RELATIVIZAÇÃO INDEVIDA

Decisão do STF de proibir revista íntima deveria tornar provas ilícitas

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8 de abril de 2025, 8h52

A decisão do Supremo Tribunal Federal de proibir as revistas íntimas vexatórias deveria tornar as provas decorrentes delas automaticamente ilícitas — e não permitir que sejam validadas pelo juiz do caso, como fixou a corte.

Revista intima vexatória deveria tornar provas ilícitas, dizem especialistas

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, leu na última quarta-feira (2/4) a tese de repercussão geral (Tema 998) firmada em conjunto por todos os ministros, a partir de sugestão inicial do relator do caso, ministro Edson Fachin.

Entre outros pontos, o tribunal estabeleceu que a revista íntima vexatória em visitas sociais a estabelecimentos prisionais é inissível. Dessa forma, as provas obtidas a partir de tais procedimentos são ilícitas, salvo por decisões judiciais em cada caso concreto. Porém, a autoridade pode negar a visita diante de indício robusto de que o visitante carrega produtos ilegais, drogas ou objetos perigosos.

Provas ilícitas

Se o Supremo proibiu as revistas íntimas, as provas decorrentes do procedimento são ilícitas e não poderiam ser relativizadas, segundo os especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Universidade Estácio de Sá, considera “problemática” a tese firmada pelo STF.

“Esse tipo de tese é problemática porque quer funcionar como lei geral e abstrata. Como se uma lei pudesse abarcar todas as hipóteses de aplicação. Não existem respostas antes das perguntas. Esse problema da revista intima só se resolve com scanners. O resto é tentativa metafísica de englobar uma realidade que é mais complexa que a lei. Quanto à prova ilícita, parece uma questão circular ou tautológica. Proibida a revista, não se pode usar como prova o que foi encontrado. Parece estranho, porque o risco é sempre do Estado”, avalia Lenio.

O professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Antonio Eduardo Ramires Santoro tem dúvidas sobre como a tese vai funcionar na prática. “Nada impede que a autoridade indefira a visita, a menos que o visitante se submeta à revista, o que pode funcionar como uma espécie de coação.”

De acordo com o advogado, se as revistas íntimas são ilícitas, as provas decorrentes do procedimento também deveriam ser. Ele questiona em que situações tribunais vão itir uma prova decorrente de uma revista vexatória.

“A inissibilidade de prova ilícita encontra uma exceção direta (quando a prova é a favor da defesa) e duas exceções no caso de prova ilícita por derivação (quando não evidenciado o nexo de causalidade entre a prova original e a derivada ou nas hipóteses de fonte independente). O problema é que a prova extraída da revista íntima é ilícita diretamente, e não por derivação, de tal forma que a única hipótese de issibilidade é quando a prova for a favor da defesa. Assim, a menos que o STF esteja atribuindo ao juiz uma função legislativa de criar casuisticamente uma nova hipótese de issibilidade de prova ilícita, me parece que apenas se poderia itir a prova a favor da defesa”, opina Santoro.

Decisão positiva

A decisão do STF é correta por alinhar a dignidade da pessoa humana com a necessidade de proteger a segurança prisional, já que meios técnicos podem ser usados em lugar das revistas intimas vexatórias, analisa o procurador da República Vladimir Aras, professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal da Bahia.

“A decisão também equilibra no ponto o direito dos cidadãos de não se submeterem a exames vexatórios, mas permite-os excepcionalmente se houver ordem judicial, como por exemplo quando houver uma ação controlada ou entrega vigiada em curso ou quando houver informação concreta (filmagem ou relator de colaborador) sobre a pessoa visada (transportadora)”, diz Aras.

Risco de choque

O item 5 da tese firmada pelo Supremo estabelece que “devem os entes federados, no âmbito de suas atribuições, garantir que a aquisição ou locação de scanners corporais para as unidades prisionais esteja contemplada no respectivo planejamento istrativo e orçamento, com total prioridade na aplicação dos recursos”.

Não há consenso, porém, sobre se o Judiciário pode impor prioridades istrativas e orçamentárias aos outros poderes.

“Esse item desborda do limite da controvérsia e pode gerar um choque com competências do Poder Executivo e do Legislativo”, avalia Vladimir Aras.

Por outro lado, Antonio Santoro destaca que “cabe ao Poder Judiciário determinar atos para dar cumprimento às suas decisões e implementar medidas de respeito aos direitos humanos e fundamentais”.

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