Confronto de Donald Trump com o Judiciário chega à Suprema Corte
6 de abril de 2025, 8h25
Derrotado em primeira e segunda instância na justiça federal, no caso de uma liminar que proibiu a deportação de venezuelanos para El Salvador — sem o devido processo e com base em uma lei cuja aplicação no caso é “suspeita”, — o governo Trump pediu à Suprema Corte dos EUA para responder à seguinte questão:

Confronto de Trump com os tribunais dos EUA escala e chega à Suprema Corte
“Quem decide como conduzir operações sensíveis de segurança nacional, o presidente ou o Judiciário? A Constituição oferece uma resposta clara: o presidente. A República não pode se dar ao luxo de fazer outra escolha”.
Mais do que “quem é que manda aqui”, no entanto, a Suprema Corte terá de analisar duas questões complexas, que envolvem o caso dos mais de 200 venezuelanos que, segundo o governo, são membros da gangue Tren de Aragua, designada como organização terrorista.
Uma delas é se o presidente pode ignorar o direito constitucional dos cidadãos ao devido processo legal, quando justifica deportações com base na Alien Enemies Act (Lei dos Estrangeiros Inimigos).
A outra é se o presidente pode, realmente, aplicar tal lei, que lhe dá autoridade para decretar a deportação sumária de “inimigos” em tempos de guerra (apenas), sendo que o país não está em guerra.
Carta Magna
Os registros indicam que a frase “due process of law” (devido processo legal) surgiu em 1215, quando a Carta Magna da Inglaterra estabeleceu o princípio de que o governo não está acima da lei. Os Estados Unidos a copiaram e a consagraram em duas emendas da Constituição, a 5ª e a 14ª.
As duas emendas estabelecem que “ninguém pode ser privado da vida, da liberdade ou de propriedade sem o devido processo legal de todos os humanos”. A 5ª Emenda também protege o cidadão contra a autoincriminação, a dupla punição etc. A 14ª Emenda também traz as cláusulas da cidadania, proteção igual perante a lei etc.
Há discussões quando se compara questões de segurança nacional com direitos constitucionais do cidadão, como o do devido processo, da liberdade de expressão etc. Mas um ponto fundamental é o de que os constituintes atribuíram ao judiciário o poder de decidir o que prevalece, em caso de dúvida — não ao governo.
Historicamente, a Suprema Corte tem decidido que, “mesmo quando a lei autoriza o governo a deter cidadãos, eles devem ser notificados sobre a razão da detenção e devem ter uma oportunidade justa de confrontar as acusações do governo”.
Quando julgou casos de estrangeiros detidos em Guantánamo Bay (Cuba), por exemplo, a Suprema Corte decidiu que os princípios do devido processo se aplicam a estrangeiros, até mesmo aos que foram designados como “combatentes inimigos” pelo ex-presidente Bush.
Juristas afirmam que o governo pode cometer erros graves, quando priva pessoas da liberdade sem o devido processo. Advogados de alguns dos deportados estão se valendo exatamente disso para defender seus clientes.
Eles afirmam que o governo Trump acusa seus clientes de pertencer à gangue Tren de Aragua, por suas tatuagens, por seu país de origem (Venezuela) e, em alguns casos, por fotos postadas na mídia social e, posteriormente, deletadas. Mas o governo não respeitou o direito deles de contestar acusações infundadas.
Na decisão em que o tribunal federal de recursos manteve a liminar que bloqueou a ordem de deportação dos venezuelanos, por dois votos a um, a juíza Patricia Millett escreveu:
“Os nazistas tiveram um tratamento melhor, quando deportados com base na Alien Enemies Act, durante a Segunda Guerra Mundial, do que estamos vendo aqui. Eles tiveram audiências perante conselhos, antes de serem removidos”.
Lei dos tempos de guerra
A lei que autoriza o presidente a deportar “estrangeiros inimigos” em tempos de guerra foi criada em 1798, como parte da Alien and Sedition Acts (Leis do Estrangeiro e da Sedição). A lei limitou a aplicação da sanção a estrangeiros de países em guerra com os Estados Unidos.
Desde então, a lei só foi aplicada três vezes: durante a Guerra de 1812 (Estados Unidos contra a Inglaterra), a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. Nas três ocasiões, a lei só foi usada depois que o Congresso declarou o estado de guerra.
O ex-presidente Thomas Jefferson (1801 a 1809) deixou essa lei expirar. Mas presidentes subsequentes a renovaram, dando poder ao presidente para deter e deportar estrangeiros em tempo de guerra e em casos de “invasão ou incursão predatória por poderes estrangeiros”.
A lei em vigor atualmente autoriza o presidente a deter e deportar pessoas com mais de 14 anos, que o governo considerar “inimigos estrangeiros”. No entanto, a lei estabelece que o presidente deve cumprir as “exigências procedimentais”.
A lei determina, especificamente, que “a capacidade de agir do presidente requer uma declaração de guerra contra uma invasão ou incursão predatória por uma nação estrangeira”. Nesse caso, “o presidente deve emitir uma proclamação, em que expõe seus planos de usar a lei contra inimigos percebidos”.
Para justificar as deportações dos venezuelanos, Trump emitiu uma proclamação em que declara que a gangue Tren de Aragua “está perpetrando e ameaçando uma invasão contra os Estados Unidos”.
A lei também estabelece que deve ser dado às pessoas consideradas inimigos estrangeiros “um prazo razoável para resolverem seus problemas e partirem voluntariamente do país”.
Obviamente, isso não aconteceu. Os venezuelanos foram transportados rapidamente para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, mesmo contra uma ordem judicial que proibia a deportação deles sem o devido processo.
A procuradora-geral do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ), Pamela Bondi, arrumou uma explicação para contestar a crítica de que o país não está em guerra: “São tempos modernos de guerra”, ela disse. Com informações adicionais do The Conversation, National Public Radio (NPR), Vox e CNN.
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