Pobreza pode majorar danos morais do consumidor
10 de abril de 2025, 16h16
Ao contrário da indenização por danos materiais, a compensação por danos morais não se sujeita plenamente à regra da reparação integral. É que, embora a tutela repressiva resulte, como regra quase absoluta [1], na condenação do responsável ao pagamento de dinheiro, não há um correspondente econômico exato para os bens jurídicos extrapatrimoniais violados, especialmente diante da vedação de tabelamento das compensações.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não indica os critérios para a liquidação dos danos morais, exigindo apenas que a reparação seja “efetiva” (artigo 6º, VI) [2].
Assim, a fixação da reparação por danos morais envolve, inevitavelmente, algum grau de subjetividade. Na prática, significa dizer que existe risco ao tratamento isonômico dos consumidores que estejam em situações jurídicas equivalentes.
A fim de reduzir essa subjetividade na valoração do quantum debeatur, o Superior Tribunal de Justiça entende que a fixação deve observar o método bifásico: primeiro é estabelecido um valor base, a partir do bem jurídico violado e de um conjunto de decisões relacionadas a casos semelhantes; depois, são analisadas as peculiaridades do caso concreto, à luz das circunstâncias fáticas do evento, do comportamento do agente lesivo e das condições econômicas dos envolvidos [3].
Baixa condição econômica
É justamente nessa segunda fase da fixação reparatória que a baixa condição econômica da parte pode ser utilizada para majoração da compensação pelos danos morais. Basta que, em razão disso, a parte e consequências que não se produziriam na hipótese de o sujeito ter situação socioeconômica mais confortável.
Considere-se as causas de suspensão indevida de linha telefônica/internet. Em geral, pessoas de baixa renda não possuem telefone fixo, compartilham o mesmo número entre todos os membros da família, dependem do celular para o exercício de atividade laborativa e não possuem qualquer outro número de contato. A suspensão do serviço gera, pois, restrições de comunicação muitas vezes insuperáveis.

Desse modo, os danos decorrentes da interrupção do serviço são maiores do que, por exemplo, aqueles que atingem uma pessoa da classe média (que tem telefone fixo, número disponível no trabalho, mais de um celular na família, o constante a redes de wi-fi etc). Nesse caso, a paralisação do serviço em relação a uma das linhas disponíveis tem, sem sombra de dúvidas, impacto mais limitado.
Extravio de bagagem
Outra hipótese é a de extravio de bagagem, na qual roupas, calçados e produtos de higiene pessoal podem ficar temporariamente indisponíveis. Evidentemente, a falta de o a esses itens, ainda que momentânea, produz lesões muito mais significativas em relação a pessoas de baixa renda do que em relação a pessoas com melhores condições econômicas (que podem antecipar gastos em cartão de crédito, por exemplo, para atender necessidades básicas, postulando ressarcimento de danos materiais em momento posterior).
O mesmo se diga em relação a descontos indevidos em verba de natureza alimentar. Quanto mais delicada for a situação econômica do ofendido, maior também será a privação decorrente da restrição financeira a que tenha sido ilegalmente submetido.
Nessas situações, como em tantas outras, o valor da reparação a ser fixada em favor do consumidor hipossuficiente deve ser majorado na segunda etapa do método bifásico, sem que se possa cogitar de enriquecimento sem causa. O ponto que se quer ressaltar é justamente este: a reparação deve ser maior porque a extensão do dano também o foi.
Valor reparatório
Na mesma linha, vale outro registro: em nenhum caso, o valor reparatório pode ser reduzido exclusivamente porque o quantum apurado na primeira etapa do método bifásico representa quantia vultosa em comparação ao perfil econômico da vítima. Isso equivaleria a uma patrimonialização indevida dos critérios balizadores da compensação, pagando-se mais a pessoas ricas, tão somente porque são ricas, e menos a pessoas pobres, exclusivamente porque são pobres, sem qualquer consideração com a extensão do dano moral.
Nesse sentido, aliás, é a Tese Institucional nº 12/2024, da Defensoria Pública do Estado Paraná, segundo a qual: “A baixa condição econômica do consumidor não pode ensejar a minoração dos danos morais, sob o argumento do enriquecimento sem causa, podendo, inclusive, justificar a majoração da compensação, quando agravar as consequências da lesão[4].”
É preciso, portanto, que a jurisdição seja exercida com rigorosa atenção aos impactos negativos ados pela população mais vulnerável, em decorrência da violação de certos direitos. Apenas assim o processo servirá como instrumento de redução, e não de fomento, das desigualdades sociais.
[1] Apesar da pouca aplicação, é pacífica a possibilidade de reparação in natura dos danos morais. Nesse sentido é o Enunciado nº 589 das Jornadas de Direito Civil, segundo o qual “a compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo itida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio.
[2] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
[3] Dentre os julgados do STJ que aplicam o método bifásico, pode-se destacar: REsp nº 1.152.541/RS, REsp nº 1533342/PR e REsp 1.473.393/SP. Para uma decisão mais recente, conferir o REsp nº 2173890/DF.
[4] https://www.defensoriapublica.pr.def.br/Pagina/Integra-de-Teses-Institucionais-Aprovadas
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