Opinião

O que pode ocorrer com o imóvel locado para uma empresa em recuperação judicial

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  • é advogada graduada em Direito e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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4 de abril de 2025, 18h17

Dependendo da atuação da empresa em recuperação judicial, o imóvel em que exerce a sua operação pode ser declarado essencial para a manutenção da sua atividade empresarial pelo juízo recuperacional, mesmo que o bem não seja de propriedade da recuperanda.

O proprietário de imóvel locado à sociedade recuperanda, portanto, não poderá, em razão de aluguéis inadimplidos antes da distribuição da recuperação judicial da devedora, tentar a retomada do imóvel.

Entretanto, a proteção garantida ao devedor, em virtude da declaração da essencialidade do bem, pode se limitar aos créditos do locador sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, de modo que, em caso de novo inadimplemento do aluguel — ou seja, falta de pagamento do aluguel após a distribuição do procedimento recuperacional —, o proprietário poderá requerer a retomada da posse direta do imóvel, diante do inadimplemento. Tal requerimento pode ser realizado por meio de notificação extrajudicial nos termos do contrato de aluguel ou, na hipótese de descumprimento do contrato, por ação de despejo [1].

A retomada do imóvel, entretanto, não é certa, já que parte da jurisprudência do país entende que o direito de propriedade (previsto na Lei nº 8.245/91) se sobrepõe ao direto da recuperanda de soerguimento (previsto na Lei nº 11.101/2005), [2] [3] e a outra parte entende o oposto [4].

Inclusive, a ação de despejo movida pelo locador para requerer a retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação não se submete à competência do Juízo recuperacional, já que o referido Juízo deve decidir apenas questões relacionadas a bens de titularidade da recuperanda. Isso é, a ação de despejo não deve ser distribuída perante o Juízo da recuperação, mas sim perante o Juízo pertinente ao contrato de locação [5] [6].

Ação de despejo

Dessa forma, em relação às providências que podem ser tomadas pelo proprietário do imóvel, cabe destacar que, em caso de descumprimento do contrato de locação, poderá ajuizar ação de despejo por falta de pagamento — com ou sem pedido liminar — nos termos do artigo 9º, inciso III, da Lei 8.245/91[7], a qual pode ser cumulada com a cobrança dos aluguéis não sujeitos aos efeitos da recuperação judicial da Locadora, de acordo com o artigo 62 da Lei 8.245/91 [8].

Spacca

Ainda, caso pretenda conferir celeridade ao processo, na hipótese de não haver garantia prevista no contrato de locação (fiança), poderá ajuizar ação de despejo por falta de pagamento com pedido liminar de desocupação do imóvel, nos termos do artigo 59, § 1º, inciso IX da Lei 8.245/91 [9].

Já em relação às providências que podem ser tomadas pelo locatário em recuperação judicial, considerando o entendimento no sentido de que o direito de soerguimento da recuperanda, de acordo com o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, se sobrepõe ao direito de propriedade [10], poderá demonstrar a essencialidade do bem nos autos da recuperação judicial, requerer a sua declaração de essencialidade e a suspensão a ação de despejo.

Equilíbrio em contrato de locação

Além disso, mesmo que o imóvel tenha sido declarado essencial no âmbito da recuperação judicial e a devedora permaneça pagando os aluguéis posteriores ao ajuizamento do procedimento recuperacional, o proprietário tem o direito de requerer a revisão do contrato de locação para adequar suas condições às circunstâncias do mercado [11]. Já a recuperanda tem o direito de requerer, por determinado tempo, que seja fixado aluguel provisório a fim de permitir o seu soerguimento [12].

Dessa maneira, é possível concluir que é indispensável conferir equilíbrio ao contrato de locação celebrado com uma empresa em recuperação judicial, eis que a empresa que enfrente dificuldade econômico-financeira momentânea deve ter a oportunidade de se soerguer para preservar a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores. Porém, tal proteção não pode ser ilimitada e ultraar, por exemplo, todos os direitos do proprietário de imóvel locado à recuperanda.

 


[1] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – Locação de bem imóvel para fins comerciais – Ação de despejo por falta de pagamento – Apelação – (…) – Pretensão de suspensão do despejo diante da prorrogação do stay period – Inissibilidade – Ré que reconhece a existência de créditos locatícios extraconcursais, vencidos desde novembro de 2023, os quais não se submetem aos efeitos da recuperação judicial – Mora não purgada – Despejo decretado, com fundamento no art. 9º, inc. III, da Lei 8.245/91 – Embargos de declaração rejeitados.  (TJSP; Embargos de Declaração Cível 1029029-69.2023.8.26.0003; Relator (a): Michel Chakur Farah; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/09/2024; Data de Registro: 19/09/2024

[2] APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. Versa a hipótese ação de despejo por falta de pagamento. Alegação recursal de que a alta desproporcional do IGP-M tornou impagável o aluguel e que aguarda o deferimento da recuperação judicial para solver os débitos locatícios. No caso vertente, o apelante se manteve inadimplente (…) Inteligência do art. 23 c/c art. 9º, III da Lei 8.245/91. Outrossim, o fato da empresa locatária estar em recuperação judicial ou extrajudicial não configura óbice à ação despejo, havendo prevalência do direito à propriedade sobre o princípio da preservação da empresa, não existindo chancela legal para que a recuperanda se utilize de imóvel, sem a devida contraprestação. Precedente desta E. Corte. Sentença mantida. Desprovimento do recurso. (TJRJ, 0157512-09.2021.8.19.0001 – APELAÇÃO. Des(a). MARIA INÊS DA PENHA GASPAR – Julgamento: 17/07/2024 – DECIMA QUINTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 20ª CÂMARA CÍVEL)

[3] (TJRJ, 0805134-09.2024.8.19.0202 – APELAÇÃO. Des(a). GABRIEL DE OLIVEIRA ZEFIRO – Julgamento: 05/09/2024 – VIGESIMA PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 19ª CÂMARA CÍVEL)

[4] DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DE AÇÕES DE DESPEJO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto por Brasc. Shopping Centers S.A. e outros contra decisão que, nos autos de recuperação judicial de Canroo Comércio de Artefatos de Couro Ltda. e Multi-Side – Comércio de Artefatos de Couro Ltda., suspendeu medidas executivas de despejo de imóveis essenciais às atividades empresariais das recuperandas. 2. A jurisprudência do STJ estabelece que, embora o juízo recuperacional não tenha competência para julgar ações de despejo, compete a ele deliberar sobre a essencialidade dos bens para o sucesso do processo de recuperação. 3. Os imóveis locados são essenciais para a continuidade das atividades empresariais das recuperandas, sendo a principal fonte de receita, o que justifica a suspensão das ações de despejo durante o stay period. 4. R. Decisão que deve ser mantida em sua integralidade. Recurso não provido. Legislação relevante citada: Lei nº 11.101/2005, arts. 6º, 47, 49, § 3º, 52, III, 59. Jurisprudência citada: STJ, AgInt no REsp nº 1.784.027/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 06/06/2022. TJSP, Agravo de Instrumento 2229975-49.2023.8.26.0000, Rel. Maurício Pessoa, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 06/02/2024. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 23296383420248260000 São Paulo, Relator: Alexandre Lazzarini, Data de Julgamento: 21/01/2025, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 21/01/2025)

[5] CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – CONTRATO DE LOCAÇÃO – EMPRESA LOCATÁRIA SUBMETIDA AO REGIME DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – NÃO SUBMISSÃO AO JUÍZO UNIVERSAL DA RECUPERAÇÃO – ESCÓLIO JURISPRUDENCIAL DA SEGUNDA SEÇÃO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. Hipótese: consiste na declaração de competência para processar e julgar ação de despejo c/c cobrança de aluguéis formulada contra sociedade empresária em regime de recuperação judicial. 1. O Superior Tribunal de Justiça é competente para o conhecimento e processamento do presente conflito negativo de competência, pois apresenta controvérsia acerca da competência entre juízos vinculados a Tribunais diversos, nos termos do que dispõe o artigo 105, I, “d”, da Constituição Federal. 2. A jurisprudência da Segunda Seção caminha no sentido de que a ação de despejo movida pelo proprietário locador contra sociedade empresária em regime de recuperação judicial não se submete à competência do juízo universal da recuperação. Precedentes. 3. Conflito negativo conhecido para declarar a competência do r. juízo suscitado. (CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 170.421 – PR (2020/0011826-0), Min. Rel. Marco Buzzi, j. 09.09.2020 – g.n.)

[6] STJ – AgInt nos EDcl no REsp: 1925508 RJ 2021/0062712-6, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 06/03/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/03/2023

[7] Art. 9º A locação também poderá ser desfeita: III – em decorrência da falta de pagamento do aluguel e demais encargos.

[8] Art. 62.  Nas ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e órios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos órios da locação, observar-se-á o seguinte:

I – o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e órios da locação; nesta hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito.

[9] Art. 59. Com as modificações constantes deste capítulo, as ações de despejo terão o rito ordinário.

§ 1º Conceder – se – á liminar para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo:

IX – a falta de pagamento de aluguel e órios da locação no vencimento, estando o contrato desprovido de qualquer das garantias previstas no art. 37, por não ter sido contratada ou em caso de extinção ou pedido de exoneração dela, independentemente de motivo.

Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: I – caução; II – fiança; III – seguro de fiança locatícia; IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.

[10] AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS. FALTA DE PAGAMENTO. DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DAS ORDENS DE DESPEJO PELO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO REFORMADA (…). II O Juízo de Recuperação Judicial da Agravante Recuperanda determinou a suspensão das ordens de despejo considerando que “a persistência da execução da ordem de despejo coloca em risco a própria sobrevivência das recuperandas, inviabilizando a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a manutenção da fonte produtora, o empreso dos trabalhadores, os interesses dos credores, a preservação da empresa, sua função social, e o estímulo à atividade econômica, entendendo por se mitigar o direito de propriedade em prol do interesse público na preservação da empresa”. III – Tendo em vista que a decisão agravada foi proferida na contramão do que restou determinado pelo Juízo da Recuperação Judicial, e verificado que ainda está vigente o prazo do stay period, mister reformar a decisão recorrida, para suspender a ordem de despejo. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. (TJ-GO – AI: 53929582720218090051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: (S/R))

[11]AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL. TUTELA DE URGÊNCIA. FIXAÇÃO DE ALUGUEL PROVISÓRIO. ALEGAÇÃO DE VALOR SUPERIOR AO PRATICADO NO MERCADO. AUSÊNCIA DE PROVA CONVINCENTE. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DILAÇÃO PROVISÓRIA. MEDIDA NECESSÁRIA. – A concessão da tutela de urgência exige a presença da probabilidade evidente do direito reclamado (fumus boni iuris) e/ou do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil – A fixação de aluguel provisório, nos termos do art. 68 da Lei 8.245/91, exige que as partes apresentem elementos que permitam ao magistrado aferir o valor justo do aluguel – A existência de pareceres técnicos produzidos unilateralmente pelas partes, com métodos e valores conflitantes, não podem ser considerados aptos a fornecer elementos idôneos para justificar a perda do valor mercadológico, e, dessa forma, conferir lastro para reduzir o valor do aluguel contratado – A recuperação judicial, por si só, não tem o condão de implicar na revisão liminar do contrato celebrado. (Des. Rui de Almeida Magalhães) (V.v.) Nos termos do artigo 68, inciso II, aliena b, da Lei 8.245/91, “o juiz, se houver pedido e com base nos elementos fornecidos tanto pelo locador como pelo locatário, ou nos que indicar, fixará aluguel provisório, que será devido desde a citação, nos seguintes moldes: […] em ação proposta pelo locatário, o aluguel provisório não poderá ser inferior a 80% (oitenta por cento) do aluguel vigente”. Considerando a existência de indícios de que o valor do aluguel está acima da média do mercado, revela-se prudente a fixação de alugueres provisórios. (Des. Marcelo Pereira da Silva) (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 1013038-25.2023.8.13.0000, Relator: Des.(a) Rui de Almeida Magalhães, Data de Julgamento: 06/03/2024, 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 18/03/2024)

[12] AGRAVO DE INSTRUMENTO E AGRAVO INTERNO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE LOCAÇÃO COMERCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA. Interposição contra decisão que indeferiu o pedido liminar para suspender a obrigação de pagamento da locação em 50%, pelo prazo de 120 dias. Requisitos do art. 300 do C preenchidos. Risco ao resultado útil do processo que visa à revisão do contrato e perigo de dano diante do ajuizamento da ação de despejo. Empresa já em recuperação judicial, com situação agravada pela pandemia. Possibilidade de redução temporária do locativo a fim de minimizar os efeitos da crise causada pela Covid-19, mormente porque já ado quase um ano do início da pandemia, que ainda não se findou. Pagamento parcial temporário do locativo que é medida de rigor adotada pela Corte. Período de 120 dias que, aliás, já se escoou, cabendo à locatária o pagamento da diferença em momento oportuno. Agravo interno prejudicado. Decisão reformada. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, COM OBSERVAÇÃO E PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO. (TJ-SP – AGT: 20831963320208260000 SP 2083196-33.2020.8.26.0000, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 01/03/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/02/2021)

Autores

  • é advogada, graduada em Direito e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduada em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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