investigações.

O colegiado determinou que a Polícia Federal instaure imediatamente um inquérito com equipe de dedicação exclusiva e atuação permanente voltada para a produção de inteligência e a condução de investigações sobre a atuação dos principais grupos criminosos violentos em atividade no estado e suas conexões com agentes públicos. As investigações devem dar ênfase à repressão às milícias e aos crimes de tráfico de armas, munições e órios, de drogas e lavagem de capitais, sem prejuízo da atuação dos órgãos estaduais em suas atribuições.

Mortes por intervenção policial

O STF determinou que, quando houver mortes de civis ou de agentes de segurança pública em decorrência de intervenção policial, o Ministério Público estadual deverá ser imediatamente comunicado para que, se entender cabível, determine o comparecimento de um promotor de Justiça ao local dos fatos.

Em relação à instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas fardas dos agentes de segurança, foi reconhecido que o governo estadual já tomou diversas providências nesse sentido — o prazo para a comprovação da implantação das câmeras nas viaturas da Polícia Militar e da Polícia Civil foi ampliado de 120 para 180 dias. No caso da Polícia Civil, os agentes utilizarão as câmeras nas fardas apenas nas atividades de patrulhamento e policiamento ostensivo e em operações policiais planejadas.

Quanto ao uso da força em operações policiais, o colegiado entendeu que devem ser observados os parâmetros previstos na Lei 13.060/2014 e em sua regulamentação, que trata do uso de instrumentos de menor potencial ofensivo. Dessa forma, caberia às próprias forças de segurança avaliar e definir o grau de força adequado a cada contexto, observando a proporcionalidade das ações e, preferencialmente, com planejamento prévio das operações. Será possível justificar operações de emergência posteriormente, mas os órgãos de controle e o Poder Judiciário avaliarão as justificativas.

Além disso, foi dado prazo de 180 dias para que o governo estadual crie um programa de assistência à saúde mental dos profissionais de segurança pública. O atendimento psicossocial deverá ser obrigatório sempre que houver envolvimento em incidente crítico. A regulamentação também deverá prever a aferição da letalidade excessiva na atuação funcional, estabelecendo parâmetros a partir dos quais o profissional da área de saúde mental avaliará a necessidade de afastamento preventivo das atividades de policiamento ostensivo. Nesse caso, o retorno às atividades ficará a critério da corporação.

Grupo de trabalho

A corte também determinou a criação de um grupo de trabalho para acompanhar o cumprimento da sua decisão e, em conjunto com o governo estadual, apoiar sua implementação. O comitê será coordenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, que definirá sua composição observando as diretrizes estabelecidas na decisão.

Em conjunto com as Corregedorias dos Ministérios Públicos locais, o CNMP ará a publicar relatórios semestrais de transparência com informações sobre o controle externo da atividade policial, com dados objetivos de atuação e resultados, discriminando as unidades responsáveis.

Violação de direitos

A ação julgada pelo Supremo foi apresentada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que alegou violação massiva de direitos fundamentais no estado, em razão da omissão estrutural do poder público em relação ao problema.

Para o partido, há um quadro de grave violação generalizada de direitos humanos em razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Favela Nova Brasília. A decisão reconheceu omissão relevante e demora do estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para a redução da letalidade policial. Sentenças da Corte IDH são vinculantes para o Estado brasileiro, ou seja, representam uma obrigação. Com informações da assessoria de imprensa do STF.

Clique aqui para ler a decisão
ADPF 635

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