Tren de Aragua

Para Suprema Corte dos EUA, deportação de 'inimigos estrangeiros' exige devido processo

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10 de abril de 2025, 7h32

Ao contrário do que apareceu em algumas notícias, a Suprema Corte dos Estados Unidos não autorizou o presidente Donald Trump a usar a Lei dos Inimigos Estrangeiros (Alien Enemies Act — AEA), de 1798, para deportar venezuelanos acusados de serem membros da gangue Tren de Aragua (TdA) sem o devido processo. A decisão per curiam, em Trump v. J.G.G., deixa claro que a corte não entrou no mérito da questão.

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“Os detidos (cinco venezuelanos presos, autores da ação) buscam uma tutela jurisdicional equitativa contra a implementação da ‘Proclamação’ (o ato do presidente que invocou a Alien Enemies Act para prender e deportar os ‘suspeitos’). Eles contestam a interpretação da lei pelo governo e declaram que não se enquadram na categoria de inimigos estrangeiros deportáveis. Mas nós não examinamos esses argumentos”, diz a decisão.

O que a corte fez foi revogar duas medidas liminares concedidas por um juiz federal em Washington, D.C. (e mantidas por um tribunal de recursos), que proibiu o governo Trump de transferir venezuelanos suspeitos de pertencer à gangue TdA para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, por 14 dias — prazo para iniciar o julgamento do mérito da questão.

Essa foi a principal decisão, mas outras foram tomadas. A mais importante foi a de que todo e qualquer suspeito de ser um “inimigo estrangeiro” — ou membro da gangue agora designada como “organização terrorista estrangeira” —, sujeito à deportação com base na Alien Enemies Act, tem direito a um reexame judicial de seu caso.

Em outras palavras, tem direito ao devido processo, garantido pela 5ª Emenda da Constituição. A decisão afirma que agora o próprio governo reconhece isso. Além disso, o governo tem a obrigação de notificar os “suspeitos”, dentro de um prazo razoável, de que proclamará sua intenção de usar essa lei, para que eles possam tomar providências necessárias antes de serem deportados.

Jurisdição competente e Habeas Corpus

Duas outras decisões justificaram a revogação das liminares. Uma delas se refere à jurisdição em que as ações contra o governo devem ser movidas; a outra, ao instrumento jurídico que deve ser usado: no caso, um pedido individual de Habeas Corpus, não uma ação coletiva.

A decisão da Suprema Corte foi tomada por 5 votos a 4 (cinco votos dos ministros contra quatro votos das ministras). De acordo com o voto da maioria, os autores do pedido de concessão de liminar para bloquear a implementação da “proclamação” do presidente moveram a ação na jurisdição errada, em Washington, D.C.

“Para petições de Habeas Corpus essenciais, a jurisdição reside em apenas um distrito: o distrito de encarceramento.” Os peticionários estão em uma prisão no sul do Texas. Nesse caso, devem mover suas ações em um tribunal federal no sul do Texas — não em Washington, D.C. “Simplesmente por essa razão, o governo irá, provavelmente, ser bem-sucedido no mérito da questão”, diz o voto da maioria.

O voto também opinou sobre o instrumento jurídico apropriado para os autores das ações contestarem o ato do governo. No caso, seria um pedido individual de Habeas Corpus, não uma ação coletiva.

“Em Ludecke v. Watkins, a corte decidiu que impugnações a ordens de deportação, com base na Alien Enemies Act, uma lei que geralmente preclui o reexame judicial, devem ser apresentadas através de Habeas Corpus.”

De acordo com a decisão, os advogados dos peticionários entraram inicialmente com um pedido de HC em favor de seus cinco clientes. Na primeira audiência, na manhã em que mais de 200 venezuelanos foram deportados, os advogados informaram o juiz que iriam propor uma ação coletiva putativa em favor dos que podem ser deportados e dos que já foram deportados.

Nos EUA, uma “ação coletiva putativa” é definida como uma ação movida em nome de um ou vários peticionários, em favor de um grupo similar de indivíduos que, alegadamente, sofreram ou podem sofrer um dano comum, mas que ainda não foi certificada por um juiz como uma ação coletiva. Mais tarde, o juiz certificou a ação, que a Suprema Corte descartou em favor do Habeas Corpus.

De acordo com o voto dissidente, as decisões da maioria sobre a jurisdição apropriada e do Habeas Corpus como veículo apropriado é muito conveniente para o governo. “O governo certamente prefere se defender em mais de 300 ações de pedidos individuais de Habeas Corpus do que enfrentar uma ação coletiva em Washington, D.C.”, diz o voto escrito pela ministra Sonia Sotomayor.

Para ela, a razão é a de que o governo pode transferir os “suspeitos” para prisões em estados com jurisdições simpáticas às causas conservadoras-republicanas, como descritas nas práticas de judge shopping.

Para os “suspeitos” detidos, isso não é nada conveniente. Além de enfrentar um fórum judicial supostamente desfavorável, cada um deles tem de contratar um advogado — e nem todos têm recursos financeiros para fazê-lo. “Essas exigências os expõem a uma situação difícil, que pode ter consequências de vida ou morte, ao serem transportados para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, que é famosa por desrespeitar direitos humanos”, diz o voto dissidente.

Lei do Inimigo Estrangeiro

A Alien Enemies Act foi criada em 1798 como “um exercício constitucional do poder do Congresso de declarar guerras, de apoiar e prover e para exércitos e também para a formação de milícias, que seriam encarregadas de suprimir insurreições e repelir invasões”, diz o voto dissidente.

“Para esse fim, a lei atribui ao presidente o poder de deter e deportar cidadãos estrangeiros de uma nação ou governo hostil, quando há uma guerra declarada contra tal nação ou quando um país estrangeiro ameaça uma invasão ou uma incursão predatória contra o território dos Estados Unidos.”

Segundo o voto, isso mudou no último dia 14, quando o presidente Trump invocou essa lei para lidar com a suposta invasão dos Estados Unidos pela gangue Tren de Aragua, designada uma organização criminosa baseada na Venezuela.

“Obviamente, nenhuma guerra entre os Estados Unidos e a Venezuela está acontecendo. Nem a Tren de Aragua é, em si, uma nação estrangeira”, diz o voto.

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