A argumentação do advogado e os vieses pessoais do julgador
10 de abril de 2025, 15h14
O discurso jurídico, em qualquer das suas vertentes, teórica e prática, é permeado pela atividade argumentativa. Em um e outro caso, o convencimento pontua o esforço argumentativo.
A viabilidade do convencimento não está condicionada apenas à eficácia discursiva. A idealização do cenário jurídico, apregoada pelas teorias puristas, é inconciliável com as subjetividades que integram o discurso jurídico. Concepções situadas no íntimo dos atores envolvidos nesse discurso, de natureza variada, influenciam e mesmo orientam o processo de convencimento e a escolha das alternativas decisórias.
Qual o espaço para a obtenção do convencimento, a despeito do empenho argumentativo, quando no debate jurídico em concreto ressoam matizes de caráter eminentemente subjetivo? Como influenciar no íntimo do julgador quando está imbuído por vieses pessoais que direcionam sua apreensão da questão jurídica?
Vale a pena tentar explorar as possibilidades do discurso jurídico de atuar eficazmente no espírito do destinatário quando se defronta com fatores intrínsecos do destinatário, que interferem na recepção dos argumentos.
Atores do cenário argumentativo
Embora a atividade argumentativa seja inerente ao convívio social, alcançando suas infinitas vertentes, é na advocacia que a argumentação adquire uma espécie de ênfase estrutural. A obtenção do convencimento é a finalidade fundamental do ofício do advogado. Ao dirigir a palavra ao juiz, o advogado intenciona persuadi-lo de suas razões e com isso levá-lo a acolher a tese defendida.
Víctor Gabriel Rodríguez (2005, p. 47) refere que a parcialidade do advogado implica um desvalor aos fundamentos lançados em suas petições, pois o ponto de vista que expõe está comprometido com o interesse da parte que defende.
Essa parcialidade decorre da posição de defensor de determinados interesses, que são antagônicos aos interesses de um terceiro. Para cumprir eficazmente sua função, incumbe ao advogado tirar partido das possibilidades do sistema e direcionar sua pretensão de forma justificada, com argumentos que devem ter conformidade com as normas que integram esse sistema para que possam ser aceitos pelo juiz (Atienza, 2007, p. 202).

Se o advogado protagoniza o esforço argumentativo, o juiz, por sua vez, deve estar sensível a tal esforço. Isso significa que é imperativa sua abertura à possibilidade de ser influenciado. A influência é o fator que norteia todo o desenvolvimento da argumentação. Sem essa disposição, não se perfectibiliza a interação argumentativa, pois apenas um dos atores cumpre sua função num processo que deveria ser essencialmente dialógico.
Não se desconsidera, por óbvio, que o bom juiz não é um sujeito apático, apenas aguardando os argumentos das partes para silogisticamente fazer sua conclusão. Por outro lado, a decisão judicial não deve retratar um ato de arbitrário isolamento, pois deve resultar de uma construção compartilhada entre todos aqueles que intervêm de maneira significativa no cenário litigioso. É no embate discursivo entre as partes, contrabalançado pela ponderação judicial, que emerge a solução mais adequada para o caso.
Objetivo da argumentação do advogado
Em qualquer ato argumentativo existe a intenção de levar o interlocutor a acolher ou aumentar a adesão a um ponto de vista. Disso não resulta, contudo, que seja uma via aberta à manipulação. O componente ético é indissociável da argumentação.
A argumentação preserva a autonomia e a plena consciência do interlocutor, que fica livre para aderir, ou não, à tese que lhe é apresentada. Enquanto a finalidade visada pela argumentação é transparente e suas premissas e consequências estão postas de maneira aberta e honesta, a manipulação, por outro lado, tem por objetivo algo disfarçado e só externamente aparenta correção.
Aquele que argumenta dignifica a individualidade do outro, pois procura seu assentimento livre e espontâneo; o manipulador, ao contrário, paralisa a escuta (BRETON, 2005, p. 64) e desrespeita o interlocutor, porque intenciona um resultado que não obteria se agisse de acordo com o padrão moral de conduta.
Desde que a atuação do advogado se ajuste aos limites das possibilidades que a técnica jurídica lhe permite, assim como respeitados os preceitos de conduta do seu estatuto profissional, não há dúvida de que seu agir será ético. E nesse contexto, o objetivo da argumentação do profissional da advocacia é convencer o juiz acerca da correção da posição jurídica que defende. Cabe ao advogado demonstrar que o direito ampara a parte que se encontra sob seu patrocínio.
Os valores pessoais e sua interferência no convencimento
Os sujeitos que atuam no debate judicial possuem sentimentos, emoções e crenças. Isso tudo interfere na maneira como percebem as coisas. Nenhuma comunicação é neutra, alerta Diana Luz Pessoa de Barros (2007, p. 50), pois sempre estão em jogo os valores ideológicos das pessoas.
Há valores abstratos, como a justiça, a verdade, a razão, a amizade, o respeito, a beleza, a utilidade, o amor à pátria, a memória de alguém que partiu, e também existem valores concretos, como uma imagem, um monumento, um território, um local histórico. A vida é permeada por uns e outros. Cultivam-se valores abstratos e estimam-se valores concretos. No processo judicial, frequentemente se recorre aos valores para reforçar a argumentação, para motivar o juiz a fazer certas escolhas em detrimento de outras, e, sobretudo, para justificá-las, de maneira a torná-las aceitáveis (Perelman; Olbrechts-Tyteca, s/d, p. 85).
O ato de julgar não é um ato mecânico, dotado de um silogismo estritamente técnico. Há uma importante fração de subjetividade no processo decisório. A ingerência dessa subjetividade é muito variável, a depender de fatores de matizes diversificados, mas é possível perceber que ela atua com maior ênfase nos casos em que há uma análise de fatos, visto que envolvem juízo de valor acerca da conduta humana, algo que sucede em menor escala nos casos cuja apreciação resume-se à matéria de direito, quando tal juízo recai sobre preceitos normativos.
O julgador possui maior liberdade cognitiva na apreensão dos fatos do que em relação às normas jurídicas, visto que nessa segunda hipótese sua atividade interpretativa está delimitada pela expressão dessas normas. Em qualquer hipótese, em maior ou menor grau, as concepções pessoais do julgador podem interferir na sua decisão.
O atributo da imparcialidade não imuniza essa interferência, pois se trata de regra de tratamento destinada às partes, visando a um equilíbrio no debate judicial. O juiz imparcial não se desvincula de seus valores pessoais. O exercício que deve ser feito, para transpor eventual distorção decorrente de subjetivismos, é evitar a sobreposição de vieses pessoais em relação à causa objetivamente a ser julgada, de modo a evitar que atuem desmedidamente no ato decisório, tornando-o um ato que reflete meramente a persona do seu emissor.
A decisão judicial deve reproduzir não a restrita apreciação subjetiva do juiz, mas, sim, reportar-se acima de tudo aos valores legítimos acolhidos no meio social onde deve gerar seus efeitos. No Estado democrático de direito, esses valores estão consolidados na Constituição, que expressa suas normas estruturantes e que servem como balizas impeditivas a subjetivismos por parte das autoridades públicas frente ao cidadão.
A eficácia persuasiva da argumentação restará mitigada ou mesmo anulada se o julgador não se esforçar para neutralizar suas concepções pessoais capazes de influenciar sua decisão. Note-se que isso é sistematicamente efetivado na atual jurisprudência brasileira, quando o juiz, embora intimamente contrariado, se vê obrigado a seguir um precedente de tribunal superior.
Para que o sistema de justiça funcione da melhor forma possível, de maneira a evitar distorções em seus resultados e consequentemente pacificar a controvérsia de acordo com os padrões constitucionais vigentes, é necessário que a parte tenha oportunidade de fazer-se ouvir, numa verdadeira atividade dialógica com o órgão jurisdicional.
Esse diálogo é inviabilizado se a escuta do juiz não se revela efetiva porque seu convencimento já está condicionado ou mesmo formado pelas suas convicções pessoais acerca da questão que deve julgar. A desmedida subjetivação das percepções judiciais (algo diverso da discricionariedade que o sistema jurídico confere ao juiz em determinadas hipóteses) minimiza ou impede que o esforço argumentativo cumpra sua funcionalidade, visto que, nessa hipótese, o convencimento se sucede monologamente e autocentrado, sem qualquer abertura à legítima influência externa.
Considerações finais
A atividade desenvolvida pelo operador do direito sofre o influxo das suas concepções individuais. No entanto, a razão que consubstancia a atividade do julgador deve ser extraída não de um simples enfoque subjetivo, em certos casos pressuposto de ponderações inadequadas para conferir justiciabilidade à decisão, mas da integralidade do sistema, verticalizado pela Constituição, que tem potencial suficiente para regular as mais variadas circunstâncias litigiosas.
Nesse processo, incumbe ao juiz revelar escuta sensível à argumentação do advogado, sopesando motivadamente seus argumentos. O direito do jurisdicionado de influenciar na formação do convencimento judicial somente se concretiza se houver espaço ao diálogo entre os atores envolvidos.
Inexistindo tal disposição, porque o julgador está imbuído por vieses pessoais, todo o esforço legitimamente empenhado pelo advogado resulta ineficaz.
Referências
ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación. 2. ed. Barcelona: Ariel, 2007.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. A comunicação humana. In Introdução à Linguística. José Luiz Fiorin (Org.). 5. ed. 1. reimpr. São Paulo: Contexto, 2007.
BRETON, PHILIPPE. Argumentar em situações difíceis. Barueri: Manole, 2005.
PERELMAN, Chaim e OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. Lisboa: Instituto Piaget, s/d.
RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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